Foi na Sala Funarte, aqui em Sampa. Fui, a convite de Daisy Cordeiro, ver um show de Rafael Alterio e Cristina Saraiva. O convidado de Rafael era o excelente pianista André Mehmari, já Cristina, letrista não-cantora, convidara pra interpretar suas canções uma moça vinda, como ela, do Rio. Uma tal de Clarisse Grova. Tudo ia bem até que essa mulher resolveu abrir a boca. Rapaz, fui acometido por uma série de sensações, todas hiperbólicas. Foi amor à primeira vista. Da plateia, remexia-me no assento, ofegava, enfim, não conseguia crer no que presenciava, arrepiado do couro cabeludo à unha encravada, sonhando em ter um dia aquela voz a serviço de minhas palavras. E pensei: como vivi até hoje sem saber que existe uma cantora assim no Brasil?
1) Marca Registrada (Clarisse Grova - Léo Nogueira)
Findo o show, tive a inusual cara de pau de ir até o camarim, e não foi preciso nem gaguejar, seu olhar encontrou o meu, e ouso dizer que "pintou um clima", rolou uma química, eu era o zangão-poeta pronto pra morrer (viver) de amor e música, e ela, a abelha-rainha do clã das notas afi(n)adas. De repente, soltou: "Mas você também é do ramo, não?". Quando respondi que era letrista, ela me apertou a mão e pediu: "Manda pra mim uma letra. Vamos ser parceiros". Então me disse que, após muitos anos como apenas intérprete, sentira necessidade de usar sua voz a serviço também das próprias canções, então estudara violão e começara a compor. Trocamos e-mails, ela voltou pro Rio, e eu, pro Jabaquara. Já em casa, na mesma noite, enviei-lhe uma letra. O tempo passou e nada de resposta. Nessas horas acabamos caindo na velha armadilha do preconceito. Disse pra mim mesmo: "Tinha que ser carioca! Só tem garganta!". Aproximadamente um mês depois do show, abri meu e-mail e lá estava uma mensagem dela na qual pedia desculpas pela demora e mandava em anexo a gravação de minha letra por ela musicada. Lindamente! Lembro que Adolar estava em casa e também ouviu, admirado, em primeira-mão, o nascimento dessa vitoriosa parceria.
De lá pra cá, foram cerca de 40 canções! E vejam que, quando uma coisa funciona, está acima das distâncias. Encontrei-me pessoalmente com Clarisse pouquíssimas vezes na vida. No entanto, quem ouve pensa que compomos lado a lado, tal a sintonia a que chegamos. Uma canção nossa, em especial, obteve elogios rasgados de Zé Rodrix. Outro Zé, o Edu Camargo, ao ouvi-la, não se conteve e me confessou: "Cara, essa mulher canta com o útero!". A canção em questão chama-se Roma. Há uma longa história a respeito de sua feitura. Um dia conto. O que gostaria de relatar agora é que a ouvi ao vivo pela primeira vez certa ocasião, interpretada pela própria Clarisse, no Rio, numa casa chamada Panorama, então uma espécie de Caiubi carioca. Aliás, ouvimos, Kana estava comigo e foi testemunha de que o que se passou comigo ali, naquela casa, naquela noite, foi algo muito próximo do êxtase. Meu ego de compositor raras vezes se sentiu tão massageado. Vi a plateia (sobretudo a feminina) cantando com ela, a plenos pulmões "Eu desejava ter um Nero/ E que pra ele eu fosse Roma". Nessa mesma noite conheci Marianna Leporace, que aniversariava, e mais muita gente boa da M-Música. E, pra torná-la perfeita, Clarisse me apresentou a Tavito, que me deu o primeiro de seus muitos largos abraços e, ao pé do ouvido, disse-me: "Léo Nogueira, sou seu fã!". Ainda bem que o homem era forte e o abraço, idem, pois por uma fração de segundo senti que o chão me escapulia dos pés. Como diria Rondon, "é felicidade demais"!
2) Um Outro Fado (Clarisse Grova - Paulo César Feital)
2) Um Outro Fado (Clarisse Grova - Paulo César Feital)
Super Lisa
A voz de Clarisse me inspirou a escrever muitas letras, como poderei dizer?, buarqueanas. Ou seja, com o eu lírico feminino. O já citado Zé Edu, ao ouvir Hiroshima, uma de minhas parcerias com La Grova que mais têm agradado, escreveu um e-mail na tribuna do Caiubi que guardo carinhosamente até hoje (e que pode servir de prova contra ele) no qual deu o seguinte depoimento, um tanto exagerado pelo calor do momento: "Cheguei a uma conclusão: Hiroshima, de Léo Nogueira e Clarisse Grova, é a melhor música já feita desde a criação do universo".
Com minha mania de agregar, acabei apresentando Clarisse a muitos belos parceiros, como Lúcia Santos, Adolar Marin, Lis Rodrigues, Marcio Policastro e Élio Camalle. Com este, compusemos Coragem, canção que dá título a seu primeiro disco inteiramente autoral, em fase de finalização. Fase BEM BAIANA de finalização, acrescento. Com toda a calma do mundo. Termina aí, Clarisse, pô!
Mas Clarisse é muito mais. Tem uma longa carreira, sua voz já esteve a serviço da nata da música brasileira, tanto nos palcos como em discos. Além disso, gravou seu primeiro disco (um LP!) pela EMI-Odeon com arranjos de um tal de César Camargo Mariano, que ninguém conhece, e chegou mesmo a gravar um CD com canções dos novatos Cristóvão Bastos e Aldir Blanc a convite deles, CD este que ganhou elogios de meio mundo. Com o compositor Felipe Radicetti gravou um CD em dupla chamado SuperLisa, lançado até no Japão por nosso amigo Vasco Debritto. Ruy Castro, por exemplo, inexperiente jornalista e pesquisador musical que escreveu só uma meia dúzia de livros sobre música brasileira, arrematou: "Uma das últimas cantoras puras do Brasil".
Tenho que confessar que, se tivesse tido tempo ou curiosidade pra pesquisar a seu respeito antes de dar o primeiro passo em sua direção naquela noite, as pernas teriam pesado mais e cada passo a frente teria sido acompanhado de dois atrás num um-pra-lá-dois-pra-cá capenga, fosse eu um bêbado com chapéu-coco como o daquela canção. Graças a Deus, minha ignorância me salvou. E sua simpatia. Uma artista com esse curriculum vitae… tornar-se parceira fiel (quase) de um cara da plateia não é todo dia que acontece. Nem em todo show. Quando penso naquela noite e em sua postura, fico pensando em como no meio artístico atual sobram Marias e faltam Clarisses... no solo do Brasil, meu Brasil.
Uma das maiores cantoras desse país! Sou fã, incondicionalmente!!!! Grande compositora, mestra na arte de doar arte!! Salve Clarisse! A primeira vez que a ouvi de verdade foi num "Premio Visa" e sinceramente, ela era, pra mim, a intérprete daquele ano!!
ResponderExcluirClarisse é a intérprete de todos os anos, de uma vida inteira! Bj.
ResponderExcluirÁlvaro
Clarisse é realmente maravilhosa! Cantando com o útero, tocando com uma vontade que dá gosto (não é todo violonista que dá gosto de ver tocar, por melhor que toque - e é isto, e não o virtuosismo, que me admira) e sobretudo compondo! Por que essa mulher "perdeu" tanto tempo sem saber que podia compor tão bem? E o "casamento" de vocês, como letrista e melodista, é perfeito! Vida longa a esta parceria!
ResponderExcluirAdorei o texto, Léo!!! À altura da nossa diva!
Beijão!
Léo, meu parceiríssimo... que presente maravilhoso. É verdade, "Coragem" está chegando com muito cuidado, afinal... há que se atravessar receios e medos. Estarei inteirinha na chegada e sei que a cada dia sou mais feliz com minhas conquistas. Bendita aquela "ignorância" que nos faz crescer. Obrigada, meu Parceiro.
ResponderExcluirLéo Nogueira e Clarisse Grova? Só pode dar certo. Bendita seja essa parceria! Que soma, expande e presenteia a todos nós.
ResponderExcluirBeijo grande
Daisy, Álvaro, Danny, Rita, obrigado pelo carinho de sempre, tanto comigo quanto com meus homenageados.
ResponderExcluirClarisse, parceiríssima: vá com todo o cuidado que achar necessário. Sei que, no final, a Coragem será de todos nós.
Beijão do
Léo.
Leo,
ResponderExcluirClarisse (que finalmente conheci ao vivo e a cores no primeiro semestre, no Diagonal - Rio) é hoje em dia meu modelo... e olha que passei muito tempo me sentindo órfã da Elis. Catei todas as músicas que devem existir com ela na internet, além de ter todos os discos. Estou esperando esse aí, que deve vir divino. Bendita parceria!
Beijo,
Gabriela Brabo
Olá, Gabi! Bom te ler por aqui!
ResponderExcluirCom Clarisse, como frisei no texto, devo ter umas 40, se quiser ouvir, me avise. E digo mais, a compositora não deve nada à cantora. Aguardemos essa "Coragem" que não chega! Hehe!
Beijão do
Léo.