terça-feira, 17 de março de 2015

Crônicas Desclassificadas: 158) Resumo da ópera-bufa

Tenho amigos que foram pras ruas na sexta, outros que foram no domingo, um chegou a ir em ambas ocasiões; eu, particularmente, preferi acompanhar tudo de longe (nem tão de longe assim, visto que moro e trabalho perto da Paulista), até porque nem quero o impeachment de Dilma nem quero passar a mão em sua cabeça. Ouvi dizer que muita gente recebeu pra ir pras ruas na manifestação de sexta; em compensação, na de domingo, como eu previra, lá estavam os bolsonaros, os gentilis, os lobões, as viúvas da ditadura, a elite branca e um ou outro desinformado se fazendo de senzala pra casa-grande vigente. Ah, havia também muita gente que simplesmente estava cansada de tanta corrupção. Também eu estou, mas, dada a predominância das más companhias, preferi o conforto do lar. Afinal, "dize-me com quem andas"...

Em primeiro lugar, gostaria de excluir por completo o menor senso de inteligência que possa haver em panelaços e buzinaços. Vejamos: se um estudante está em aula e seu professor está lhe ensinando a matéria, o que ele faz? Ouve e procura captar o máximo possível, não é? Se um católico está na missa e o padre faz a homilia, o primeiro escuta atentamente a pregação do segundo, confere? E assim por diante... Pois bem, então, se você critica a presidente, daí ela aparece em cadeia nacional pra lhe dar os devidos esclarecimentos, o que você, cidadão bem-educado, faz? Senta-se em frente à TV e acompanha, não é mesmo? Não? O quê? Nesse momento, você vai pra janela bater panela como um doido varrido ou, se está dirigindo, conduz com uma mão no volante e a outra na buzina? Ah, tá... entendi. Nesse caso, sua atitude fala mais a seu respeito do que a respeito da presidente. Você pertence ao mesmo time daqueles que empunharam um cartaz onde se lia "basta de Paulo Freire".

Panelaços e outras imbecilidades à parte, tratemos da manifestação e de seu caráter "pacífico". Notem que coisa interessante: na maioria das anteriores, houve sérios confrontos entre manifestantes e policiais, com direito a balas de borracha, bombas de efeito moral, gás de pimenta e o diabo a quatro. Nesta, ao contrário, manifestantes tiravam fotos ao lado dos policiais. Por quê? Porque todos ali eram gente de bem, não havia perigo; em vez dos temíveis black blocs promovendo seus tradicionais quebra-quebras, o que se viu foi um mar de bem-comportados, digamos, yellow blocs. Assim, sem muito o que fazer, os "hômis" estavam ali apenas como meros figurantes desse grande desfile, uma espécie de micareta na qual, em vez de música, o que se ouvia eram palavras de ordem.

E a CBF, que tem tantos "patrocinadores", foi justamente quem pareceu patrocinar o evento, tantas eram as camisas da Selecinha Brasileira. A bem da verdade, não foi a única. A Rede Globo – uma espécie de governo paralelo cujo Palácio da Alvorada (Vaticano?) é o Projac –, segundo soube (não me dei ao trabalho de conferir), deu cobertura durante todo o dia, chegando mesmo a, durante sua programação normal, convocar seus telespectadores a irem pra rua, chamando o evento de "grande festa da democracia". Sei, a mesma Globo que foi porta-voz da ditadura agora conclama a população a prestigiar a tal festa da democracia? Aí, tem! Sem falar na Folha de S.Paulo, que disponibilizou o guia completo, pra comodidade de seus leitores. Será que eu entendi errado ou parecia mais uma ida ao Hopi Hari num 12 de outubro qualquer?

Mas não percamos o foco: tratava-se de uma manifestação apartidária. Tanto que o papa Neves apenas deu tchauzinho a seus fiéis da janela de seu apartamento em Ipanema, QG de onde, dizem as más línguas, governou Minas Gerais. E o que comprovou o apartidarismo foi que muitos políticos, como o onipresente Jair Bolsonaro, ao tentar discursar, foram vaiados pela população, que gritava "sem partido!". Talvez tal comportamento explique os inúmeros cartazes de "Fora PT!" e "Fora Dilma!" (sem vírgula) entre outras bolas fora que tenho até medo de citar, pra não repetir 1964. Coisas referentes a Cuba, comunismo, família, militar etc. Uma verdadeira viagem no tempo. Foi um lapso da organização, visto tratar-se de evento apartidário, o esquecimento de nomes como Alckmin, Cunha, Renan e outros calheiros. 

... Certamente isso será corrigido nos episódios seguintes. Não se pode esperar perfeição do piloto da série. Em contrapartida, dona Dilma (visto que a parada tem sido com ela) finalmente se dignou a vir a público reconhecer seus erros, o que, pra um governante, não é pouca coisa. É o momento, pois, de deixá-la trabalhar e tentar pôr em prática suas ideias. Convenhamos que não é nada fácil governar sendo bombardeada de todos os lados. No mais, sabemos que o ódio geral a seu partido não só supervaloriza os aspectos negativos de seu governo, como chega mesmo a enxergar como equívocos os acertos. Pô, a mulher foi reeleita democraticamente há menos de seis meses, há pouco mais de três iniciou seu segundo mandato... Na época em que FHC tentava aos trancos e barrancos terminar o seu, por onde andava a galerinha verde-amarela?

Meus caros, não sejam ingênuos de acreditar que o PT inventou a corrupção. Mais vale serem sinceros consigo próprios. Nesse papo de "fora PT!", a corrupção e o comunismo são desculpas esfarrapadas. Se a turma da estrela quisesse implantar o comunismo em nosso país, nesses 12 anos já teria tido tempo mais que suficiente. O que vocês não suportam, admitam, são os bolsa isso e aquilo, as cotas, o terror de ver a periferia se avizinhando. Deem uma boa olhada na foto acima e me digam se o ódio que reside em seus corações é um sentimento democrático. Pra finalizar, vou dar-lhes um exemplo de convivência e respeito às diferenças. Segunda-feira passada, fui a mais uma noite autoral caiubista e encontrei um amigo compositor que não vê os acontecimentos recentes exatamente por minha ótica. Antes de nos darmos um efusivo abraço, ele não perdeu a oportunidade de satirizar o ódio, e soltou a pérola: "Dá cá esse abraço, de coxinha pra petralha!"

***

7 comentários:

  1. Ah, como invejo a tua disposição, Léo, para a análise fria, objetiva e certeira dos fatos & acontecimentos... Mais uma vez, Parabéns pela Lucidêz... Quanto à nossa massacrada Língua Portuguesa, nesses desfiles de horrores prota-agonizados pelos zumbis esquizofrênicos, eu ainda consigo rir-me um pouco, imaginando o que viria a ser um cartaz escrito "Fora Dilma", sem vírgula, se a competência para tanto (o bem escrever) houvesse ungido as mentes desses analfabetos ruminantes : "Teria sido Dilma... Houvera sido PT..." :-) :-P

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    1. Cava, queridão, escrever também é uma forma de terapia; além do mais, ajuda a concatenar as ideias. Calar, nesse momento, pode nos deixar doentes...

      Beijão,
      Léo.

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  2. onde está o texto que eu escrevi? KKKKK Foi censurado, KKKKKKKKKKKKKKKKK

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  3. Eu havia escrito que gostaria de que minha música saísse como flui seu texto, Queridíssimo Léo Nogueira... E que Tamojunto! Parabéns! Beijo e Luz! SUCESSO SEMPRE!!!

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    1. Eu não censurei, não, Tato! Acho que você, em vez de enviar, excluiu. Hahaha!

      Valeu!

      Beijão,
      Léo.

      PS: Mas sua música flui, sim. Só não flui muito é a parceria, né, que vai a passo de cágado. rsrs

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  4. Ah, Léo! É isso tudo, aí, mesmo! Talvez um pouco mais, ainda.
    Daqui, da janela, não lateral, do quarto de dormir, assisti uma cena de panelaço, que sou obrigada a chamar de machista, porque o grito predominante foi: "Dilma Vagabunda". Meus vizinhos me envergonharam.
    Espero que isso tudo, com o tempo, não se resuma a um belo tiro no pé, e não coloque o PMDB novamente na presidência. Oxi, fantasma que assombra, não?
    Parabéns pelo texto, Léo.
    Beijo

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    1. Valeu, Vanessa!

      Nossos medos andam, como diria o Das Balas, à flor da pele. Espero que em pleno século XXI não retrocedamos novamente. Ainda estamos correndo atrás depois daqueles 21 anos de atraso...

      Beijos,
      Léo.

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