1) CANTANDO EM DÓ
Ando com uma saudade arretada do Fonsão, ou Affonso Moraes – pros não íntimos –, daí, pensando nas canções que iria homenagear nesta edição do Canções que Amo, lembrei-me de sua pungente Cantando em Dó, e resolvi trazê-la pra cá, pra esta nova trinca. Affonso Moraes, o advogado do samba... ou o sambista advogado, como prefiram. Eita, cabra bom! Parceiraço meu! Tenho, aliás, a honra de tê-lo iniciado nos caminhos da arte de musicar letra. Antes de mim, o velho Affonso só costumava costurar melodias em suas próprias letras; mas eu, teimoso que só, fui lhe sugerindo uma letra aqui, outra acolá, e, quando nosso homem das leis reparou, já tínhamos um bom punhado de parcerias, pra gáudio meu.
Mas não é delas que vou tratar hoje. Não, senhoras e senhores! Hoje, trago-lhes um biscoito dos mais finos: essa tal de Cantando em Dó, que me levou às lágrimas mais de uma vez com sua história de amor sem final feliz. De deixar Cartola, Nelson Cavaquinho & cia. (limitadíssima) não cabendo em si de orgulho. Afinal, Affonso é compositor da velha guarda, da velha escola. O que não significa que seja autor de canções mofadas. Muito pelo contrário. A qualidade – como já referendou outro parceiro, Adolar Marin – é atemporal. E se há algo que não falta no dr. Affonso Moraes é qualidade. Só que nesta, Cantando em Dó, o velho sambista resolveu poupar o gogó e pôs o caçula Alexandre pra trabalhar em dobro. O moço, que já tinha se virado nos 30 pra fazer os arranjos do disco e nele ainda tocar trocentos instrumentos, ganhou de bônus a incumbência de mandar esse recado também por cordas outras, as vocais. Mas o Cuevinha é craque e tirou de letra. Vejam, aliás, ouçam se tô mentindo:
CANTANDO EM DÓ
Fazia alguns anos que eu vinha querendo escrever acerca desta canção. O que me atrasou foi que esperei que seu autor estivesse com CD na praça, assim, falando da canção, divulgaria a bolacha. E eis que habemus discus! Assim, trato finalmente dessa lindamente cruel Falso Herói. Esta é daquelas que um compositor ouve se roendo de inveja, querendo tê-la composto. Quer dizer, falo por mim, pois foi justamente o que aconteceu comigo. Quando ouvi a canção, fiquei em transe por um bom tempo. Depois, veio aquela fase de renegar a própria obra e querer parar de compor... A sorte é que isso passa, fica só a vontade de superar a causadora de tanta inveja. Contudo, no caso dessa acho que vou ficar na vontade. Obras-primas não nasceram pra ser superadas.
Quando a bula e o guru falam da mesma miséria
Quando o silêncio e o futuro brigam no elevador
Quando a dúvida assenta o medo dentro da artéria
E a vida se deita no escuro sem cobertor...
Sentimentos ancestrais vêm e vão
Sempre trago na manga um ás
Hoje, não
Como as folhas que caem no chão
Porque já não têm vida mais
Eu me vingo da solidão
Se te flagro um olhar fugaz
Tudo fala
Quando cala
E eu não quero me separar de você
Se um dia isso vai mudar, eu não sei
Se as histórias não são reais
É porque a verdade dói
Um amor que é pra conquistar
Todo dia
É tarefa demais pra um falso herói
***
Há alguns anos, o grande Vicente Barreto gravou um CD que considero uma verdadeira obra-prima, um dos melhores que ouvi nos últimos anos. Intitulado simplesmente Vicente, tinha um petardo atrás do outro, só grandes canções! Tive o privilégio de acompanhar razoavelmente de perto esse trabalho, pois, na mesma época, Kana estava gravando também seu CD Imigrante no mesmo estúdio. Ambos trabalhos seriam lançados no Japão pela Koala Records, de Vasco Debritto. O CD de Vicente foi lançado também no Brasil; contudo, por esses mistérios do universo musical, obteve fria acolhida e praticamente passou em brancas nuvens. Já o de Kana, por motivos que não vêm ao caso, acabou sendo vítima de um empecilho, e só veio a ser lançado por aqui anos depois, e de forma independente.
Voltando ao CD Vicente, ainda antes de seu lançamento obtive uma máster e preciso confessar que passei meses ouvindo-o. Trata-se de um CD pensado pra que soassem livres os violões de Vicente, com sua já conhecida e admirada pegada superpessoal e cheia de ginga. Aliás, louve-se também a participação de seu filho, Rafa Barreto, que, além de ser também um belo músico, conhecendo seu pai como poucos é um dos responsáveis por essa sonoridade tão rica e contagiante. Aos violões, agregam-se outros instrumentos, mas a base são eles. A meu ver, e conhecendo bem a obra de Vicente, acho que é um dos trabalhos em que ele se sentiu mais livre, tanto como instrumentista como na escolha do repertório.
Espero que esse CD possa vir a ser relançado um dia; a boa música e seus admiradores só têm a perder com seu engavetamento. Na verdade, gostaria de escrever sobre o disco inteiro, mas, como costumo sempre subir as canções na íntegra dos discos sobre os quais escrevo, e nesse caso me foi inviável, escolhi apenas uma canção; contudo, antes dela, queria abrir espaço rapidamente pra outra, a fodástica Esse Rio, parceria de Vicente com Carlos Rennó. Um trechinho da letra: "Veja só esse rio,/ Que lentamente flui,/ E o fio/ Que se dilui/ Nesse rio/ E o polui./ Eu já tomei banho aqui,/ Antes o meu pai tomou;/ Água que daqui bebi,/ Ih, sujou…/ Era linda e límpida;/ Hoje nela se espalhou/ Uma espuma química;/ Oh que horror/ [...] Hoje é um depósito/ De lixo aquele rio;/ É um despropósito,/ Puta que pariu!" (ouça-a aqui.)
Agora, a que simplesmente me destruiu foi a pungente Reverso, parceria de Vicente com (óbvio!) Celso Viáfora, um clássico moderno. A letra é mortal, o arranjo é de chorar e a voz de Vicente arrepia. Tá bom, tá bom, admito que, tomando uns gorós nalgumas madrugadas frias (também nas quentes), já gastei umas lágrimas pondo pra tocar no repeat essa malvada canção. E, ó, ela é tão fodona, que sobrevive até a uma, digamos, liberdade poética de Celso no verso "Tudo ali não tem valor". No mais, como vocês ouvirão, ela tem um final épico, digno daquelas canções que começam a tocar quando aparece o letreiro de um daqueles filmes inesquecíveis, que é pra quando acender a luz o marmanjo se pegar em flagrante aos prantos. Constatem:
Se pudesse dar reverso em canção
Recolher ao violão
Melodias que um dia lhe fiz
Eu ia ficar feliz
*A quem interessar possa, adianto que, antes de subir o fonograma pro soundcloud, fui autorizado pela Koala Records (que lançou o CD do qual faz parte essa canção) e pelo próprio Vicente.
Já Era Hora (2009) |
Mas não é delas que vou tratar hoje. Não, senhoras e senhores! Hoje, trago-lhes um biscoito dos mais finos: essa tal de Cantando em Dó, que me levou às lágrimas mais de uma vez com sua história de amor sem final feliz. De deixar Cartola, Nelson Cavaquinho & cia. (limitadíssima) não cabendo em si de orgulho. Afinal, Affonso é compositor da velha guarda, da velha escola. O que não significa que seja autor de canções mofadas. Muito pelo contrário. A qualidade – como já referendou outro parceiro, Adolar Marin – é atemporal. E se há algo que não falta no dr. Affonso Moraes é qualidade. Só que nesta, Cantando em Dó, o velho sambista resolveu poupar o gogó e pôs o caçula Alexandre pra trabalhar em dobro. O moço, que já tinha se virado nos 30 pra fazer os arranjos do disco e nele ainda tocar trocentos instrumentos, ganhou de bônus a incumbência de mandar esse recado também por cordas outras, as vocais. Mas o Cuevinha é craque e tirou de letra. Vejam, aliás, ouçam se tô mentindo:
CANTANDO EM DÓ
Affonso Moraes
(por Alê Cueva)
Naquele dia fui convidado
Por Mathias e Zé Morgado
Pra fazer um samba
Como sempre fazia
Acertei o assunto
E esperei Maria
Pois pra fazer samba
Íamos sempre juntos
A corda e a caçamba
Que longa espera foi aquela tarde
Eu, que não era, acabei covarde
Ao saber que Maria
Não mais existia
Sua boca pequena
Sua pele morena
Que saudade
Que pena
Nunca mais encontrei meu sol maior
Aliás, nem tentei
O que é pior
Meus amigos
Condoídos do meu pranto
Trazem agora o seu canto
Para esse homem só
Cantando em dó
Cantando em dó
Cantando em dó
Sempre em dó
Queiram ou não queiram
Só conseguem trazer dó
***
(por Alê Cueva)
Naquele dia fui convidado
Por Mathias e Zé Morgado
Pra fazer um samba
Como sempre fazia
Acertei o assunto
E esperei Maria
Pois pra fazer samba
Íamos sempre juntos
A corda e a caçamba
Que longa espera foi aquela tarde
Eu, que não era, acabei covarde
Ao saber que Maria
Não mais existia
Sua boca pequena
Sua pele morena
Que saudade
Que pena
Nunca mais encontrei meu sol maior
Aliás, nem tentei
O que é pior
Meus amigos
Condoídos do meu pranto
Trazem agora o seu canto
Para esse homem só
Cantando em dó
Cantando em dó
Cantando em dó
Sempre em dó
Queiram ou não queiram
Só conseguem trazer dó
***
2) FALSO HERÓI
Pequeno Estudo sobre o Karma (2016) |
Não é segredo pra ninguém que Policastro, na condição de compositor, assume-se como um antirromântico. Tanto, que, quando percebe que a casa vai cair pro lado dele se não compuser com urgência uma romântica, apela pra mim. E lá vou eu tratar das dores de coração alheio pra que ele possa musicar meus versos e assim poder deitar a são-paulina cabeça (ninguém é perfeito) em paz no travesseiro. O que acontece é que, quando o bicho pega DE VERDADE, aí não basta recorrer ao parceiro. Um compositor que honra seu C (sem trocadilho, refiro-me à primeira letra da palavra compositor), quando se vê REALMENTE em apuros amorosos, acaba deixando o coração trabalhar pra dar conta do recado. Assim, Falso Herói, autobiográfica como é, só poderia ter sido composta por uma pessoa no mundo: o próprio Policastro. E eu, como não sou de espernear, contento-me com o privilégio de ter sido um dos primeiros a ouvi-la e de poder dizer, com pompa e circunstância: esse cara é meu amigo! Exagero? Tirem suas próprias conclusões:
Quando a bula e o guru falam da mesma miséria
Quando o silêncio e o futuro brigam no elevador
Quando a dúvida assenta o medo dentro da artéria
E a vida se deita no escuro sem cobertor...
Sentimentos ancestrais vêm e vão
Sempre trago na manga um ás
Hoje, não
Como as folhas que caem no chão
Porque já não têm vida mais
Eu me vingo da solidão
Se te flagro um olhar fugaz
Tudo fala
Quando cala
E eu não quero me separar de você
Se um dia isso vai mudar, eu não sei
Se as histórias não são reais
É porque a verdade dói
Um amor que é pra conquistar
Todo dia
É tarefa demais pra um falso herói
***
3) REVERSO
Vicente (2008) |
Voltando ao CD Vicente, ainda antes de seu lançamento obtive uma máster e preciso confessar que passei meses ouvindo-o. Trata-se de um CD pensado pra que soassem livres os violões de Vicente, com sua já conhecida e admirada pegada superpessoal e cheia de ginga. Aliás, louve-se também a participação de seu filho, Rafa Barreto, que, além de ser também um belo músico, conhecendo seu pai como poucos é um dos responsáveis por essa sonoridade tão rica e contagiante. Aos violões, agregam-se outros instrumentos, mas a base são eles. A meu ver, e conhecendo bem a obra de Vicente, acho que é um dos trabalhos em que ele se sentiu mais livre, tanto como instrumentista como na escolha do repertório.
Espero que esse CD possa vir a ser relançado um dia; a boa música e seus admiradores só têm a perder com seu engavetamento. Na verdade, gostaria de escrever sobre o disco inteiro, mas, como costumo sempre subir as canções na íntegra dos discos sobre os quais escrevo, e nesse caso me foi inviável, escolhi apenas uma canção; contudo, antes dela, queria abrir espaço rapidamente pra outra, a fodástica Esse Rio, parceria de Vicente com Carlos Rennó. Um trechinho da letra: "Veja só esse rio,/ Que lentamente flui,/ E o fio/ Que se dilui/ Nesse rio/ E o polui./ Eu já tomei banho aqui,/ Antes o meu pai tomou;/ Água que daqui bebi,/ Ih, sujou…/ Era linda e límpida;/ Hoje nela se espalhou/ Uma espuma química;/ Oh que horror/ [...] Hoje é um depósito/ De lixo aquele rio;/ É um despropósito,/ Puta que pariu!" (ouça-a aqui.)
Agora, a que simplesmente me destruiu foi a pungente Reverso, parceria de Vicente com (óbvio!) Celso Viáfora, um clássico moderno. A letra é mortal, o arranjo é de chorar e a voz de Vicente arrepia. Tá bom, tá bom, admito que, tomando uns gorós nalgumas madrugadas frias (também nas quentes), já gastei umas lágrimas pondo pra tocar no repeat essa malvada canção. E, ó, ela é tão fodona, que sobrevive até a uma, digamos, liberdade poética de Celso no verso "Tudo ali não tem valor". No mais, como vocês ouvirão, ela tem um final épico, digno daquelas canções que começam a tocar quando aparece o letreiro de um daqueles filmes inesquecíveis, que é pra quando acender a luz o marmanjo se pegar em flagrante aos prantos. Constatem:
Se pudesse dar reverso em canção
Recolher ao violão
Melodias que um dia lhe fiz
Eu ia ficar feliz
Se pudesse dar um louco revés
Nos versos que lhe escrevi
Tudo virasse tinta e papéis
Não ia nem discutir
Mas o que você mandou
O porteiro me entregar
Gargantilha, anel, pulseira, colar
Tudo ali não tem valor
O que de valor havia
Era pouco e se acabou
Fica com você
Guarda com você
Mágoa não tem que durar
Dei para você
Com tanto querer
Pode o meu querer lhe ajudar
A entender o que é o amor
Mesmo sem saber amar
***
Nos versos que lhe escrevi
Tudo virasse tinta e papéis
Não ia nem discutir
Mas o que você mandou
O porteiro me entregar
Gargantilha, anel, pulseira, colar
Tudo ali não tem valor
O que de valor havia
Era pouco e se acabou
Fica com você
Guarda com você
Mágoa não tem que durar
Dei para você
Com tanto querer
Pode o meu querer lhe ajudar
A entender o que é o amor
Mesmo sem saber amar
***
*A quem interessar possa, adianto que, antes de subir o fonograma pro soundcloud, fui autorizado pela Koala Records (que lançou o CD do qual faz parte essa canção) e pelo próprio Vicente.
***
Três phodíssimas, Leo!
ResponderExcluirDo Marcio nem falo nada.
Coitado, ele também ganhou uma fã, igual você....kkk
Textaço!
bjbj e muito sucesso.
Uma fã igual a mim? rs
ExcluirBj,
Léo.
Igual vc, que tb ganhou uma fã
ExcluirNão faz o desentendido comigo....
Como assim? Haha!
Excluirkkk
ExcluirEu é que sou fã doceis dois!
ResponderExcluirÊ, modéstia. rs
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