Admito que a nova coluna de meu blogue, Esquerda, Volver, por motivos óbvios, tem ganhado mais atenção minha que as demais colunas. Mas constato isso com tristeza; preferia estar tratando mais de música, literatura, enfim, de assuntos do meio ao qual pertenço, só que os acontecimentos atuais ou me desmotivam a fazê-lo ou tornam tudo o mais coisas de somenos importância. Contudo, pra democratizar o espaço e deixar o desequilíbrio da balança um pouco menor, maquiei um assunto e o travesti de palavra pra trazê-lo pra esta coluna. Sim, caros, a palavra é a que está, aliás, tem estado na moda há pelo menos três anos: corrupção. E, mais, desde que Chico Buarque deixou de ser unanimidade em solo pátrio, é uma das poucas unanimidades por aqui. Ou seja, NINGUÉM é a favor da corrupção. Nem os corruptos (pelo menos em público)!
Contudo, há diferenças estridentes entre o que uns chamam de corrupção e o que outros negam que seja. Por exemplo: pra uma parcela de inocentes úteis da sociedade, corrupção é sinônimo de PT. Portanto, entre os milhões que têm ido às ruas nos últimos tempos, as mais comuns palavras de ordem eram "Fora, Dilma", "Fora, PT" (sempre sem vírgula, o que já dava certo tom ambíguo à coisa), "Vai pra Cuba" etc. e tal. Essa turma, em sua maior parte, é gente que pensa mais em seu bolso, seu umbigo, muito bem analisada por meu mano Max Gonzaga em sua excelente canção Classe Média, que diz, em primeira pessoa, "tô nem aí se o traficante é quem manda na favela, [...] se morre gente ou tem enchente em Itaquera, [...] mas fico indignado com o Estado quando sou incomodado [...] toda tragédia só me importa quanto bate em minha porta".
Convenhamos, o problema não é a corrupção em si, que – em maior ou menor grau, dependendo da época e da situação do país – é aceita há séculos por aqui, tanto que o slogan "rouba, mas faz" tem sido usado marqueteiramente por um ou outro político há décadas – e com resultados favoráveis nas urnas. O problema é quando eu, trabalhador honesto e pertencente a uma classe social de razoável poder aquisitivo, sinto que estou perdendo algo que acaba indo pra outros setores da sociedade, quando algumas coisas que me irritam passam a ser repetidas sistematicamente. O grito de "não" à corrupção poderia muito bem ser entendido como "cadê o meu, ô meu?". Há uma parcela considerável da sociedade que sempre se lixou pros direitos das minorias advindas das camadas sociais inferiores.
Um exemplo: é comum notarmos reações destemperadas quando o assunto são cotas pra negros, auxílios pra pobres, aumento do salário mínimo etc., mas essas mesmas pessoas que chiam nos casos supracitados não abrem o berreiro quando o congresso aumenta seu próprio salário ou quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, em típica jogada na base do toma lá, dá cá, reajusta o salário do Judiciário. São questões assim que sempre acompanharam os brasileiros; alguns de nós até se irrita, mas um segundo depois pensa, "isso aqui não tem jeito mesmo", e vai cuidar de sua vida. Porém, quando o assunto são médicos cubanos, direitos do grupo LGBT, legalização da maconha etc., aí a grita é grande.
Convenhamos, o problema não é a corrupção em si, que – em maior ou menor grau, dependendo da época e da situação do país – é aceita há séculos por aqui, tanto que o slogan "rouba, mas faz" tem sido usado marqueteiramente por um ou outro político há décadas – e com resultados favoráveis nas urnas. O problema é quando eu, trabalhador honesto e pertencente a uma classe social de razoável poder aquisitivo, sinto que estou perdendo algo que acaba indo pra outros setores da sociedade, quando algumas coisas que me irritam passam a ser repetidas sistematicamente. O grito de "não" à corrupção poderia muito bem ser entendido como "cadê o meu, ô meu?". Há uma parcela considerável da sociedade que sempre se lixou pros direitos das minorias advindas das camadas sociais inferiores.
Um exemplo: é comum notarmos reações destemperadas quando o assunto são cotas pra negros, auxílios pra pobres, aumento do salário mínimo etc., mas essas mesmas pessoas que chiam nos casos supracitados não abrem o berreiro quando o congresso aumenta seu próprio salário ou quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, em típica jogada na base do toma lá, dá cá, reajusta o salário do Judiciário. São questões assim que sempre acompanharam os brasileiros; alguns de nós até se irrita, mas um segundo depois pensa, "isso aqui não tem jeito mesmo", e vai cuidar de sua vida. Porém, quando o assunto são médicos cubanos, direitos do grupo LGBT, legalização da maconha etc., aí a grita é grande.
Um governo como o de Geraldo Alckmin (reacionário, defensor das camadas mais abastadas da sociedade, mas que bota a polícia pra sentar o cacete em manifestações estudantis ou de qualquer cunho contestador) tem relativa tranquilidade pra dar suas pedaladas fiscais, promover o trensalão e a máfia da merenda, usar de incompetência ou má-fé com a questão da água, entre outras coisas, e não vejo ninguém gritando "fora, Alckmin", "fora, PSDB" nem dizendo que se trata de um projeto de perpetuação do poder. Por quê? Porque o paulista é conivente com os governos cuja proposta é manter o status quo, ou seja, se tá bom pra quem tá bem (as pessoas de bem, de família e posses), tudo bem, os incomodados que vão reclamar ao papa. Melhor um ladrão domesticado que é dos nossos que o perigo "bolivarista" – seja lá o que creiam que isso signifique...
E, com o clamor das ruas e o grito de basta à corrupção, chegamos ao malfadado impeachment de Dilma (contra quem não há nada em nenhuma das investigações em curso), que foi votado por uma Câmara dos Deputados das mais corruptas de que se teve história em terras tupiniquins (e, posteriormente, pelo Senado) sob a égide da ética e da honestidade, dos valores cristãos (sendo que o Estado é laico), da defesa à família (a de cada um deles), com direito a apologia a torturadores e blá-blá-blá, pra que a presidência caísse no colo do sr. Michel Temer, que pertence ao maior partido do Brasil (a saber, PMDB), sem o qual ninguém conseguiu governar até hoje desde o período da reabertura, e que todos sabemos se tratar de um partido que mantém seu poder à custa do fisiologismo e da escancarada falta de ideologia.
De quebra, como já esperávamos (excetuando-se os inocentes úteis), o sr. presidente interino convocou pra seus ministérios uma lista de "notáveis" com direito a ex-advogado do PCC, vários citados na Operação Lava Jato (lembrando que o próprio presidente é um deles), todos homens, brancos e contrários às bandeiras defendidas pelos movimentos sociais. Resumindo: o que se conseguiu com essa tentativa de erradicar a corrupção pelas vias do impeachment foi um retrocesso histórico. Voltamos ao século XIX e, se não nos mantivermos atentos, vamos perder pouco a pouco tudo o que conquistamos com luta, sangue e suor. De bônus, perdemos alguns ministérios significativos, como o da Cultura. Falando nisso, queria aproveitar o ensejo pra mandar aquele abraço à parcela da classe artística pró-impeachment. Esta foi uma conquista de vocês!
A questão de pesos e medidas sempre foi delicada em solo pátrio. Há pouquíssimo tempo, por exemplo, o ex-presidente Lula foi impedido de assumir um ministério por motivos dúbios, mas parece que nossos juízes, do dia 12 pra cá, estão em fase de hibernação, pois, como dizem, o pau que dá em Chico não dá em Francisco. Mas, além da corrupção, temos a alienação, o batalhão, a conspiração, a delação, a eleição(???), os que fraudarão, o gavião, o histrião, a involução, a jurisdição, o bom ladrão, sua motivação, a nação (e os sem noção), a ocupação, o patrão (que despede o peão), o x da questão, a recessão, a subversão, a traição (e suas trairagens), a união dos BBB, a votação que vale (e a que não vale), a xingação e a revolta do zangão frente à abelha-rainha. O que não temos, segundo o novo presidente, é crise. Afinal, basta trabalhar. Se não há trabalho, são outros 500, Brasil.
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PS1: Escolhi a palavra de novo, só por desobediência civil a um governo ilegítimo.
PS2: Trilha sonora – Caetano Veloso, com sua, infelizmente, sempre atual Podres Poderes (do próprio)
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Ótimo texto!
ResponderExcluirContinue, continue...
A coluna está sendo necessária.
Valeu, Vanessinha!
ExcluirBeijo,
Léo.
E eu pensei: como queria que muitos lessem este texto... Mas o pior é que se lessem, não iriam entender ou concordar com nada. Obrigada, Léo!
ResponderExcluirSossô, fazemos o que podemos com o que temos, né? Conscientização é trabalho árduo e ininterrupto. Valeu!
ExcluirBeijos,
Léo.
Você é genial. SEMPRE!
ResponderExcluirE você, generoso como sempre, hem, Moreirinha?
ExcluirAbração,
Léo.