Quer saber? Odeio shopping center! Sempre odiei. Desde moleque me acostumei ao ar livre, com o sol na cara, e vendo a cor do céu. Adorava zanzar horas e horas pelo centro da cidade, saindo de uma livraria e entrando numa loja de discos, saindo de uma loja de discos e entrando num sebo, saindo dum sebo e entrando num cinema. Taí, o cinema, por exemplo. Em minha juventude tive a alegria de frequentar de cabo a rabo todos os cinemas do centro de Sampa, bem ali naquele miolo que rodeia as tão famosas avenidas Ipiranga e São João. Metro, Marrocos, Marabá (o único que sobreviveu), Paysandu, Olido, Comodoro (por algum tempo, o melhor da cidade), Ipiranga, Cinespacial (este tinha a sala redonda e com três telas) e mais uns tantos que agora me fogem à memória... Sem falar nos grandes cartazes, pintados por funcionários, verdadeiras obras-primas do trash.
E hoje, sabe o que são esses cinemas? Igrejas! Sim, no começo foi uma, depois foi outra, quando dei por mim... cadê o cinema que estava aqui? O culto comeu... Vocês podem não acreditar, mas já peguei filas quilométricas por ali pra ver, por exemplo, Dança com Lobos, ou algum filme de terror, pois em minha adolescência houve uma febre do gênero. Era um tal de A Hora do Lobisomem, A Hora do Espanto, a hora disso, a hora daquilo... e era tudo, como dizem, da hora! E mais, era seguro! E barato! Daí, quando começaram a nos expulsar desses nossos templos (porque haviam se transformado em outros templos...), o jeito foi migrar pros shoppings. Que decepção... Salinhas minúsculas e preços pra lá de salgados.
Claro, estávamos pagando por segurança! O engraçado... aliás, não era engraçado. Mudemos a frase. O que – agora, por causa dos recentes acontecimentos rolezísticos, lembrei – me chamava a atenção na época era que praticamente todas as pessoas que eu via nos shoppings eram brancas. Sim, lembro que já naquele tempo eu às vezes perdia a noção da hora contando quantos negros encontrava. E eu ficava me perguntando se haveria alguma lei que proibisse a entrada a negros e pobres. Porque, esqueci de comentar, não eram só negros que eu não via. Pobres também não. Quer dizer, eu era pobre (sou), o que estou tentando explicar é que eu também fazia parte de uma minoria. Eu ia por causa do cinema, das livrarias e das lojas de discos, mas raramente encontrava pessoas vestidas de forma simples como eu.
Ou seja, eu também fazia parte da estatística. Com minhas roupas baratas, destoava do geral. Mas não estava nem aí. Afinal, comprar roupa pra mim sempre foi uma tortura. A coisa que eu mais odiava eram aqueles vendedores que ficavam na entrada das lojas, ávidos, parecendo uns vampiros querendo meu sangue. Só entrava em lojas nas quais esses indivíduos estivessem ocupados, pois assim eu podia ter tranquilidade pra escolher. Porque eu não sabia o que queria, precisava ver, ter paz pra procurar, e de preferência sem ninguém a meu lado querendo me ajudar. Tanto, que até hoje sou meio traumatizado. Quando ouço alguém proferir a famosa frase "posso ajudar?", só não saio correndo se for impossível, mas que dá vontade de sumir dali, dá.
Não era raro eu sair de casa pra comprar roupa e voltar com as sacolas cheias de livros e discos. O que eu podia fazer? Era de minha natureza. Ainda hoje é assim. Na maioria das vezes é a esposa quem acaba escolhendo minhas roupas. Depois fico nervoso, porque aquela estampa não combina comigo ou tal cor é espalhafatosa, mas me resigno, afinal, a culpa é minha. Por falar em nervoso, outra coisa que me dá urticária são as praças de alimentação. Vá lá, são democráticas e tal, mas parecem uma grande feira barulhenta e suja. Sem falar que geralmente, quando sou voto vencido e tenho que comer nesses locais, saio com fome, pois a quantidade de comida que se vende por ali é inversamente proporcional ao preço. Comer pra mim é algo quase sagrado, preciso de boa companhia e discrição. Praça de alimentação? Sou do tempo em que praças eram ao ar livre, e verdes.
Bem, mas chega de lembranças e entremos logo na questão dos tais rolezinhos. O que tem acontecido nos shoppings é parecido com o que acontece nos aeroportos. Antigamente o pobre viajava de ônibus. Hoje já pode se dar o luxo de vez por outra aproveitar uma promoçãozinha e utilizar o alado invento de Santos Dumont. Pra quem sempre usou avião, é chato, eu sei. Afinal, deve ser mesmo um tanto humilhante pra você, doutor, cruzar com sua empregada doméstica no aeroporto, não é verdade? O mesmo ocorre com os shoppings. Aquela galera da periferia percebeu que, agora que pode pagar, não tem mais por que se sentir envergonhada ao entrar nesse santuário do consumismo. Se, culturalmente, a balança ainda pende pro lado de lá, em se tratando de consumo o peso já está se equilibrando dos dois lados. E quem antes só frequentava camelódromos hoje vai ao xópim.
Gosto de cidades que ainda não se venderam aos shoppings. Buenos Aires, por exemplo, tem alguns deles, mas o buenairense ainda gosta mesmo é de uma calle. Ainda dá pra fazer um belo passeio pelas ruas e encontrar de tudo nelas, cafés, cinemas, livrarias (e como há livrarias lá!)... Mas voltemos. O que quero dizer é que não adianta liminar, polícia sentando o cacete, lojista baixando as portas... Eles vieram pra ficar! Lembra quando se ouvia "e poder me orgulhar de ter a consciência que o pobre tem seu lugar"? Pois é, o pobre hoje quer o SEU lugar. Afinal, se tiraram a cultura do lado de fora, eles vão buscar um paliativo do lado de dentro. Então, gostem ou não, o jeito é aceitar. E, já que não dá mais pra se livrar deles, a coisa só vai melhorar quando cada um deles se tornar um de vocês TAMBÉM CULTURALMENTE! O tempo em que vocês podiam "brincar" com segurança no shopping porque eles tinham vergonha de entrar já foi. E agora? Onde se esconder? Na tela do computador?
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PS: Enquanto terminava esta crônica, li que o cine Belas Artes está reabrindo. Ainda há luz no fim do túnel ("e outro túnel no fim da luz", né não, Gabo?)!
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Hola Léo... qué tal todo? ...
ResponderExcluirhace mucho que no venía por aquí ...
me parece muy interesante tu crónica... aquí pasa lo mismo .. hay muchos centros comerciales de los grandes con muchos locales, y muchos de los pequeños en barrios populares... uno puede encontrar fácilmente varios negocios en una misma cuadra... de hecho, así comienza todo: alguien pone un negocio, y luego se repliegan otros en la misma cuadra, y después es la zona la que se vuelve comercial. Incluso, hoy en día, ya no se trata tan solo de un negocio en un local grande, sino de negocios en locales pequeñitos, al punto que hay muuuchísimos negocios en un mismo edificio en una misma cuadra. Eso sin contar que las calles están llenas de vendedores ambulantes incluso aún cuando hay leyes al respecto.
Bueno, pues mi punto no es decir que eso está mal, las pesronas necesitan trabajar, sino que eso muestra el estado de la sociedad. Tal como lo dices «Gosto de cidades que ainda não se venderam aos shoppings», no lo había visto así, pero es cierto, la cultura de los centros comerciales ha cambiado el modo de «vivir» la ciudad, de andar por ella. Ya no aprovechamos la calle si no estamos en un centro comercial. De hecho, es muy común salir a caminar por uno, hablar, comer algo (un helado tal vez, o una hamburguesa), y ya. Hahahaha esa fue la salida.
Ahhh... el invento del «boulevard» en la modernidad permanace, evoluciona todavía, vive con nosotros.
Gracias por tu texto, me gustó mucho.
Saludos...
Javier.
Hola, Javier! Cuánto tiempo! Cómo te van las cosas?
ExcluirEs verdad, chico, "la cultura de los centros comerciales ha cambiado el modo de «vivir» la ciudad, de andar por ella". Después de ellos, casi ya no disfrutamos más de la ciudad, nos quedamos encerrados en un sitio con aire acondicionado y ya está. Una lástima! Yo, mientras puedo, intento no rendirme a ellos.
Un fuerte abrazo!
Léo.