domingo, 22 de junho de 2014

Grafite na Agulha: 27) Resenha – CD Benedito, de Jonathan Silva

O texto deste Grafite na Agulha foi escrito por minha amiga Nelmar Rocha, que é jornalista formada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e pós-graduada em Canção Popular: Criação, Produção Musical e Performance pela Faculdade Santa Marcelina (SP). E a mulher gosta de estudar mesmo. Além disso, também é graduada em Letras pela Faculdade Metodista, de São Bernardo do Campo. Falô? Ah, aliás, ela é uma apaixonada por música. Tanto, que escreve semanalmente o boletim eletrônico Dicas Musicais, com entrevistas, reportagens, agendas e eventos ligados à música; no início dos anos 2000, produziu e fez os roteiros do programa MPB Sempre, vinculado na Rádio USP; e, eventualmente, participa de programas de rádio falando sobre canções e seus autores. Ao texto, pois:

Resenha – CD Benedito, de Jonathan Silva*
Por Nelmar Rocha


Benedito é o nome do segundo CD do cantor, compositor e violonista natural de Vitória (ES) Jonathan Silva. O primeiro CD dele foi Necessário, de 1996. No meio do caminho, Jonathan gravou o CD infantil Olha a Chuva Pessoal, Tira a Roupa do Varal, de 2002, mas, por algum motivo, ele prefere não incluir na conta – talvez, creio eu, por causa da pouquíssima repercussão pública. Isso, de certa forma, “contribui” para que o CD ainda seja considerado inédito e o compositor pense em retomá-lo qualquer dia desses.


O disco Benedito foi bancado pelo prêmio Ney Mesquita 2007, da Cooperativa de Música de São Paulo, que selecionou o trabalho de Jonathan dentre 40 obras inscritas. Com o reconhecimento financeiro, o artista teve maior tranquilidade para produzir Benedito, assim como fazer a direção musical do disco, juntamente com Daniel Casulli.


Diferentemente do primeiro CD (Necessário), no qual Jonathan utilizou vários tipos de instrumentos (piano, cello, baixo elétrico, flauta, gaita, bateria etc.) e gravou várias canções que já faziam parte de seu repertório (congos, sambas, blues, canções), em Benedito ele mostra homogeneidade no repertório, utiliza poucos instrumentos e conta com o entrosamento fundamental dos (e com os) músicos. As faixas dialogam entre si, e o resultado é uma sonoridade leve, com poucos instrumentos e instrumentistas, sem, contudo, perder o ritmo.


Benedito conta com voz e violão de Jonathan Silva, a rabeca e a viola caipira de Filpo Ribeiro e a percussão de Dani Zulu. A propósito, a percussão dá a levada (batida) em Benedito, com a predominância de instrumentos capixabas típicos, como o tambor e a casaca (reco-reco de cabeça esculpida). Os dois instrumentistas também fazem o acompanhamento vocal na maioria das faixas. Além do trio, o CD conta com a participação, em faixas específicas, de Luciana Rizzo (flauta transversal), Kiko Dinucci (violão, e coautor em quatro faixas), Gilberto Gasparotto (casaca), Adriane Rivero (tambor de congo e apito), Daniel Casulli (baixo) e Micael Jorel (guitarra). Esses dois últimos instrumentos entram numa única faixa (na última). Também fazem participação especial no CD as cantoras D. Erenildes Rodrigues, Dulce Monteiro, Isla Jay, Juçara Marçal, Karina Ninni, Lilian de Lima e Railídia Carvalho.


Radicado em São Paulo desde 1999, Jonathan trouxe na bagagem o congo capixaba, presente em seu trabalho desde o início da carreira. Esse gênero musical é herança do litoral de sua terra natal, e o compositor abusa dele – no melhor sentido da palavra. Além do congo, Jonathan Silva trouxe lembranças e recordações que permeiam o CD Benedito: as festas de São Benedito (padroeiro de Vitóra/ES) e de Nossa Senhora da Penha (padroeira do Espírito Santo), os rituais da Sexta-Feira Santa, as superstições, as rezas, as brincadeiras e as crenças. Já em São Paulo, ele juntou aos congos, sambas, jongos, cirandas, toadas, ladainhas e ritmos nordestinos, ou seja, fez a mistura perfeita, a batida constante em Benedito. Até mesmo a música peculiar de Itamar Assumpção – mesmo que de leve em alguns momentos – o compositor assimilou.


Nelmar Rocha

Jonathan Silva é devoto (meio despojado, é verdade) de São Benedito, e o congo está intimamente ligado a esse santo. Anualmente, é realizada a Festa de São Benedito, na qual o congo é a atração principal, com suas danças e ritmos de origens africanas, acompanhadas pelos tambores. Talvez por isso Jonathan se interesse tanto pelo ritual da vela, da procissão, do tambor, ou seja, pela parte musical dos santos – qualquer que seja. Seu interesse por eles é tão grande a ponto de o compositor fazer referência a eles em seus dois CDs e usá-los como título em um destes. Não por acaso, o tambor é o ponto de partida de Benedito, percorrendo-o praticamente o tempo todo, seja na parte instrumental, seja na letra das músicas: “eh, tambor!”


Nas 15 faixas autorais do CD Benedito (somente uma não é de Silva), notamos as referências particulares do compositor. Tais referências ajudam a compreender o interesse de Jonathan pela origem da cultura popular e pela sua própria. O resultado é a forte ligação do compositor com a espiritualidade, presente em Benedito, mas já perceptível também em seu primeiro CD, Necessário.


Com leveza, sabedoria e alegria, Jonathan Silva nos conduz pelas festas populares e religiosas do Brasil, com seus rituais e cerimônias que envolvem sempre a batida do tambor, numa verdadeira celebração à fé, que não está ligada obrigatoriamente a uma religião. E é essa crença sem vínculo – mas que ao mesmo tempo abrange todas as religiões – que permite que Benedito seja ouvido sem preconceitos e, ao mesmo tempo, que dancemos e nos divirtamos seguindo o chamado do tambor, por meio dos ritmos constantes de Benedito. Os ritmos da cultura popular brasileira.

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*Este texto é parte da resenha feita em maio de 2012 para as disciplinas Desconstruindo a Canção (professor Sérgio Molina) e Música e Cultura (professor Cacá Machado), do curso Canção Popular.

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Benedito – Jonathan Silva (2010 – Selo Cooperativa)


1. Desatadora de Nós 

    (Jonathan Silva)

2. Ciranda pra Janaína 
    (Kiko Dinucci Jonathan Silva)
3. Jongo da Manuela, com citação de Santo Antônio de Catigeró (Kiko Dinucci)

    (Jonathan Silva)
4. Anjo Protetor 

    (Kiko Dinucci – Jonathan Silva)

5. Divino Baião 
    (Adriane Rivero – Jonathan Silva)

6. Milome 
    (Jonathan Silva)
7 - São Pedro e São Miguel 

    (Domínio Público)

8. Tempestade 
    (Kiko Dinucci Jonathan Silva)
9. Papel Sulfite 
(Jonathan Silva)
10. Aquela Coisa que Doía 
    (Jonathan Silva)

11. Encruzilhada
    (Jonathan Silva)
12. Sara Sereia, com citação do congo Quem Manda no Mar (DP)

    (Jonathan Silva)
13 - Casaca de Paletó

    (Jonathan Silva)

14. Farra, com citação do congo Amanhã É Dia Santo (DP)
    (Jonathan Silva)
15. Ladainha, com citação do Jongo de São Mateus (DP)

    (Jonathan Silva)
16. Janaína Preta

    (Jonathan Silva)

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Ouça o CD na íntegra aqui:


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