quinta-feira, 19 de julho de 2018

A Palavra É: 43) Empatia

Por Francisco Daniel
Aprendi a suportar muita coisa na vida: humilhações, trabalho duro, as fatalidades do destino, o fato de não ter nascido rico, a falta de jeito com o sexo feminino etc. e tal. No entanto, nunca aprendi a lidar bem com o descaso. Claro, refiro-me àquele de outrem em relação a mim, visto que me dou às mil maravilhas com o descaso que sinto por terceiros. É neste ponto da prosa que entra nova personagem: uma amiga querida (que nem é tão próxima assim) por quem tenho grande admiração intelectual e com quem compartilho certa visão ideológica de mundo. Ela, mais na teoria; eu, mais na prática.

Até aí tudo bem, o fato é que parece que essa admiração... Parece não, de fato noto que essa admiração não é recíproca. Como sabem, publiquei um romance. Seu marido o comprou, leu, adorou e fez críticas belíssimas; ela nem tchuns. Meu blogue acaba de completar 8 anos de existência; ela não deve ter aparecido por aqui mais que duas ou três vezes nesses anos todos (e ainda assim quando escrevi a respeito de seu irmão músico)... Enfim, minha opinião pra ela não vale um cibazol, como dizem no Ceará. Percebam que rola nessa relação certo masoquismo.

Pois bem, iria deixar essa pequena mágoa bem guardada no fundo do coração não fosse algo que aconteceu há pouco tempo e que, como vocês já adivinharam, vou contar. Foi o seguinte: dou aula de português e cultura brasileira todas as segundas aqui em Tóquio pr'um pequeno grupo de japoneses afins. E costumo divulgar antecipadamente (obviamente) no fb o tema de cada aula. Calhou que dia desses o tema que escolhi foi sexualidade brasileira. Publiquei o cartaz do filme E Aí, Comeu? e uma foto de algumas garotas de biquíni na praia. Bastou. Eis que o milagre se fez. Ela, que nunca até então me dera pelota, deu o ar de sua graça. E foi sucinta. Sentenciou: "Sério, Léo? Que desserviço!" (ipsis litteris)

E, logicamente, voltou a seu casulo. Nem mesmo deve ter lido minha resposta: "Fulana de tal, não se trata de minha opinião, nem de machismo ou feminismo; mas simplesmente de um tema a ser abordado. Trabalho com temas referentes à cultura brasileira, na maioria das vezes em tom crítico, mas não posso tratar algum assunto como tabu, né? Aponte onde está o desserviço." Naturalmente, ela não se deu ao trabalho de responder. Provavelmente, nem terá tido o de ler. Seu trabalho consistiu em passar por ali e peremptoriamente deixar seu julgamento, fosse uma Cármen Lúcia da esquerda.

O que me fez pensar em algumas possibilidades: 1) ou ela é tão rainha e orgulhosa (pleonasmo?) que vive flanando de perfil em perfil cravando suas verdades absolutas (não creio); ou 2) ela, mãe (bela, recatada...) e do lar, é tão ocupada que não tem tempo de retomar a prosa iniciada (talvez); ou ainda 3) ela, esquerdista aguerrida — quiçá um tanto caviar... mas até aí tudo bem; também sou —, "cubanizou" seu pensamento e decidiu que o mais "serto" (by Teju Franco) seria mandar todos os que pensam, por mínimo que seja, diferente dela... ¡al paredón!

Calma, embonecada leitora e embasbacado leitor! Guardei a cereja do bolo, es decir, a tal palavra "empatia", pro final. Conversando com os botões que minha regata (aqui faz um calor fdp!) não tem, acabei chegando à conclusão de que minha amiga deve ter faltado às aulas de... tchan tchan tchan tchan! EMPATIA! E o que raios viria a ser empatia? Bom, ela é irmã da simpatia e prima da antipatia. Quanto a essas duas, todos vocês sabem seu significado, não é? Pois bem, a tal da empatia nada mais é que a capacidade de se pôr no lugar do outro e tentar imaginar o que ele sente e pensa, o porquê de ele agir daquela forma, e por aí vai...

Como costuma dizer um amigo nipo-brasileiro, "aí é que tá!". Capaz que minha amiga, quando estava sendo moldada por Deus (e aqui não o digo seriamente, mas com ironia e poesia), escapuliu-se e não pôde, portanto, receber seu quinhão de empatia. Caetano, parafraseando Carlos Lyra (em sua bela Maria Ninguém), cantou que a influência do jazz é um dom que muito homem não tem. E eu, parafraseando a ambos, tacho que empatia é um dom que, provavelmente (e aqui ponho entre vírgulas, pra exercer a humildade), minha amiga não tenha. Até porque empatia não é nenhum bicho de sete cabeças. Nada que ela não possa vir a ter... quiçá lendo essas maltraçadas...

Ademais, além da empatia há a alegoria; a burguesia (fede?); quem comeu no prato em que cuspia; nada como um depois do outro... dia; a elegia (e quem não elege mais); quem se fia (em si mesmo); quem se acha a própria estrela guia; as garras da harpia; quem ia (e quem não vai mais); a canção que tem o verso "judia (de mim)"; minha amiga Lia (e os que nem sequer leram); o cachorro que mia (e o gato de outro quilate); quem esquenta a cabeça por ninharia (¿yo, Gabo?); quem não ouvia (e nem sabe o que houve); quem pia (e os que não dão nem um pio); (o quereres) e quem queria; o rio de lágrimas de quem ria; o sábio (e quem pensou que sabia); os cabeludos e a tosquia; o que nos separa vs. o que nos unia; o que vige e o que vigia; quem me Xangô... e quem me xingaria; e, finalmente, tudo o que nos une... em contraponto ao que nos zunia.


***

PS1: Bundão que sou, escrevi tudo isso imaginando que ela jamais o lerá... porém, vai que... já me antecipo e acrescento que tudo não passou de uma brincadeira. Irônica (como sempre), mas brincadeira. E acrescento que, se ela me lesse mais amiúde, nem se abalaria com essa bobaginha (quiçá até rolasse entre nós uma empatia...). Já dizia o velho Che (ou atribuíram a ele), "hay que endurecerse, pero sin perder..." etc. e tal.

PS2: Sim, eu que escolhi a palavra de novo. E daí? Seja empático (ou pelo menos simpático) comigo, pô! Ou com ela...

PS3: Trilha sonora: Gilberto Gil, Você e Você (Gilberto Gil)



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4 comentários:

  1. Leozinho, primeiro tenho que falar desta maravilhosa canção do Gil. Ela é grande representante das visões grandiosas que o Gil sempre colocou em letras e pôs MÚSICA!
    Continuando, a EMPATIA é ou não é. É uma "coisa" que a história e os comportamentos colocaram como "salvação", como Love&Peace, e temem dizer ou cultivar. No entanto, entre tantas outras coisas, é salvação, sim, e é bom. A energia da EMPATIA é algo que toma conta do corpo - já é comprovado cientificamente.
    Acho bem legal que exponha as coisas como são. E este texto é rico, como um pequeno conto, do que é o miserere humano - apesar de eu mesmo não ligar se lêem o que escrevo, se falam, se ouvem minha música, e coisa e tal. As coisas estão aí e são, não precisa ninguém comprovar.
    Mas para um escritor é magnífico o fato de ter sido mexido por alguém, ele escrever sobre, e mata-lo no final. Enfim, não será preso, mas o alguém estará morto! ahahah....
    Abração, queridão!

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    1. Querido, sua sensibilidade é tanta que, pra além da linda canção do Gil, desvelou meu segundo romance. Depois te conto mais.

      Abração,
      レオ。

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  2. Tenho pena de só poder apreciar o seu modo de escrever, uma vez que os meandros, sei tão pouco ou nada. Fique bem abraço.

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    1. Qualquer hora teremos o prazer de conversar sobre os meandros (e os meonardos), Mi.

      Abraços,
      レオ。

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