O ano de 2018 foi pra mim extremamente delicado. Pela primeira vez na vida, passei um ano inteiro morando fora do Brasil (pra quem me lê pela primeira vez, acrescento que estou vivendo em Tóquio, Japão, desde fins de novembro de 2017), e, se comi o pão que o diabo amassou, em contrapartida não posso omitir que, naturalmente, foi um ano cheio de experiências novas. Vi-me obrigado, entre outras coisas — e pela dificuldade de me comunicar em japonês —, a trabalhar num ramo com o qual nunca nem sequer havia sonhado: de um dia pro outro lá estava eu trabalhando numa churrascaria brasileira no coração de Tóquio.
No começo, foi um inferno, tudo era difícil, e as horas se arrastavam. Às vezes, quando pensava que não houvesse mais o que piorar, havia. De repente, um belo dia, como se desse um estalo em minha cuca me vi ali perfeitamente adaptado, exercendo meu novo ofício com certa facilidade, e até com relativo prazer. Claro, em parte pelos amigos que fiz no estabelecimento. O que posso dizer é que é meio como aprender a dirigir pra quem não tem muito traquejo. No começo, parece algo impossível, mas depois de um tempo, com a repetição, vem a segurança — e, por que não?, a naturalidade — pra fazer o que é preciso ser feito. Claro é que sem a facilidade de quem tem aptidão pra coisa, visto tratar-se de uma atividade incorporada a duras penas.
Enfim, esse prólogo foi apenas pra exemplificar como, em situações extremas, somos adaptáveis. E talvez seja essa a explicação de nossa sobrevivência. Claro, não desisti de meus outros objetivos; digamos que, paralelamente ao novo trabalho, tenho continuado a compor e a escrever — tanto é verdade que encontrei um hiato pra estar aqui agora proseando com vocês. Como falou em certa ocasião uma ex-ministra, já relaxei e já gozei; aprendi que minha vida foi destinada a ser de surpresas. Por isso, escrevi há pouco tempo aquele texto em que confrontava uma canção que dizia "deixa a vida me levar" com outra que afirmava que "quem leva a vida sou eu" (leia aqui).
Enfim, esse prólogo foi apenas pra exemplificar como, em situações extremas, somos adaptáveis. E talvez seja essa a explicação de nossa sobrevivência. Claro, não desisti de meus outros objetivos; digamos que, paralelamente ao novo trabalho, tenho continuado a compor e a escrever — tanto é verdade que encontrei um hiato pra estar aqui agora proseando com vocês. Como falou em certa ocasião uma ex-ministra, já relaxei e já gozei; aprendi que minha vida foi destinada a ser de surpresas. Por isso, escrevi há pouco tempo aquele texto em que confrontava uma canção que dizia "deixa a vida me levar" com outra que afirmava que "quem leva a vida sou eu" (leia aqui).
Diz um velho deitado que a única coisa contínua na vida são as mudanças. Devemos, obviamente, tentar ser os melhores naquilo que fazemos, entretanto precisamos aprender a conviver com o que o destino nos oferece. E pra isso não há escapatória. Sobreviver exige certos sacrifícios. E os humanos somos ph.D. em sobrevivência. Quem diria, há milhares de anos, que sobreviveríamos aos dinossauros? Da mesma forma, a vida é um eterno recomeçar. Há períodos de avanço e outros de retrocesso. Particularmente aos brasileiros, nós, os progressistas (e humanistas), vamos ter que conviver mais uma vez com um governo retrógrado. Nem por isso vamos jogar a toalha, não é mesmo?
Lembrei-me de um comercial antigo, que eu jurava ter visto com Gil, mas achei com Caetano (este), em que ele conta que num país distante, rico, mas corrompido, todos os dias um homem saía às ruas pra tentar convencer a população a reagir. Quase ninguém o ouvia, mas ele seguia insistindo. Um dia, um viajante que passava por ali e já o havia visto outras vezes em semelhante atitude lhe perguntou por que ele não desistia, já que parecia que o que fazia não obtinha resultado, ou seja, sua pregação não lograva modificar o pensamento das demais pessoas. E o homem lhe respondeu: "Se eu desistir, elas é que terão conseguido me modificar."
Acho que é meio isso o que queria dizer, que é preciso manter a fé e a força pra seguir com os objetivos, mesmo — e mais ainda — quando sofremos reveses. Afinal, a vida é uma só. O que me lembrou também palavras de Vinicius num samba antigo: "A vida é pra valer, e não se engane não, tem uma só. Duas mesmo, que é bom, ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado com certidão passada em cartório do céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida!" Ou seja, crer na vida eterna, em reencarnação etc., não faz mal nenhum, desde que creiamos PRINCIPALMENTE nesta.
Só que pra isso (e aqui entra a versão que fiz pra ilustrar esta prosa) precisamos também aprender tanto a descartar as coisas que não dão certo quanto a nos afastar das pessoas que nos fazem mal. A vida é seletiva, portanto, também nós o devemos ser. Seja exercendo o desapego (por causa da mudança, por exemplo, tive que me afastar de meus discos e livros), seja simplesmente por autoproteção mesmo. Acredito que todos vocês já devem ter passado por isso: há ocasiões em gostamos muito de alguém, mas essa pessoa nos tira a energia, às vezes até sem querer, mas o que importa é o resultado em si. Ajudar a terceiros desinteressadamente é sempre bom, mas vermo-nos usados por outrem, principalmente se for alguém a quem chamamos de amigo — ou amante —, é coisa bem diferente.
E não estou falando apenas em política, em bloquear amigos no facebook, afinal muita gente que pensa diferente de nós nos ajuda na hora em que precisamos delas (e aqui no Japão tive algumas experiências nessa área), ao passo que outras que — supostamente — se assemelham a nós em ideologia não são condizentes com ela em uma ou outra ocasião. Dia desses, disse a um amigo que havia me bloqueado e recentemente, arrependido, me desbloqueou: "que em 2019 a harmonia reine acima das ideologias." Claro que estou me referindo às pessoas próximas; sei que no geral o campo de batalha já está quase pronto. E as armas estão chegando. Salve-se quem puder!
***
PS: Mais que a esperança, a persistência é uma grande qualidade. Reparem: estive durante quase dois anos enchendo os pacovás do amigo Augusto Teixeira pra conseguir extrair dele esta gravação com a qual ora somos presenteados. Ouçamo-la, por fim:
CESSAR-FOGO (ALTO EL FUEGO)
Jorge Drexler/versão: Léo Nogueira
Moça,
Vê se me erra
Eu tô descendo nessa estação
Me assusta menos sua guerra
Que o cessar-fogo em seu coração
Linda,
Tá combinado
Devolvo o amor que perdeu a fé
Num trem com destino errado
Eu vou mais lento que indo a pé
Meu pranto hoje é sincero
Contudo, é pra nosso bem
E não é só porque quero
Que tô deixando partir o trem
Olha
Na plataforma
Te acenando ali estarei
Se o sofrimento transforma
E nos ensina... isso eu não sei
Uma parte de mim me escapa
Mas tem lá sua razão
Aceito o fim dessa etapa
Vendo, a distância, meu coração
A letra original:
ALTO EL FUEGO
Jorge Drexler
Mira
Yo aquí me bajo
Yo dejo el tren en esta estación
Me asusta, tu guerra, menos
Que el alto el fuego en tu corazón
Mira
Yo aquí me bajo
Yo dejo el tren en esta estación
Me asusta, tu guerra, menos
Que el alto el fuego en tu corazón
Linda
Cuando vos quieras
Dejo este amor donde lo encontré
En tren con destino errado
Se va más lento que andando a pie
Mi zamba será sincera
Mi zamba será sincera
Será, creo, para bien
Y no será porque quiera
Que estoy dejando marchar tu tren
Mira
Mira
Por la ventanilla
Verás mi rostro alejándose
Hay quien dice que el camino
Te enseña cosas, yo no lo sé
Mi zamba se irá contigo
Mi zamba se irá contigo
Tendrá una buena razón
Y yo en este andén vacío
Viendo alejarse mi corazón
Ouça a original:
***
Já havia comentado, mas como fazia uma apologia a "velhos deitados" definitivos, como a experiência nos trazendo conhecimento, e me deparando com a parte da música em que se fala exatamente que "se traz conhecimento, eu não sei", acabei por deletar meu comentário.
ResponderExcluirMinha experiência me confirma fortemente que há um autoconhecimento forte, que adentra nosso ser, como a "fácil ideia" de afastar alguém que a gente gosta mas que nos traz energia negativa. Se a gente gosta, por quê não dar uma conversada boa com esta pessoa? Esta ideologia do desapego pegando nosso "todo existencial", parece-me mal resolvida, pois deixamos de ter a experiência de refletir com quem nos incomoda sobre aquilo que traz desconforto. Este tal de desapego está incentivando mais o individualismo, que é coisa que não gosto, além de eliminar boa parte da possibilidade de vivências que podem nos acrescentar. Creio que se há oportunidade para uma reflexão, é uma oportunidade de vermos na pessoa que gostamos o seu outro lado, que ela está com dificuldades de desenvolver. Diz-se que se algo nos incomoda é porque tem algo nosso, que não conseguimos resolver.
E, algo que veio neste meu rol de experiências, é que não se nega a possibilidade de "crescer", ou melhor, de abrir mais pro mundo e aprender mais. A possibilidade de aprender na vivência é um ouro.
E, finalizando, sua fase mais difícil aí foi quando não havia amigos. Isto deve lhe responder do quanto é necessário a gente ter convivências, pois é através do outro que a gente se confirma como gente.
Enfim, experiências, vivências, sabedorias, etc estão no fluxo, estão em nossos caminhos, e como se tem esta vida, há de se aproveitar.
Viva o Japão, viva a sua vida, viva a vida, que no que dá ou retira, nos deixa sempre com algum aprendizado, mesmo que não saibamos imediatamente qual é.
Abração, querido
Salve, Érico!
ExcluirSabe que de todos os seus comentários por aqui até agora talvez tenha sido esse o que mais gostei de ler? Pode ser que eu esteja exagerando, pois seus comentários são sempre lúcidos e causadores de reflexão, mas gostei sobremaneira desse, e justamente porque traz uma informação importante que contribui com a publicação: não há verdades absolutas. Seu comentário se choca diretamente com o que escrevi, pois vai no sentido contrário, e isso é sempre bom na vida, e no convívio: a opinião do outro, o confrontar-se com o oposto. Claro que, no caso da canção, acredito que Drexler tenha usado essa polêmica frase mais por achá-la forte e cabível dentro da historinha que ela nos traz do que realmente por acreditar nela. Já em meu caso, não quis me referir especificamente a pessoas (embora tenha tratado também delas), mas sobretudo a atos, situações, objetos, repetições de erros etc. Sei que você deve me entender. E, pra sua informação, também sou daqueles que lutam até o fim por manter uma relação, seja de amizade, seja amorosa. Só que, como tudo na vida, há limites, né? Chega uma hora em que cansamos — ou que é a outra pessoa que se cansa de nós. Até porque, se usarmos de empatia, poderemos sempre nos colocar no lugar do outro e tentar observar o que ele deve ver de errado em nós mesmos. Não é verdade? Bom, preciso terminar a prosa, e infelizmente não dá pra resumir tudo o que seu comentário me causou numa simples resposta. Sigamos debatendo, pois.
Abraçaço,
レオ。
Leozim, havia escrito uma mensagem em resposta à sua fala, mas o google engoliu. Onde meteu, não sei.
ResponderExcluirBom, vou resumir: fiquei feliz por tê-lo impactado finalmente com algo significativo. Você sabe que não sou alguém que concorda sempre, se concordo, desenvolvo, e se não concordo, vou aos meus confins achar minhas palavras.
Anteriormente, parei no "se a gente aprende, não sei". Mas a minha consistência de vida hoje é feita de aprendizados, muita reflexão e observação, afinal, o que o Jorge Larossa (educador) sugere: leve um tempo observando e dê consistência à sua vivência, assim se dá o verdadeiro saber da experiência - mesmo que uma experiência depois nos consista em algo diferente.
Complementando, num engano meu, digo que amei a interpretação do Augusto. Ele deu um toque especial no seu jeito de cantar, e das pausas do violão. Muito bonito. Deu-me vontade de cantar mas, em dúvida, pois acho a interpretação do Augusto muito boa. Vamos ver.
Suas versões são maravilhosas. Também adoro o Jorge Drexler.
E tamo por aqui e por ali pra pensar na vida, que traz a matéria prima para o nosso trabalho!
Abraçação pra tu
(não sei escrever meu nome em japonês....kkkkk)
Érico, só estamos levando esta prosa por causa das discordâncias. Se você tivesse concordado com tudo, teria me parabenizado, eu teria agradecido, e fim de papo. Também curto muito esses debates; sempre nos fazem pensar, nos tiram da zona de conforto. E, sob esse aspecto, sou que nem você: não ando soltando elogios vãos simplesmente; se vejo um ponto que me incomoda, ponho em debate. É sempre enriquecedor, e, pra nós, criadores, gera novas criações, seja na prosa, no poema ou na melodia. Né não?
ExcluirAbraçaço,
レオ。
PS: Seu nome em japonês é エリコ. Bunitim, né? rsrs