domingo, 1 de março de 2015

Os Manos e as Minas: 18) Che – mais que uma estampa numa camiseta

selfie
Ernesto Guevara de la Serna, argentino de Rosario, mais conhecido como "Che" Guevara, médico, escritor, guerrilheiro, político, jornalista (não exatamente nessa ordem), entre otras cositas, é pra mim uma espécie de Jesus Cristo às avessas. Ou um Jesus que, em determinado momento de sua trajetória, tivesse optado pelas armas. Jesus não queria poder, dizia que seu reino não era deste mundo. Assim, sentia-se mais como ferramenta de uma “revolução” divina do que propriamente como um general em busca de vitórias e glórias terrenas. Assim também, de certa forma, era Che. Se ele era ambicioso? Podemos dizer que sim, só que sua ambição não era pessoal, mas coletiva. E talvez tenha sido esta a característica que mais me fez admirá-lo.

Ele poderia ter ficado em Cuba, onde já tinha prestígio e poder e onde era amado e respeitado (e – por que não? – temido). Mas não. Preferiu largar tudo e continuar em marcha, mantendo em movimento a engrenagem de seu idealismo. Ele se sentia, como Jesus, uma ferramenta; ao contrário de Fidel, este sim um apaixonado pelo poder. Tanto é verdade, que Che morreu num cafundó da Bolívia, no intuito de “salvar” um povo que nem sequer tinha discernimento pra saber se queria ser salvo, ao passo que Fidel estendeu seu poder, sua soberania, por décadas, com mão de ferro. Tempos depois, mesmo envelhecido e notando sua saúde debilitada, nem assim veria sua sede de poder diminuída, visto que delegou ao irmão o gerenciamento de seu “reino”... bajo su control, por supuesto.

Seria mais ou menos como se – mantendo esse paralelo bíblico – Che fosse Cristo FidelJudas. Pois, da mesma forma como Judas teria traído seu mestre, podemos dizer que Fidel traiu Che ao se perpetuar no poder, usando seu povo como cobaia de suas experiências socialistas e mantendo-o miserável por décadas após o embargo estadunidense. Ou seja, nessa queda de braço entre Fidel e o imperialismo, os cubanos pagaram o rum, digo, o pato... Já Che, após a vitória de seu movimento armado que culminou com a destituição do ditador Fulgencio Batista, estabeleceu um trajeto em direção às entranhas latino-americanas que pode ser visto também (e que os cristãos me perdoem pela heresia) como uma via-crúcis que findaria por levá-lo a seu destino final, La Hoguera, seu Monte Calvário.

Ou seja, o que quero dizer com isso é que, como é sabido que o poder corrompe – mesmo aos mais ferrenhos esquerdistas (e nossos governantes não me deixam mentir) –, é louvável uma figura que é capaz de dar sua própria vida em função de uma causa. Aí reside o busílis. O problema de hoje é que faltam Ches e sobram Fidéis. Nossos "neossocialistas" e demais esquerdistas de plantão se deixaram deslumbrar pelo poder, e o que era pra ser um meio (o ato de governar) virou um fim em si. Daí, o exercício do governo se transformou hoje num balcão de negócios, um toma lá da cá que possibilita que quem esteja lá continue. E então vem aquela pergunta: se é pra ficar tudo sempre nas mãos do PMDB, não dá no mesmo votar em x ou y?

Voltando ao Che, é claro que não me esqueci de uma das características mais criticadas em sua biografia. Antes que os gordurosos direitistas venham me dizer que ele era um assassino e coisa e tal, antecipo-me e digo que, embora eu não aplauda assassinatos, estudando História aprendi que ainda não conseguiram inventar guerras em que as mortes fossem evitadas. Seria muito mais divertido se, por exemplo, em vez de mandarem soldados ao sacrifício como gado ao abatedouro, George Bush (pai, filho ou espírito de porco) e Saddam Hussein entrassem num ringue com luvas de boxe e calção com as cores de suas bandeiras e se espancassem até que um fosse a nocaute; mas, infelizmente, não é assim que funciona a indústria da guerra. Portanto, a equação é simples: não tivesse Che (& cia.) matado, a prole de Fulgencio quiçá ainda estaria fulgenciando por lá.

Um dos exemplos mais marcantes de Che pra mim foi sua perseverança, essa teimosia encardida que o fez seguir adiante contra as próprias manifestações de seu esqueleto, que gemia por cama e água quente. Asmático, estrangeiro, frágil, sensível, ostentando uns ralos e falhos pelos na face em meio a tantos barbudos de aspecto selvagem, ele poderia ter virado um soldado menor, esquecível, ou ainda pego sua trouxa e voltado pra Buenos Aires, onde certamente encontraria trabalho como médico da burguesia. Mas conseguiu transformar todas as suas fraquezas em motivos a mais pra continuar se superando, como se testar seus limites se tratasse de um jogo prazeroso (a propósito, recomendo a quem não viu que veja o belo Diários de Motocicleta, de Walter Salles. Quando vi esse filme, meti nas ideias que queria ser uma espécie de Che da música latino-americana).

Por fim, ele acabou covardemente assassinado, com o copyright estadunidense por trás (aliás, nossos 21 anos de atraso político devemos ao big brother do Norte também). Fidel seguiu, e teve grandes oportunidades pra fazer que a morte do companheiro não tivesse sido em vão, mas sucumbiu ao egocentrismo. Décadas antes, outro grande líder da esquerda, Trótski, já havia sido também assassinado pelo "fogo amigo" de Stálin, o grande responsável pela derrocada comunista. Às vezes fico pensando cá com meus botões em como tudo poderia ter sido diferente se os caras certos tivessem sobrevivido. As lambanças do que hoje chamamos de esquerda só têm feito é aumentar um sentimento reacionário que durante muitos anos hibernou. Hoje me sinto cada vez mais só em minha "esquerdice".

Futuro do mundo, nossos jovens hoje perambulam sem rumo, madrugada adentro, fazendo parte de experiências etílicas e lisérgicas, com seus piercings tribais, suas tatuagens cubistas, seus penteados pastosos, seu visu fashion, ouvindo um roquenrol perfumado, lendo best-sellers, conectados full time ante um simples clique no lóbulo da orelha, muitos deles de braços dados com o Big Wolf pedindo a volta dos militares, livres prisioneiros úteis, contraditórios em sua verborragia uga-uga-tipo-assim, apolos escravos de uma eternidade cada vez mais transitória, contestáveis contestadores, debutantes sem causa... Como uma velha canção já dizia, "a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante". E o mais irônico é que muitos deles são hoje barbudos que saem das academias vestindo uma camiseta com uma estampa de... Che Guevara.


***

4 comentários:

  1. Sim. Saem da academia, com uma camiseta, na frente, estampada com o rosto de Che Guevara, atrás, escrito: Vamos Endireitar o Brasil...OK!
    Com relação aos jovens, sei pouco, pouca convivência, sei lá, se sou eu que estou ficando velha...kkk..(Tô na dúvida, ainda).
    Mas ontem, ouvi uma mãe (conservadora, moradora do Jardim Europa) reclamando que iria à escola do filho, reclamar de um professor que estaria fazendo uma "lavagem cerebral" na cabeça dos alunos, visto que ele, o filho, subvertido, a chamou de "direitista"....rsrsrss...ri, interiormente apenas, e fiquei com uma curiosidade, danada, em saber como estará o discurso deste menino daqui uns quinze anos....enfim.

    Observo muitos solitários, neste lado esquerdo todo, e me pergunto ao que se dá este afastamento? É o sistema? A Intolerância? As decepções? O medo? O tempo, tão largamente comprometido? O cansaço? Sei não.

    Quanto ao texto, ótimo! Adoro essa comparação entre Che e Jesus.
    Tô virando tua fã, já!

    Beijo e sucesso sempre.

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    1. Oi, Vanessa!

      Fico feliz em saber que tá curtindo a prosa.

      Sobre esse papo de "ficar velho/a", quando a gente fica na dúvida é sinal de que já tá ficando. rsrs

      Agora, falando sério, devia haver mais professores como esse aí que tá "esquerdizando" o aluno burguês. Até porque, infelizmente, a maior parcela dos esquerdistas que mudam o mundo ainda vem da burguesia. O pobre, com tantas outras urgências à frente, raramente consegue tempo e estudo suficiente pra torná-lo ao menos um cidadão politicamente atento. o que mais ouço por aí é só perpetuação de lugares-comuns e chavões que saem de bocas como se saíssem de bicos de papagaios. Mas eu prefiro acreditar a desacreditar. As coisas sempre acabam mudando, ou por bem ou por mal.

      Beijos,
      Léo.

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  2. Eu Tb.
    Talvez seja otimista, sei lá. Não sei direito me identificar com rótulos, nomes...
    Acredito em mudanças.
    Nada fica como está para sempre. (clichê, eu sei). Mas é lei. A vida é movimento.

    Curtindo a prosa??????????.....kkkkkkk
    Você nem imagina o quanto eu curto uma prosa.....kkkkk

    beijo

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    1. Somos dois, Vanessa. Sou um cara das palavras... e de palavras. Afinal, elas existem pra ser trocadas; caso contrário, ainda estaríamos falando latim. rs

      Beijos,
      Léo.

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