quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Trinca de Copas: 31) Arnaldo Afonso, Edu Franco e Sonekka

1) JÉSSICA E VAL

Admiro Edu Franco desde quando o vi pela primeira vez, há 11 anos, defendendo sua hilária Seresteiro a Perigo num festival realizado pela TV Cultura. De lá pra cá, conhecemo-nos pessoalmente, tornamo-nos amigos, mas, apesar de muitas risadas, muitos porres e noitadas, a bendita da parceria nunca rolava. Batemos na trave algumas vezes; eu lhe enviei umas letras, mas não se deram com seu santo; ele me mandou uma melodia, mas eu, após uns entraves, nunca a concluí (ainda hei de); e a vida prosseguiu. Edu, grande melodista discípulo da melhor escola emepebística e não menor letrista (além de um dos mais talentosos cronistas de minha turma), sempre foi de poucos parceiros, o que acabava me deixando menos frustrado por não emplacar uma com ele.

Mas eis que, quando eu já entregava os pontos da parceria, um filme brasileiro veio preencher essa lacuna. Vi recentemente o tocante Que Horas Ela Volta?, e cheguei a escrever a respeito do filme (aqui). E calhou que Edu, que ainda não o havia visto, após ler meu texto resolveu vê-lo; e não é que adorou e me convidou a fazer uma canção em homenagem a Jéssica e Val, suas personagens principais? Não me fiz de rogado, pus mãos à obra e, uma hora depois, enviei-lhe a letra. E, pra meu espanto, Edu gastou mais ou menos o mesmo tempo que eu pra fazer a melodia. Contudo, o que não nasceu pra ser fácil tem lá suas razões. Compor a canção foi fichinha perto do que ambos sofremos pra lapidá-la depois até chegarmos a um consenso. Edu é um compositor criterioso, que gosta da vogal certa na nota correspondente e, quando encasqueta com uma palavra, há que a abortar imediatamente. Assim, duas semanas de negociações depois, batemos o martelo. Valeu a espera. Com vocês...



JÉSSICA E VAL
Edu Franco – Léo Nogueira

Ei, Val
Deixa essa roupa no varal 
O pó cobrir todo o quintal 
E vê se vai cuidar da vida 
Vai!
Arranca logo essa mordaça 
Pois o que você lava e passa 
É uma passagem só de ida

Ei, Val
Deixa a comida no fogão 
Tem gente andando de avião 
E você vendo da janela 
Vai! 
Quem te mandou servir de escrava? 
Tudo o que você passa e lava 
É sempre a mesma novela

Val
Madame grita lá de cima 
Vendo a menina na piscina 
Protagonista de um lugar novo na história 
Val
Jéssica tem um outro plano 
Chegou do céu, de aeroplano 
Em busca de um lugar ao sol

Ei, Val
O livre-arbítrio Deus te deu 
Vê que esse filho não é seu 
Como não é seu esse quarto 
Vai! 
Muda o roteiro do seu dia 
O rato dessa hipocrisia 
Não é o fruto do seu parto

Val
Tira ligeiro o avental 
Quarto do fundo é o escambau 
Corre, arruma as suas malas 
Vai 
Alforriar os da sua laia 
Deixa que a casa-grande caia 
Já foi o tempo da senzala

Val
Madame grita lá de cima 
Vendo a menina na piscina 
Protagonista de um lugar novo na história 
Val
Jéssica tem um outro plano 
Chegou do céu, de aeroplano 
Em busca de um lugar ao sol 
Jéssica

***



2) O REI DA VANGUARDA

Meu querido amigo e parceiro Kleber Albuquerque vira e mexe abre os portões de sua charmosa residência e promove interessantíssimos espetáculos em seu lúdico quintal, chistosamente alcunhado de Teatro Imaginário da Fábrica de Caleidoscópios (já escrevi sobre ele aqui). Às vezes, são shows, com pompa e circunstância; outras vezes, saraus nos quais cada um apresenta suas canções ou poesias. São as já famosas Giras de Compositores (falando nisso, sábado próximo vai rolar mais uma; apareçam e deem-se uma opção fora da mesmice carnavalesca). Na mais recente, encontrei, entre tantos outros compositores, músicos e intérpretes, o folclórico Carlos Careqa, artista com Q maiúsculo (ops!) de cuja obra eu sou admirador.

Pois bem, a horas tantas, como eu tivesse na noite em questão alguns amigos que, generosos, cantaram várias de nossas parcerias, Careqa, já careca de tanto ouvir meu nome na boca dos parceiros, de prima tomou do violão e, como já escrevi antes, "misturou homenagem com trollagem e fabricou ali, na hora, uma canção que teve a mim por muso", à qual ele deu o nome de O Rei do Sarau (assistam ao vídeo da canção aqui). E o fato é que eu, educado que sou, vi-me na obrigação de lhe devolver o presente; assim que, após vasta pesquisa de sua obra, e abusando das referências, compus a letra em questão, que ganhou melodia de Sonekka, parceirão pau pra toda obra, que não só a musicou, como também lhe fez um simpático arranjo. Espero que vocês (e Careqa) gostem. Ei-la:

O REI DA VANGUARDA
Sonekka – Léo Nogueira

Entre a lágrima penetra
E bem mal-acompanhada
E o chute na uretra
Da obscena gargalhada

O que usa a má palavra
Feito fosse espingarda
Depois lava, passa e lavra
Mezzo bufa, mezzo barda

Ele é:
O rei da vanguarda

Traje folgado e espaçoso
Como hábito ou farda
Flerta com Deus e o tinhoso,
Rosa, Rita, Eduarda...

Filho de um Tom postiço
Com MPB bastarda
Diz que não é nada disso
Só uma eminência parda

Ele é:
O rei da vanguarda

Não carece chamar o guarda!


***


3) VIVA A ILUSÃO

A cada dois meses, ou seja, bimestralmente, ocorre no bairro paulistano da Vila Maria o Sarau da Maria (já escrevi sobre ele aqui). Trata-se de um sarau dos mais bem frequentados, concorrido, charmoso e, de quebra, cheio de gente boa, que se entrega à causa mais ou menos como os agremiados de escolas de samba, que têm uma trabalheira dos diabos pra fazer tudo funcionar às mil maravilhas na noite do desfile. Com a diferença de que Carnaval é uma vez por ano, e o Sarau da Maria é, como frisei, bimestral... Outra diferença é que cada escola de samba apresenta um único samba-enredo, ao passo que no SM há inúmeros poetas que sobem ao palco, sem falar nas atrações musicais, que não são poucas!



Pois bem, esse breve prefácio foi pra localizar onde conheci um de meus mais recentes parceiros (e um dos cabeças do SM), o multifacetado Arnaldo Afonso, que não cabe em nenhum rótulo, visto que sabe transitar pelos sete mares (e os inúmeros rios) da música, segmento no qual atua na condição de cantor, compositor e instrumentista. E, já que o apresentei como multifacetado, faz-se necessário dizer também que é poeta dos mais fervorosos, daqueles que sobem ao palco e, recitando, melhoram seus poemas (no caso dos dele, que já são bons). E, como se fosse pouco, ainda é jornalista, e ganhou recentemente um blogue (no Estadão, onde trabalha) pra escrever o que lhe der na telha (este). Sorte nossa! Pra terminar, deixo-os com nossa primeira cria, fruto de uma melodia que ele me mandou e pra qual eu canetei os versos abaixo:


VIVA A ILUSÃO
Arnaldo AfonsoLéo Nogueira

Olha, não tem por que sofrer
Viva a ilusão
Sabe, na morada do prazer
Sempre tem consolação
Olha, se você não tá a fim
Tenta mesmo assim, por nós dois. Vai por mim

Tá tão difícil achar um príncipe encantado
Melhor você treinar comigo
Que tô à toa, disponível, vacinado
Pra ser amante ou amigo

Vem viver de ilusão
Que a verdade é traíra
Hoje, o que é salvação
Amanhã é mentira

Não entra nessa de esperar a sua sina
Passar em frente da janela
Se não matar isso que aos poucos te assassina
Vai ver a vida de uma cela

Vem viver de ilusão
Que a verdade é traíra
Hoje, o que é salvação
Amanhã é mentira

Para, chega de razão!
Viva a ilusão!

***

8 comentários:

  1. Que legal que tenha sido sobre esse filme, grande Léo, que nos toca histórica e pessoalmente. A brincadeira-resposta com o Careqa ficou muito bacana, que bom que estejamos todos animados e com mais alma coletiva, conversei com o Marcio sobre isso hoje, sobre os encontros na casa do Kleber e essa mudança de postura de todo mundo de entrar no quintal alheio e diminuir a solidão e a exclusão de fazer música nesses tempos. A saída é por aí, de quintal em quintal fazemos a roda, bebemos, cantamos, brincamos, subimos no pé e colhemos as frutas, quem é leve flutua, quem tem coragem arrisca um verso, todo movimento de criação movido pela alma eu admiro em essência pela atitude, mesmo que não goste de uma ou outra canção, gosto da coragem de quem se atreve, quando posso falar bem eu falo, quando não, me calo frente a alguém que está pulando sabe-se lá quantos muros para tentar criar algo e levar a outro alguém, a gente vê muito isso no Caiubi, pessoas que abandonaram a música por ter que cuidar da vida e fizeram algumas poucas canções mas vão lá dar o recado, isso é bacana porque é isso que criou o espírito de toda música popular, aquela fora da academia e do rigor erudito, do diapasão dos chatos e arrogantes, aquela da celebração popular, a cantoria, a seresta, a roda de samba, o fandango, bora lá fazer caleidoscópios minha gente.

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    1. Aê, Eduzão! Baita depoimento!

      Boralá criar e retratar nossos dias de Jéssicas e Vals!

      Abração,
      Léo.

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    2. Kkkk....Cêis arrumaram pra cabeça, pq agora "garrei" nesse quintal!
      Cansei da solidão, tb não quero mais ser sozinha.

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    3. O quintal é nosso, Vanessinha! rs

      Beijos,
      Léo.

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  2. Três músicas excelentes. Parabéns, meus velhos!

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  3. Show, Léo!
    As três maravilhosas.

    Beijíssimo!
    Muito sucesso

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