Tom Zé, nos primórdios, quando a Tropicália ascendia, ao ser questionado num programa de TV a respeito das diferenças estéticas entre eles (os tropicalistas) e Chico Buarque, tascou sem dó e com a fina ironia que sempre lhe foi característica que respeitava muito o autor d'A Banda, "pois ele é nosso avô". Claro, Tom Zé, que é oito anos mais velho que Chico, referia-se à música deste, que, segundo ele, parecia antiga se comparada com a que os baianos & agregados andavam fazendo. Já eu costumo dizer que a genialidade de Chico foi revolucionar a música brasileira sem violar sua estrutura, seguindo todos os padrões clássicos. A modernidade de Chico sempre esteve na qualidade do que fazia/faz. Creio mesmo que depois da morte de Noel Rosa o Brasil teve que esperar quase três décadas pra ver surgir alguém com a pena tão refinada.
Li em algum lugar — acho que no Verdade tropical, mas não tenho certeza — uma declaração de Caetano em que dizia que eles, os tropicalistas, queriam experimentar também o feio, já Chico preferiu se dedicar apenas ao belo. Nisso sou obrigado a concordar com Caê. Quando descobri a obra de Chico (escrevi a respeito aqui) fiquei louco e não descansei enquanto não adquiri sua discografia inteira. Durante esse tempo, nenhuma canção que não fosse de Chico me satisfazia. Quando enfim a febre baixou, tentei repetir a dose com Caetano, mas me frustrei, porque este, apesar de ser também um compositor de primeira grandeza em nosso cancioneiro, sempre foi muito irregular, talvez por sua veia tropicalista. É normal em seus discos ouvirmos uma pérola e logo em seguida uma canção sem pé nem cabeça.
Isso pode ser entendido também como ousadia. Caetano sempre arriscou mais que Chico. Creio mesmo que quando acertava superava o colega de ofício; mas a qualidade da obra de Chico está na impressionante regularidade. Seus fãs costumam dizer que ele não tem nenhuma música feia. Pensem aí em todos os compositores brasileiros e vejam se encontram outro sobre quem se possa repetir essa afirmação. Não há. Simplesmente não há. A exuberância de Chico tanto nas melodias quanto nas letras (e mesmo nas feitas pra melodias alheias) é algo único na história da canção em língua portuguesa. Obviamente, haverá quem discorde, e preciso terminar este parágrafo afirmando que o que escrevi não é uma verdade tropical (nem absoluta), mas sim apenas e tão somente minha opinião.
Nesse duelo entre Chico e Caetano, não é segredo pra ninguém que o primeiro levou a melhor também quando enveredou pela literatura. Ok, seus primeiros livros não são lá tudo isso, mas de Budapeste pra cá parece que ele acertou a mão e vem conseguindo escrever uma leva de romances primorosos. Já Caetano, em sua solitária incursão pelo reino das palavras impressas, concebeu um livro (o supracitado Verdade tropical) cheio de altos e baixos e um tanto cansativo. Caetano é verborrágico, todos sabemos, e seu livro sofre dessa verborragia. A impressão que tive ao lê-lo foi a de que parecia que Caetano não o havia escrito, mas sim transcrito. De sua fala, obviamente. Bom, mas pra ser justo tenho que admitir que nele há algumas belas e tocantes passagens.
Vocês já perceberam que tenho time nesse jogo. E quis explicitar isso pra prepará-los pro que em seguida escreverei. De repente, não mais que de repente, percebi até com certo espanto que nos últimos anos tenho ouvido mais Caetano que Chico. A explicação que me ocorre é que, como sempre fui fanático por este, já pus pra tocar zilhões de vezes suas canções e não há mais novidade. Inclusive, na condição de fã exigente notei que depois do Paratodos (lá se vão quase 25 anos — como o tempo passa rápido!) Chico não lançou mais nenhum excepcional disco. Mais uma vez, pra meu gosto pessoal. Os bissextos lançamentos subsequentes mantiveram a regularidade da qualidade, mas as canções fora de série foram escasseando.
Talvez o novo Caravanas seja seu melhor em décadas, mas nem este cheguei a ouvir repetidas vezes como fazia com todos os anteriores. Ah, um parêntese: houve, sim, um grande disco, Cambaio, mas este não pertencente a sua discografia, é mais um daqueles trabalhos feitos pra teatro (e mais um em parceria com Edu Lobo). Em contrapartida, Caetano tem me agradado cada vez mais. Desde seu Cê, quando teve a coragem (pra alguns, o disparate) de abrir mão da parceria de sucesso com o arranjador Jaques Morelenbaum e optou por gravar uma série de discos com formação mais roqueira, venho notando que a caetânica verve está cada vez mais vicejante. Essa troca na escalação dos músicos lhe fez bem, deu-lhe frescor e vitalidade. Suas mais recentes canções têm um vigor quase juvenil.
Gostei sobretudo de Abraçaço, este sim que ouvi muitas e muitas vezes (até escrevi sobre ele aqui). E aqui o fato de não ter ouvido tanto Caetano quanto Chico me fez aproveitar sua boa fase e ir fuçar seus lados B, inclusive canções que fez pra outros/as, como as do belo disco Recanto, de Gal Costa, cujo repertório é todo de autoria do baiano. Aliás, Caetano tem me ajudado muito a compor ultimamente. Explico: sempre gostei de criar letras novas pra canções famosas. É assim: pego uma canção qualquer de que goste, aproveito sua linha melódica e faço-lhe uma nova letra. Depois, envio esta pra que algum parceiro a musique. Pois bem, já fiz isso recentemente com umas quatro ou cinco de Caetano.
Pra encerrar, gostaria apenas de enfatizar que meu casamento com a obra de Chico Buarque continua firme e forte e talvez essa pulada de cerca (e justo com a obra de seu amigo) até sirva pra que a relação futuramente venha a ficar mais apimentada. E quem sabe até eu me encha de coragem e lhe cantarole ao ouvido "te perdoo por te trair".
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Não concordo com tudo, os dois são músicos excelentes. Mas Chico é também POETA.
ResponderExcluirMi, Caetano também é. Vez em quando. rs
ExcluirAbraços,
Léo.
E eu também, por sua presença.
ResponderExcluirAbraços, Silvia!
L.
Chico dispensa comentários. Tudo que se disser dele parecerá redundante. Mas Caetano, quando acerta, é uma coisa! Amo os dois, cada um de uma forma.
ResponderExcluirBeijos!
Pô, Dannoca! Aí você resumiu minha prosa toda num haicai. rsrs
ExcluirBeijos,
Léo.
Hahahahaha! Eu que sou sintética demais...
ExcluirBeijão!
Sintetizando mundos.
ExcluirChuac.