A situação no Brasil anda tensa. Manifestações pelos quatro cantos, uma galerinha mais afoita promovendo quebra-quebras, ônibus sendo incendiados, nego sendo acorrentado a poste etc. Muitas dessas situações têm sido inflamadas via redes sociais, onde o neobrasileiro vem pondo as garras de fora. Já faz parte do folclore um tempo em que o brasileiro era considerado um povo pacífico e alegre. Corrijo-me: alegre, a maioria ainda é. O Carnaval continua colorido e festivo, as torcidas nas arquibancadas seguem oferecendo um espetáculo à parte... Pensando bem, o povo continua povo. Aqueles sujeitos que madrugam, trabalham o dia inteiro, tomam uma (ou duas, ou mais...) após a jornada, torcem por seu clube, fazem amor com a patroa, garantindo a continuidade da mão de obra barata futura, e deitam cedo, merecedores do sono dos justos... esses continuam os mesmos.
Talvez quem tenha mudado sejam as classes que se situam acima do nível de pobreza. Estas, já tendo o básico, passam a ter preocupações – e ambições – maiores. Nada mais justo. Afinal, como diz o filósofo José Simão, quem fica parado é poste. Todos queremos progredir. Não à toa, a palavra "progresso" está lá, orgulhosa, balançando ao vento no meio de nossa bandeira. Claro que há a outra, a tal da "ordem", mas ambas fazem parte das contradições brasucas. Mesmo porque, quando em excesso, a ordem acaba engessando um pouco das liberdades de um povo. Incluída aí a liberdade de exercício do direito de se manifestar. Assim, pra se manifestar dentro da ordem, teria que ser outro povo. Ou o mesmo povo, após um banhinho básico de educação.
Taí o x, não do poema, mas da questão. Queria chegar justamente nessa terceira palavrinha, que, tanto quanto suas supracitadas colegas, devia estar igualmente cravada em nossa bandeira. Afinal, pode haver num país, separadamente, ordem e progresso. Juntas, é impossível que haja sem a presença dessa outra, a tal da educação, formando uma trinca. Vejamos a questão da Copa do Mundo. No fundo, no fundo, todo brasileiro está torcendo por nossa seleção. Claro, há as exceções de praxe, e é bom que haja, mas deixemos esses cidadãos em paz, pois ninguém é obrigado a torcer a favor (nem contra). O que quero dizer é que, mesmo no meio daquela turminha do "não vai ter Copa", muitos deles, a maioria talvez, na hora em que a amarelinha entra em campo e o juiz apita, esquecem as diferenças e vibram.
Lembrei-me de uma charge interessante que vi recentemente: dia do jogo do Brasil. Fulano atende o telefone, é alguém chamando-o a uma manifestação contra a Copa. Ao que ele responde que, infelizmente, não poderá ir, pois já tem outro compromisso. Detalhe: o cara está feliz da vida, preparando um churrasco. Achei um exemplo perfeito de nossas contradições. Outro exemplo dessas contradições quem nos deu foi a massa de afortunados que teve grana e disposição pra pagar o salgado preço do ingresso pra ver o Brasil derrotar a Croácia (ah, somem-se a eles os VIPs). Primeiro, emocionou-nos cantando o Hino Nacional a cappella, desafiando o relógio da Fifa, que não respeita nem a duração de um hino; depois, assombrou-nos com o deprimente "Dilma, vai tomar no c...".
Sempre ouvi dizer que a primeira educação vem do berço. Ou seja, o camarada aprende em casa. Não adianta os pais quererem "terceirizá-la", delegando-a aos professores. Afinal, estes já estão muito ocupados tratando de enfiar cérebro adentro de seus alunos o conhecimento necessário pra que os impúberes se tornem cidadãos preparados pra enfrentar os desafios do futuro. Portanto, se um pai não tem educação ou não a transmite ao filho, não será o professor quem conseguirá domar o pestinha. E isso independe de classe social. Do mesmo modo que vemos rapazes da periferia que nem sabem dar bom-dia se formando (mal) em faculdades de esquina, deparamo-nos, na outra extremidade, com jovens arrogantes que se julgam donos do mundo e melhores que os demais simplesmente porque foi isso o que aprenderam em casa.
Acabo de voltar de prazerosas férias no Japão. É a quarta vez que visito esse país, e continuo sendo surpreendido positivamente por seu povo. Vocês podem não acreditar, mas lá jamais vi um cliente ser destratado por algum vendedor, garçom, atendente, balconista, caixa de supermercado ou quem quer que fosse. Até mesmo os policiais, quando abordados, são educados. Os profissionais que tratam com o público são treinados pra atendê-lo bem, sempre com um sorriso no rosto, frases de boas-vindas e respeito, e, o melhor, são competentes. De outra forma, a gentileza seria apenas um paliativo. Claro, entendo que cada povo tenha sua cultura, suas idiossincrasias, mas acredito que o mundo seria um lugar melhor de se viver se cada povo copiasse do outro o que este tem de bom.
Outra característica marcante do povo japonês é o respeito que o aluno tem pelo professor. Claro, é natural que um país que preza a educação ensine suas crianças a tratar com respeito aquele que as está formando. Voltando ao Brasil, quanta diferença... Na época da faculdade, tive a oportunidade de fazer estágio tanto em escolas públicas quanto em particulares, e em ambas vi coisas que me aterrorizaram, situações traumatizantes que me fizeram optar por não pisar jamais numa sala de aula na condição de professor. Na escola pública, o professor vive amedrontado, temendo por sua integridade física; já na escola particular, o professor é apenas um assalariado, portanto, em vez de ser um mestre, é uma vítima dos alunos, que são quem lhe paga o salário.
E assim, chegamos até os torcedores que foram ao Itaquerão. Essas pessoas, quer queiram quer não, estavam ali também de verde-amarelo representando nosso país. E elas perderam a oportunidade "ganhar esse jogo". Cantar o hino a cappella deu-lhes a vantagem de 1 a 0 no placar. Mas a virada foi deprimente... Compreendo os motivos de insatisfação de parcela da sociedade em relação ao governo Dilma. Entendo (e aceito) até vaias. Afinal, como dizia outro filósofo, o inigualável corintiano Vicente Matheus, quem tá na chuva é pra se queimar. Contudo, num espetáculo transmitido pro mundo inteiro e ao qual compareceu uma elite branca, ouvir desta a plenos pulmões o que se ouviu... confesso que me enche de vergonha. Se se tratasse de um presidente homem, a coisa já teria sido vexatória, mas sendo Dilma uma mulher, aí já chega a ser escandaloso.
Ainda mais pelo agravante fato de ela estar ali ao lado da filha. Esqueçamos o político e pensemos na mulher... e mãe. Será que os milhares de pais de família – e de filhos – que ali estavam, e que a mandaram tomar naquele lugar, por nem um segundo imaginaram o que ela deve ter sentido? O que pensariam se, ao lado de um filho, passassem por constrangimento igual? Acredito que todos ali deviam saber o significado da palavra empatia, não? Desde criança aprendi que em mulher não se bate nem com uma flor. E nessa cartilha também estão os xingamentos. Na cadeia, por exemplo, chamar alguém de filho da puta é pedir pra morrer. Até preso respeita a mãe alheia. Tenho cá pra mim que esse xingamento dirigido a Dilma revelou muito mais o nível de quem o proferiu do que o de quem o recebeu. Diria que foi um "Itaqueraço". Essa Copa nós já perdemos.
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Magnânimo, foi realmente um absurdo!!! O que eu acho que distancia nosso país de um lugar como o Japão é que no Brasil falta RESPEITO ao proximo. No Japão as pessoas são educadas, criadas para respeitar...aqui, as pessoas são criadas pra serem espertas.....desigualdades...............
ResponderExcluirInfelizmente é verdade, Inevitável. Mas, como dizem, a esperança é a última que morre. Geralmente morremos antes... rs
ExcluirBeijos,
Léo.
Legal, Lėo! Lembrando que, além de mulher, Dilma é uma mulher forte, que merece nosso respeito a despeito de qualquer erro, pois já comeu o pão que o diabo amassou por este país. Deu a cara a tapa como poucos.
ResponderExcluirÉ, Esther. Um país sem educação acaba se tornando também sem memória. Pena...
ExcluirBeijão,
Léo.
Exato, Leo! Tenho evitado me pronunciar quanto ao assunto por conta de toda a falta de respeito que isso tem gerado. O que me assusta atualmente é que há uma falta de respeito cada vez maior por tudo e por todos. Na rua, no trânsito, em qualquer lugar. Minha avó dizia que nós não somos melhores que ninguém. E que respeito se deve dar a todo mundo. Sei lá, eu aprendi que xingamentos jamais ganham argumento algum. Eu não simpatizo com a Dilma, assim como não simpatizo com a grande maioria dos políticos atuais. Mas me senti envergonhada, sim, pela atitude dos torcedores. Ainda mais que, infelizmente, não me senti surpresa. Beijão, querido!
ResponderExcluirOi, Lulu. È vero, depois que os pobres começaram a ascender, um tipo de brasileiro começou a ficar furioso. Mas, se for por isso, acho que eles vão ficar ainda mais furiosos, pois é um passo sem volta.
ExcluirBeijos nocês tudo,
Léo.
Cá estou Leo,
ResponderExcluirTexto impecável,um dos melhores que tenho lido nesses tempos de copa +PT = Dilma. Só uma coisinha - " confesso que me enche de vergonha. Se se tratasse de um presidente homem, a coisa já teria sido vexatória, mas sendo Dilma uma mulher, aí já chega a ser escandaloso." Aqui me incomodou um tiquinho ,acho que mesmo se a Dilma fosse homem(quase ri) não iria mudar a falta de respeito que aconteceu.Beijos e vou convidar o povo para ler. Beijos
Lucinda, queridona, tudo bão?
ExcluirGrato pela visita e pelo comentário. Só um detalhe: entenda o que eu escrevi: "Se se tratasse de um presidente homem, a coisa já teria sido vexatória", ou seja, não digo que iria mudar a falta de respeito, como você alega, apenas a acentuei, por se tratar de uma mulher, e visto que costumamos (ou devíamos costumar) ser mais gentis com o sexo feminino. 'tendeu? rs
Beijos,
Léo.
ótimo texto! concordo com cada vírgula.
ResponderExcluirGrato, anônimo!
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