quarta-feira, 25 de março de 2015

Ninguém me Conhece: 80) Despindo a máscara de Augusto Teixeira

Começo este novo NMC colando o que escrevi em outro texto (aqui): "andei indo pouco ao Caiubi nos últimos anos, daí que ali foi chegando uma nova leva de caiubistas que me era desconhecida. Assim, numa segunda-feira dessas, animei-me e lá fui matar as saudades. Havia pouca gente, mas o ambiente, como de costume, estava dos melhores. Em determinado momento, subiu ao palco um moço que me chamou a atenção. Cantou duas belas canções, uma delas em parceria com o mano Álvaro Cueva, que não perdeu tempo em fisgar o rapaz. Ah, seu nome: Augusto Teixeira. Sugestivo, não? No final da noite, troquei algumas palavras com o moço, e ele ficou de me mandar uma melodia. Mandou-ma. Ouvindo-a, seu 'iaraiá' me sugeriu falar de Iara. Mas, como todo mundo já falou dela, resolvi inverter os papéis e fazer a nova versão da famosa sereia provar do próprio veneno."

1) Estação Felicidade (Augusto Teixeira)

No link do parágrafo acima, você pode ouvir a canção em questão. O fato é que, de lá pra cá, fizemos várias outras. Augusto é um daqueles compositores que sabem extrair o melhor do parceiro. A maioria de nossas canções passou por um processo de lapidação minucioso; não estaria mentindo se dissesse que, em alguns casos, chegou a ser cansativo (entre meus parceiros, processo parecido se deu apenas com Guilherme Rondon). É que Augusto é cheio de ideias e filosofias e é dono de uma bagagem cultural invejável. Além disso, não gosta de cantar um verso que não seja verdadeiro; então, várias vezes, quando eu achava que a letra estava pronta, tive que desconstruí-la pra depois reordená-la, atendendo a suas muitas sugestões. Algumas dessas canções foram resultado de uma imensa troca de e-mails. Tanto, e tantos, que acredito que com os versos excluídos daria pra fazer outra leva de canções.

Augusto é um camarada que emana simpatia; desde a primeira vez que o vi, foi como se o conhecesse de longa data. Cativou-me imediatamente. Sossegado, bom de prosa, atento ao que fala o interlocutor; mais que simpático, eu diria que é naturalmente empático. Em contrapartida, possui uma camada protetora que, apesar de invisível, protege-o de curiosos. Discreto, é dono de um olhar enigmático que contrasta com o riso aberto e conversa com uma falsa timidez buarqueana. Augusto também possui uma espécie de fragilidade quase feminina, como se cada passo que desse pudesse fazê-lo tropeçar e se partir em mil pedaços, o que, imagino, deva fazer que suas conquistas amorosas desenvolvam em relação a ele cuidados quase maternais. Outra característica sua é um certo desmazelo com o vestuário que parece mesmo proposital, um relaxo cuidadoso. Não diria ser ele um mendigo de butique, parece antes um riponga setentista.

Certa vez, Augusto me contou algo sobre ele que é talvez o que mais impressione em sua musicalidade. Nascido em Jundiaí, traz ainda em sua personalidade algo de interiorano, e revelou que até a idade adulta ouvia mais música sertaneja e tocava canções religiosas que aprendera na igreja que frequentava. Portanto, sabendo disso, não tenho como não me surpreender ao ouvi-lo tocar e cantar. Suas melodias elaboradas e harmonias sofisticadas em nada deixam transparecer seus gostos antigos (assim como sua voz afinada e econômica). Tenho cá pra mim que quando ele descobriu a riqueza da música brasileira deve ter pirado o cabeção e se atirado com afinco numa pesquisa e num estudo profundos, na ânsia de recuperar o tempo perdido. Admiro isso nele, no que também me reconheço, pois aconteceu algo semelhante comigo, só que em meu caso isso se refletiu mais na lapidação das letras – é importante acrescentar que Augusto também manda bem como letrista.

2) Toda em Si (Augusto TeixeiraMarina Tavares – Álvaro Cueva)
Nas noites autorais caiubistas, que ora têm como sede o Julinho Bar Clube, uma característica que tenho percebido é que os compositores, no afã de aplausos, têm procurado tocar canções mais populares. Claro, é um sintoma de nossos tempos dispersos, não ponho a culpa nesses artistas. Entre tilintares de copos, garçons anotando pedidos, vozes mal-educadas competindo em decibéis com quem sobe ao palco, não é mesmo fácil fazer que a plateia fique atenta a mensagens mais elaboradas. Escrevo isso apenas pra ilustrar a aura de Augusto, que cativou público e parceiros mesmo sem abrir mão de sua musicalidade mais – como direi? – introspectiva. É óbvio que quem vai a bares de música ao vivo pra falar continua falando durante sua apresentação, mas aqueles com mais sensibilidade conseguem fazer o esforço de se calar pra ouvir o que o moço tem pra apresentar.

Foi dessa forma que Augusto lotou o Julinho Bar Clube em seu primeiro show nessa casa. Eu fui um dos felizardos que estavam lá e pude perceber o sucesso do evento. O carinho dele com o público foi por este correspondido. De quebra, Augusto levou ao palco mais que apenas uma banda de afinados jovens músicos. O que presenciei naquela noite foi uma comunhão harmônica tão especial que deixava transparecer que aqueles jovens ali eram sobretudo uma família. Os afagos e sorrisos entre eles causaram um verdadeiro regozijo no público. Permitam-me aqui apenas um adendo: vendo-os, entendi o look de Augusto. Tudo tava explicado: pertenciam a uma mesma tribo. E mais não digo. Voltando ao show, causou-me inveja e admiração (não necessariamente nessa ordem) a quantidade e a qualidade das parcerias dele com Álvaro Cueva, que também participou do espetáculo – cujo final mereceu aplausos calorosos.

Não obstante (adoro essa palavra!), foi o segundo show que vi dele (domingo passado) que me fez pensar em dedicar-lhe estas maltraçadas. Estava eu um tanto deprimido por um fato que ocorrera na noite anterior: meus parceiros Gabriel de Almeida Prado e Kana haviam feito um show maravilhoso pra uns poucos gatos pingados, o que me fez pensar no quão difícil é a vida do artista. O cara vai lá, se dedica, estuda, aprende, compõe, organiza uma banda, ensaia, dá o melhor de si e não tem retorno do público. Confesso que dei uma fraquejada. Amanheci cabisbaixo, sem vontade de fazer nada. Daí, abri o e-mail e me deparei com uma bela melodia de um novo parceiro japonês, Koichi Hiroki. E não é que, quando dei por mim, lá estava eu terminando a letra da melodia? Abri um sorriso e pensei: "A gente não tem solução. Não adianta fugir!"

3) A Luz de Luzia (Augusto Teixeira Léo Nogueira)

Foi assim que me animei pra ir ao show de Augusto. Senti que, como parceiro, tinha obrigação de não me deixar abater e ir lá prestigiar. O show teve lugar numa charmosa casa na Vila Madalena que funciona como uma espécie de centro cultural e tem um nome igualmente charmoso: Gato de Máscara Estação Cultura. Porém, a exemplo de sábado – e ao contrário do show anterior de Augusto – o público também deixou a desejar. No entanto, ele e sua trupe não desanimaram e findaram por nos presentear com um espetáculo ainda melhor que o anterior. Augusto, particularmente, estava tão à vontade que parecia estar tocando na sala de sua casa. Vendo-lhe o brilho nos olhos de quem sabe estar seguindo por um caminho sem volta, ainda durante o show percebi que iria escrever um novo Ninguém me Conhece. Espero agora que o moço que é artista até no nome faça muitos outros shows – pra plateias maiores – e, pra júbilo de nossos ouvidos, grave seu primeiro CD urgentemente.

... E, se o universo conspirar pra que no repertório haja algumas de nossas parcerias, melhor ainda. Como diria o mestre Wilson das Neves, "ô, sorte"!


***

2 comentários:

  1. Só você mesmo, meu "Ídalo" maior, pra desenhar tudo o que a gente vê mas não tem sequer uma palavrinha pra descrever neste Belo Augusto Teixeira!
    Valeu, Meu Grande! Parabéns a você e ao Cantor/Compositor!
    SUCESSO SEMPRE!
    Beijo e Luz

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