segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Canções em Colisão: 1) Eu levo a vida ou é ela que me leva?

Tenho trabalhado muito nesta minha fase nipônica, o que me dificulta escrever com a regularidade de que gostaria. Quando as ideias pintam, rabisco rapidamente pra não esquecê-las e vou cuidar da vida até o momento em que o cansaço e a preguiça não me vencem. Reparem: estou retocando esta prosa já faz mais de um mês e não logro finalizá-la. Este prefácio, inclusive, não existia no original; entretanto, resolvi incluí-lo só pra deixar vocês a par deste parto que é o ato de escrever quando o tempo não ajuda. Entretanto, estou contente; esta nova fase tem me trazido muito aprendizado. E o que vem a seguir trata um pouco disso. Pra tal, resolvi estrear nova coluna, que se chama Canções em Colisão (aceito sugestões). Vamos a elas.

Apesar de Lenine vir dando depoimentos que me frustram (ainda mais tendo ele o nome que tem), gosto muito de seu som. E, inclusive, apesar de ele certa vez ter se pronunciado numa entrevista mais como um representante do "roquenrol" que da "emepebê". Mas não tiro sua razão. Hoje em dia, quem é visto como "emepebista" parece até sujeito que tem doença contagiosa, meio que nem petralha. Ok ok ok — como diria o velho e bom Gil —, comecei esta prosa primeira meio em 50 tons de galhofa, mas isso vem bem a calhar no espírito (de porco? palmeirense, eu???) desta coluna nova que ora inicio e que nasce com a brincante intenção de contrastar (diria mesmo chocar) canções... e — por que não? — leitores. Assim como se tratasse de um Fla x Flu ou um petralhas vs. coxinhas da canção.

Falando ainda de Lenine, curto muito seus discos, considero-o um dos compositores mais relevantes da cena brasuca atual. Assisti mesmo a um show do moço de nome "cumunixta" na cidade de Avaré durante um festival do qual participei (evoé, Juca Novaes!) e não posso evitar dizer que foi um espetáculo vibrante e contagiante. Espantei-me com seu vigor físico e sua esvoaçante cabeleira, tipo meio Axl Rose. Falando nisso, há mesmo um leniniano CD no qual me amarro pacas e sobre o qual tratarei ainda em minha velha coluna Grafite na Agulha (por ora não revelarei, pra fazer suspense), mas por enquanto queria tratar a respeito de uma canção que ouvi em seu não menos belo disco Carbono, que tive o prazer de ouvir de cabo a rabo há pouco tempo. 

Trata-se claramente de um som que bate de frente com outro gravado por Zeca Pagodinho. Ouso mesmo dizer que nasceu pra confrontar a pagodinhiana canção, pois diz e-xa-ta-men-te o contrário da outra. Logo abaixo colarei ambas letras y ustedes poderão tirar suas próprias conclusões; entretanto, e entrementes, queria deixar claro aqui que, embora talvez até tenha gostado mais da canção de Lenine, a vida acabou me aproximando mais, filosoficamente falando, do samba de Pagodinho. Explico: não tenho nada contra aqueles que gostam de planejar tudo no longo prazo, antecipar-se aos acontecimentos e tal — também eu sempre tive meus planos —, só que a vida me ensinou a, como dizia o velho Osho, abrir os braços pro inesperado.

O que isso quer dizer? O óbvio: viver não é uma ciência exata. E muitas vezes nem é justa. Tragédias, epidemias, doenças e outras mazelas têm levado prematuramente pessoas que tinham muito a oferecer à humanidade. E outras que, se não tinham, ao menos mereciam levar sua vidinha por umas décadas a mais. Assim, gosto de vez por outra soltar o remo e deixar o barco me levar. Como canta o mestre Paulinho da Viola (sobre versos de Hermínio Bello de Carvalho), "não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar". Meio que por aí. Fazer planos é preciso, claro, mas também é preciso estar atento ao acaso, ao inesperado. Não poucas vezes tudo o que levamos tempos planejando vai por água abaixo por um detalhe ínfimo. Que acaba fazendo toda a diferença.

Reparem em meu caso: nunca planejei virar compositor. E virei. Nunca passou por minha cabeça me casar com uma japonesa. E cá estou hoje dormindo ao lado de uma. Nem nos sonhos mais remotos imaginei que um dia iria trocar nossa rica terra por um país onde terremotos, tsunamis e tufões existem aos montes, e hoje estou aqui em Tóquio vendo o sol nascer primeiro (quer dizer, essa parte é mentira, pois continuo acordando tarde). Tudo isso, a música me trouxe. E foi ela também quem me livrou de um casamento que estava fadado ao fracasso — já contei isso antes, mas vale repetir: estava eu enrolado com uma moça por um período não menor que sete anos quando inventei de compor, e foi quando ela inventou de se desfazer de um futuro casamento com um provável doido varrido. E cá estou, ainda doido, mais varrido ainda, e dizendo ohayô no lugar de bom-dia.

Tudo o que escrevi acima mostra que tenho lado nessa pendenga. Contudo, sou lúcido o suficiente (ou quase) pra reconhecer que a canção de Lenine tem sua beleza e que tem lá sua força o querer sobre o poder. Embora só até o segundo capítulo deste livro ao qual chamamos vida, que se autoescreve enquanto nossa vã filosofia nos faz crer que seu autor somos nosotros. Eu disse vã filosofia? Está mais pra vã ignorância. O que chega a ser um pleonasmo, pois toda ignorância é vã. E nessa van cabemos todos nós de vez em quando. Ou de quando em vez. Agora "deixemos de coisa e cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida" e blá-blá-blá. Que cada canção fale por si. A elas. Desfrutemo-las enquanto colidem.


QUEM LEVA A VIDA SOU EU
Lenine

Não deixo a vida me levar,
Levo o que vale do viver
Um sorriso pleno,
Um amor sereno,
E tudo que o tempo me der…

A vida é pra se louvar,
Venha o que vier, valha o que valer
Um caminho raro,
Um coração claro,
Por todo tempo que houver…

Levar
Valer
Louvar
Haver
Viver, se houver
Valor à vida

Não deixo a vida me levar,
Quem leva a vida sou eu


DEIXA A VIDA ME LEVAR
Erivaldo Severino da Silva Serginho Meriti  Sergio Roberto Serafim

Eu já passei por quase tudo nessa vida
Em matéria de guarida espero ainda a minha vez
Confesso que sou de origem pobre
Mas meu coração é nobre
Foi assim que Deus me fez

E deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu

Só posso levantar as mãos pro céu
Agradecer e ser fiel ao destino que Deus me deu
Se não tenho tudo que preciso
Com o que tenho, vivo
De mansinho lá vou eu

Se a coisa não sai do jeito que eu quero
Também não me desespero
O negócio é deixar rolar
E aos trancos e barrancos lá vou eu!
E sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu

Deixa a vida me levar
(Vida leva eu!)
Sou feliz e agradeço
Por tudo que Deus me deu

PS: Pesquisei e descobri o vídeo a seguir. Espie.




***

2 comentários:

  1. Oi, Léo!

    Adorei esta coluna! Eu achava que só eu prestava atenção a essas letras que se contradizem... A diferentona. (rs)

    Sobre esse caso Pagodinho x Lenine, acredito que cada um tenha sua cota de razão. Como escrevi na M-M, tem momentos em que a gente leva a vida, mas nem tudo se pode controlar.

    Pra mim, pior ainda é o Fábio Jr., que contradiz a si próprio. Talvez você não preste atenção à grande obra dele (hehehe), mas eu sim. Em "20 e poucos anos", ele canta: "Nem por você, nem por ninguém, eu me desfaço dos meus planos". Já em "Caça e caçador" (é, eu sei! rsrs), a letra diz: Você olha pra mim e é tão fácil mudar qualquer plano". Será que, com o tempo, ele foi ficando mais flexível ou simplesmente mais mentiroso? :-D

    Beijão!

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    1. Hahaha! Ótima, Dannoca! Bom tema pra publicação futura. E se pensar em mais alguma pode me dar um toque.

      Beijos,
      レオ。

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