Certa vez, estava eu assistindo a um filme antigo (cujo nome esqueci) dirigido por Douglas Sirk, quando reparei que em uma cena a personagem principal folheou meio por acaso um livro que até então repousava sobre uma mesa. Sou muito curioso em relação a capas de livros; quando estou em algum transporte coletivo e vejo alguém lendo, dou sempre uma pescoçada (in)discreta pra ver o nome. Assim, congelei a imagem na cena em que apresentava um melhor ângulo da capa do livro em questão e li Walden, Henry David Thoreau. Anotei título e autor e mais tarde fui pesquisar a respeito. Descobri que o tal de Thoreau foi um polêmico estadunidense que viveu no século XIX e era um ferrenho crítico da escravidão, do ideal de viver em função do trabalho e, sobretudo, do american way of life.
Comprei dois livros dele, o próprio Walden e A desobediência civil, este uma coletânea de vários textos de Thoreau. Li-o de uma sentada há algum tempo, mas resolvi colar por aqui alguns fragmentos dessa leitura, pois tem muito a ver com o momento em que vivemos hoje. Selecionei algumas partes dentre as que havia sublinhado durante a leitura, como esta que diz que "há 999 arautos da virtude para cada homem virtuoso". Recentemente, como se nos faltassem provas dessa afirmação, a votação do impeachment na câmara se revelou contundente prova. Ainda sobre o tema, destaco outra frase: "Toda votação é uma espécie de jogo, como damas ou gamão, com um leve matiz moral, uma brincadeira em que existem questões morais, o certo e o errado, e evidentemente é acompanhada de apostas. O caráter dos votantes não entra em jogo." Touché!
Thoreau, além de um precursor da ecologia (seu livro Walden trata de um período em que se afastou da sociedade e experimentou viver numa cabana no meio da floresta), foi também uma espécie de anarquista; não acreditava no poder de um Estado castrador sobre as liberdades individuais. Vejamos: "[...] descubro que o homem respeitável, ou assim chamado, abandonou prontamente sua posição e não espera mais nada de seu país, quando é seu país que tem mais motivos para nada mais esperar dele. Ele mais que depressa adota um dos candidatos assim escolhidos como o único disponível, provando desse modo que ele próprio está disponível para todos os propósitos do demagogo. Seu voto não tem mais valor do que o de qualquer forasteiro sem princípios ou nativo mercenário, que pode muito bem ter sido comprado."
Segundo ele, "não é obrigação de um homem, evidentemente, dedicar-se à erradicação de um mal qualquer, nem mesmo do maior que exista; ele pode muito bem ter outras preocupações que o absorvam. Mas é seu dever, pelo menos, manter as mãos limpas e, mesmo sem pensar no assunto, recusar o apoio prático ao que é errado. Se eu me dedico a outros planos e atividades, devo antes de mais nada garantir, no mínimo, que para realizá-los não estarei pisando nos ombros de outro homem. Devo sair de cima dele para que também ele possa perseguir seus objetivos. [...] O que eu tenho a fazer é cuidar, de todo modo, para não participar das mazelas que condeno." Sobre o coletivo, afirma que "uma minoria é impotente enquanto se conforma à maioria, nem chega a ser uma minoria então, mas é irresistível quando intervém com todo o seu peso".
Sobre o dinheiro, exemplifica: "Se houvesse alguém que pudesse viver inteiramente sem o uso de dinheiro, o próprio Estado hesitaria em exigir-lhe pagamento. Mas o homem rico – sem querer fazer nenhuma comparação invejosa – está sempre vendido à instituição que o faz rico. Falando em termos absolutos, quanto mais dinheiro, menos virtude, pois o dinheiro se interpõe entre um homem e seus objetivos, e os alcança para ele, e certamente não há grande mérito em alcançá-los dessa maneira." Diz ainda que "a riqueza do homem é proporcional à quantidade de coisas de que pode abrir mão" e cita Confúcio: "Se um Estado for governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objeto de vergonha; se um Estado não for governado pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias serão objeto de vergonha."
Também não se esqueceu da imprensa (pelo visto, avançou-se pouco de lá pra cá. Ele fala de seu país, mas podemos aplicar sua afirmação também ao nosso): "Acredito que, neste país, a imprensa exerce uma influência maior e mais perniciosa do que a exercida pela Igreja em seu pior período. [...] O jornal é uma Bíblia que lemos a cada manhã e a cada tarde [...] Sua influência é vastíssima. O editor é um sacerdote que as pessoas sustentam voluntariamente." Reparem que, já no século XIX, ele temia mais o poder da imprensa que o da Igreja. Em nossa realidade local, apesar de a imprensa ser considerada o quarto poder, o uso da religião com fins políticos também tem se mostrado bem nefasto. Não à toa, ainda na votação do impeachment muitos deputados votaram em nome de Deus e de suas próprias famílias.
Sobre a Bíblia: "Aqueles que não conhecem fontes mais puras da verdade, que não foram mais longe correnteza acima, apegam-se, prudentemente, à Bíblia e à Constituição, e delas bebem com reverência e humildade. Mas aqueles que avistam de onde ela vem para desaguar neste lago ou naquela lagoa, aprumam o corpo mais uma vez e continuam sua peregrinação até a nascente." Põe o sistema em xeque: "Será a democracia, tal como a conhecemos, o último aperfeiçoamento possível em matéria de governo? Não será possível dar um passo adiante em direção ao reconhecimento e à organização dos direitos do homem? Jamais um Estado será verdadeiramente livre e esclarecido se não reconhecer o indivíduo como um poder mais elevado e independente, do qual deriva todo o seu próprio poder e autoridade." E sentencia que o destino do país "não depende do tipo de papel que colocamos na urna [...], mas do tipo de homem que cada um de nós coloca na rua ao sair de casa a cada manhã".
Desenhando: antes de gritarmos "Fora, corruptos", precisamos fazer uma avaliação profunda de nossos próprios atos e/ou omissões.
Thoreau, além de um precursor da ecologia (seu livro Walden trata de um período em que se afastou da sociedade e experimentou viver numa cabana no meio da floresta), foi também uma espécie de anarquista; não acreditava no poder de um Estado castrador sobre as liberdades individuais. Vejamos: "[...] descubro que o homem respeitável, ou assim chamado, abandonou prontamente sua posição e não espera mais nada de seu país, quando é seu país que tem mais motivos para nada mais esperar dele. Ele mais que depressa adota um dos candidatos assim escolhidos como o único disponível, provando desse modo que ele próprio está disponível para todos os propósitos do demagogo. Seu voto não tem mais valor do que o de qualquer forasteiro sem princípios ou nativo mercenário, que pode muito bem ter sido comprado."
Segundo ele, "não é obrigação de um homem, evidentemente, dedicar-se à erradicação de um mal qualquer, nem mesmo do maior que exista; ele pode muito bem ter outras preocupações que o absorvam. Mas é seu dever, pelo menos, manter as mãos limpas e, mesmo sem pensar no assunto, recusar o apoio prático ao que é errado. Se eu me dedico a outros planos e atividades, devo antes de mais nada garantir, no mínimo, que para realizá-los não estarei pisando nos ombros de outro homem. Devo sair de cima dele para que também ele possa perseguir seus objetivos. [...] O que eu tenho a fazer é cuidar, de todo modo, para não participar das mazelas que condeno." Sobre o coletivo, afirma que "uma minoria é impotente enquanto se conforma à maioria, nem chega a ser uma minoria então, mas é irresistível quando intervém com todo o seu peso".
Sobre o dinheiro, exemplifica: "Se houvesse alguém que pudesse viver inteiramente sem o uso de dinheiro, o próprio Estado hesitaria em exigir-lhe pagamento. Mas o homem rico – sem querer fazer nenhuma comparação invejosa – está sempre vendido à instituição que o faz rico. Falando em termos absolutos, quanto mais dinheiro, menos virtude, pois o dinheiro se interpõe entre um homem e seus objetivos, e os alcança para ele, e certamente não há grande mérito em alcançá-los dessa maneira." Diz ainda que "a riqueza do homem é proporcional à quantidade de coisas de que pode abrir mão" e cita Confúcio: "Se um Estado for governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria serão objeto de vergonha; se um Estado não for governado pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias serão objeto de vergonha."
Também não se esqueceu da imprensa (pelo visto, avançou-se pouco de lá pra cá. Ele fala de seu país, mas podemos aplicar sua afirmação também ao nosso): "Acredito que, neste país, a imprensa exerce uma influência maior e mais perniciosa do que a exercida pela Igreja em seu pior período. [...] O jornal é uma Bíblia que lemos a cada manhã e a cada tarde [...] Sua influência é vastíssima. O editor é um sacerdote que as pessoas sustentam voluntariamente." Reparem que, já no século XIX, ele temia mais o poder da imprensa que o da Igreja. Em nossa realidade local, apesar de a imprensa ser considerada o quarto poder, o uso da religião com fins políticos também tem se mostrado bem nefasto. Não à toa, ainda na votação do impeachment muitos deputados votaram em nome de Deus e de suas próprias famílias.
Sobre a Bíblia: "Aqueles que não conhecem fontes mais puras da verdade, que não foram mais longe correnteza acima, apegam-se, prudentemente, à Bíblia e à Constituição, e delas bebem com reverência e humildade. Mas aqueles que avistam de onde ela vem para desaguar neste lago ou naquela lagoa, aprumam o corpo mais uma vez e continuam sua peregrinação até a nascente." Põe o sistema em xeque: "Será a democracia, tal como a conhecemos, o último aperfeiçoamento possível em matéria de governo? Não será possível dar um passo adiante em direção ao reconhecimento e à organização dos direitos do homem? Jamais um Estado será verdadeiramente livre e esclarecido se não reconhecer o indivíduo como um poder mais elevado e independente, do qual deriva todo o seu próprio poder e autoridade." E sentencia que o destino do país "não depende do tipo de papel que colocamos na urna [...], mas do tipo de homem que cada um de nós coloca na rua ao sair de casa a cada manhã".
Desenhando: antes de gritarmos "Fora, corruptos", precisamos fazer uma avaliação profunda de nossos próprios atos e/ou omissões.
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Grande Léo, eu li "Walden - a vida nos bosques" e a "Desobediência civil" nos anos 80 do século passado e, coincidentemente, fiquei com vontade de reler o desobediência. Ainda não o fiz por estar envolvido em outras preocupações no momento. Grande sacada! :-)
ResponderExcluirValeu, Cláudio! Mas, pô, não fala assim "anos 80 do século passado", que deixa a impressão de que a gente é velho. Hahaha!
ExcluirAbração,
Léo.
Muito bom, Léozíssimo!
ResponderExcluirTextaço!
Muito sucesso pra ti!
Bjbj
Valeu, Curcíssima! Estamos aqui na intenção de meter o aço na parada! rs
ExcluirFalando nisso, beijaço,
Léo.