2006
JUNHO
OITAVO DIA
Domingo, 25.
Hoje vivemos momentos dramáticos, dignos de roteiro de filme sul-americano. Vamos a eles:
JUNHO
OITAVO DIA
Domingo, 25.
Hoje vivemos momentos dramáticos, dignos de roteiro de filme sul-americano. Vamos a eles:
Começamos o dia, como diriam os supersticiosos, com o pé esquerdo. Pensamos que o café da manhã era até as 10h, como sempre acontece, dessa forma, chegamos às 9h35, porém, era até as 9h30, então já estavam retirando tudo. Deixaram-nos, contudo, entrar, mas não havia pratos, xícaras, ninguém nos atendia, finalmente Kana reclamou a um garçom, e uma funcionária da recepção, que nos havia recebido gentilmente no dia anterior, levantou-se e nos disse, em espanhol e a toda velocidade, que isso e que aquilo. Não acreditamos que uma funcionária pudesse se dirigir dessa forma a um cliente. Desistimos de comer, arrumamos nossas malas e fomos a outro hotel, o Hotel Casagranda, bem no centro da cidade. Um hotel, diga-se de passagem, bem melhor que o outro, de ruim apenas a falta de piscina.
Instalados, saímos pra almoçar. Pra variar, já de saída fomos abordados por um negro muito bem vestido, que nos ofereceu serviço de táxi. Recusamos e continuamos nosso caminho. Porém, meu boné, com a bandeira do Brasil, depôs contra mim. “Hola, amigo, ¿usted es de Brasil?”. Quando pensamos que não, onde quer que fôssemos, em que rua entrássemos, lá estava o camarada, servindo-nos de guia contra nossa vontade. Vou lhes dizer uma coisa, o sujeito tinha lábia. Era de uma gentileza encantadora, o que foi me deixando com uma orelha em pé. Em Cuba, ninguém aborda ninguém sem um interesse claro: dinheiro. Já vivemos algo parecido em Salvador-BA, mas aqui a situação se acentua, pois, dada a falta de expectativa com relação ao futuro, este se resume a hoje: comer hoje, beber hoje, bailar hoje, dormir hoje. O camarada se apresentou como Macumba (nome fictício, obviamente, dito após saber sermos nós do Brasil), apontou-nos onde fazer isso e onde fazer aquilo. Percebi que Kana, sempre tão armada, foi-se pondo à vontade com ele, e, enquanto eu cismava, dizia-me em japonês “daijoubu”, que quer dizer tudo bem. E o sujeito era de uma persistência nunca vista por mim, quando estávamos resolvidos a nos separar dele, alegamos que não havíamos tomado o café da manhã e que estávamos com fome, mas o sujeito disparou “¿Donde van a comer?”. Dissemos que queríamos andar e comparar. Ele foi liso, explicou preços e cardápios dos restaurantes da região e disse que estes todos eram estatais, ao passo que os particulares tinham as melhores comidas pelo melhor preço. E nos disse que, se quiséssemos, nos levaria ao Paladar. Ontem já havíamos ouvido esse nome de um outro sujeito, e a curiosidade de Kana por fim venceu a vontade de se desvencilhar dele. Seu argumento foi imbatível, disse-nos que, devido ao embargo dos EUA, o trabalhador ganha entre dez e cinquenta dólares por mês, o que mal dá pra comer. Então os cubanos aprendem a tirar dinheiro de outras fontes. Disse-nos que, se o deixássemos nos levar até o Paladar, ele receberia do dono do estabelecimento duas latas de óleo e um sabão. Então entendemos porque sempre há nos arredores dos restaurantes pessoas prontas a levar os turístas até eles. Kana se penalizou (e eu também, admito) e deixou-o nos levar. Continuou ele a falar, disse-nos que seu irmão era médico e que havia fugido num pequeno barco até Porto Rico e que de lá imigrara pros EUA, onde trabalhava hoje exercendo sua profissão, mas com remuneração muito melhor. Contou-nos muitas histórias, e, quando o abordei sobre política, a resposta foi exatamente a mesma de Manuel, “Homem, pra quê falar de política? A política é o mal da humanidade, que gera as guerras e a miséria. Pra mim só há uma certeza: vamos morrer. Então, nada mais me importa além de comer, beber, dançar, fazer sexo e dormir”. Foi uma resposta interessante, vinda de uma pessoa em tais condições. Ainda tentei lhe perguntar o que aconteceria quando Fidel morresse, mas ele rebateu que se fala muito sobre o futuro, há muito blablablá, mas a única certeza é o hoje. Pensar no amanhã é um gasto de energia inútil. Arrematou dizendo que todo presidente tem família e que, naturalmente, pensa primeiro em sua família e que o país não tem importância pra ele. Sendo assim, nós temos que pensar primeiro em nossas famílias e não darmos importância à política. Dizia-nos isto enquanto nos levava ao Paladar. Kana lhe perguntou por que Santiago era mais limpa que Havana, e ele respondeu sem pestanejar que o povo de Havana é muito porco, tem o pensamento capitalista, não pensa em gentileza e sim em resultado ($). Disse-nos também que as mulheres cubanas são problema, porque não querem se casar com os cubanos, querem apenas atacar os turistas, pois é a forma mais fácil de ganhar dinheiro e, quem sabe, sair do país. Pelo que pude entender, há dois tipos de pessoas aqui, as conformadas, como ele, que pensam nos prazeres comezinhos que podem tirar do dia-a-dia; e as ambiciosas, que, neste caso, direcionam sua ambição a portos estrangeiros.
Finalmente chegamos a uma casa. Sim, uma casa. Na sala havia um bebê num carrinho e uma outra criança, um pouco maior, sentada no chão, a seu lado. Passamos por um corredor, onde uma mulher estendia roupa, e entramos em outro cômodo, onde havia apenas uma mesa redonda, com quatro cadeiras, e um aparelho de som. Macumba nos disse, “Se vocês vêm a Cuba, têm que comer como os cubanos comem, nada de hotel ou restaurante caro, aqui há a verdadeira comida cubana, a verdadeira música cubana (ligou o som e pusemo-nos a ouvir um CD de salsa), a verdadeira hospitalidade cubana”. Um senhor branco, de bigode, apareceu e apresentou-se como o dono do estabelecimento; disse-nos o que havia pra comer, escolhemos camarão ao molho, salada e duas cervejas. Kana indagou sobre preço, e eles responderam “No problema, no problema”. Lembrem-se, se vierem aqui e alguém lhes falar “No problema”, é problema na certa. Trouxeram-nos salada e cerveja, e fomo-nos pondo cada vez mais à vontade. A casa até que era jeitosa, limpa, diria de bom gosto para os padrões locais. Macumba nos pediu um minuto, saiu e voltou com um amigo, este sim tinha escrito no rosto “malandro”. Lembrou-me um traficante carioca. Pôs-se a papagaiar sobre futebol, Ronaldo, Ronaldinho, enfim, que o Brasil ia ser campeão, aquela farofada toda. Saiu e voltou com várias caixas de charuto e uma garrafa de rum. Macumba nos explicou que os funcionários das fábricas de rum e charuto recebem por mês duas caixas de charuto e duas garrafas de rum respectivamente. Antes do embargo americano, eles desfrutavam do rum e do charuto, mas, agora, a maioria preferia negociá-los e com o dinheiro equilibrar o orçamento mensal da família. Já nos haviam dito que, embora mais caro, era mais seguro comprar rum, café e charuto em casas oficiais, que nos davam um recibo, sem o qual tudo nos seria tomado no aeroporto, sob acusação de contrabando. Isso acima de duas garrafas e duas caixas por pessoa. Macumba e seu amigo sabiam disso, disseram-nos pra levar a quantidade limite, mostraram-nos o selo de garantia da fábrica (no caso das caixas de charuto, aqui chamado puro), qual charuto fumava Che, qual fumava Fidel (este não fuma mais… Aliás, o outro também), enfim Kana disse que não fumamos e que não tínhamos interesse. Sempre teimoso, Macumba nos disse que era um bom negócio comprarmos e revendermos no Brasil, ao que respondemos que não nos seria lucrativo, já que a moeda brasileira tem menor valor, e além disso nos despenderia tempo. Nesse momento chegou a comida. Meu estômago soltou fogos de artifício em comemoração. Kana quis saber o preço, mas “No problema, no problema”. Ela exigiu, se não soubesse o preço, não comeria. O dono do estabelecimento nos disse que, tudo incluído, bebida, salada e almoço, ficaria em quinze dólares por pessoa. Nesse momento gelei. Em qualquer restaurante da região paga-se em média oito pesos convertíveis por refeição. Se lá era mais barato, esperávamos pagar uns cinco. Estávamos dispostos até a pagar a refeição de Macumba, mas… quinze? Kana levantou-se gritando que era um roubo, que ia chamar a polícia, que todo mundo era ladrão, e começou a gritar, chorar e soluçar. Perguntou por que ninguém nos deixava em paz, por que todos nos abordavam com mentiras e daí por diante. Levantou-se e me pediu pra irmos embora. Nesse momento, o malandro dos charutos já tinha dado no pé. O dono da casa, antes do choro de Kana ainda tentou argumentar que seu preço era justo, que a comida era boa e tudo estava incluído, mas a alteração de Kana era tamanha que ele se calou. Macumba pôs-se a consolar Kana, com toda aquela malemolência baiana, acariciando seu rosto, abraçando-a e dizendo “Tranquila, tranquila”. A esposa do proprietário também apareceu, preocupada, pediu pra Kana que se sentasse, que estava tudo bem, que podíamos pagar mais barato… Por fim nos disseram que por 28 pesos podíamos comer tudo. Raciocinei que já estava ficando tarde, íamos ter uma dor de cabeça danada pra sair dali, procurar outro restaurante, com Macumba em nosso encalço, então desfechei que não pagaríamos mais que vinte, que era a média do que vínhamos pagando. Aceitaram na hora. Pedi um minuto a sós com Kana, mostrei-lhe a inutilidade de sair dali de mal com aquelas pessoas, que a mesa já estava posta, que teríamos que sair dali e andar até outro restaurante e os demais et ceteras. Kana aceitou, disse que já tinha gritado e chorado e agora já estava calma.
A bem da verdade, a comida estava muito boa. A fama fazia jus. Ao final, o dono, todo encabulado, ofereceu-nos um café, fez questão de dizer que era por conta da casa, e trouxe-nos antes de dizermos não. Também nós, por nossa parte, não queríamos mal-estar desnecessário. Parecia que tudo ia acabar razoavelmente dentro da paz, mas eis que Kana percebe que ele, estrategicamente lhe servira café numa xícara de asa quebrada. Ficou furiosa. Tentei trocar de xícara, mas ela não aceitou. Aqui entra o senso japonês. Achou que ele estava, de uma forma muda, vingando-se. Geralmente ela sempre põe uma colher de açúcar, porém, desta vez, tomou metade do café, puro. Eu também tomei o meu. Pagamos e saímos, ainda com Macumba se lastimando, junto a nós. O dono não se dignou pedir mais desculpas, agora que estava com o dinheiro no bolso. Dinheiro que, diga-se de passagem, a maioria dos cubanos têm que trabalhar duas semanas pra conseguir.
Finalmente chegamos a uma casa. Sim, uma casa. Na sala havia um bebê num carrinho e uma outra criança, um pouco maior, sentada no chão, a seu lado. Passamos por um corredor, onde uma mulher estendia roupa, e entramos em outro cômodo, onde havia apenas uma mesa redonda, com quatro cadeiras, e um aparelho de som. Macumba nos disse, “Se vocês vêm a Cuba, têm que comer como os cubanos comem, nada de hotel ou restaurante caro, aqui há a verdadeira comida cubana, a verdadeira música cubana (ligou o som e pusemo-nos a ouvir um CD de salsa), a verdadeira hospitalidade cubana”. Um senhor branco, de bigode, apareceu e apresentou-se como o dono do estabelecimento; disse-nos o que havia pra comer, escolhemos camarão ao molho, salada e duas cervejas. Kana indagou sobre preço, e eles responderam “No problema, no problema”. Lembrem-se, se vierem aqui e alguém lhes falar “No problema”, é problema na certa. Trouxeram-nos salada e cerveja, e fomo-nos pondo cada vez mais à vontade. A casa até que era jeitosa, limpa, diria de bom gosto para os padrões locais. Macumba nos pediu um minuto, saiu e voltou com um amigo, este sim tinha escrito no rosto “malandro”. Lembrou-me um traficante carioca. Pôs-se a papagaiar sobre futebol, Ronaldo, Ronaldinho, enfim, que o Brasil ia ser campeão, aquela farofada toda. Saiu e voltou com várias caixas de charuto e uma garrafa de rum. Macumba nos explicou que os funcionários das fábricas de rum e charuto recebem por mês duas caixas de charuto e duas garrafas de rum respectivamente. Antes do embargo americano, eles desfrutavam do rum e do charuto, mas, agora, a maioria preferia negociá-los e com o dinheiro equilibrar o orçamento mensal da família. Já nos haviam dito que, embora mais caro, era mais seguro comprar rum, café e charuto em casas oficiais, que nos davam um recibo, sem o qual tudo nos seria tomado no aeroporto, sob acusação de contrabando. Isso acima de duas garrafas e duas caixas por pessoa. Macumba e seu amigo sabiam disso, disseram-nos pra levar a quantidade limite, mostraram-nos o selo de garantia da fábrica (no caso das caixas de charuto, aqui chamado puro), qual charuto fumava Che, qual fumava Fidel (este não fuma mais… Aliás, o outro também), enfim Kana disse que não fumamos e que não tínhamos interesse. Sempre teimoso, Macumba nos disse que era um bom negócio comprarmos e revendermos no Brasil, ao que respondemos que não nos seria lucrativo, já que a moeda brasileira tem menor valor, e além disso nos despenderia tempo. Nesse momento chegou a comida. Meu estômago soltou fogos de artifício em comemoração. Kana quis saber o preço, mas “No problema, no problema”. Ela exigiu, se não soubesse o preço, não comeria. O dono do estabelecimento nos disse que, tudo incluído, bebida, salada e almoço, ficaria em quinze dólares por pessoa. Nesse momento gelei. Em qualquer restaurante da região paga-se em média oito pesos convertíveis por refeição. Se lá era mais barato, esperávamos pagar uns cinco. Estávamos dispostos até a pagar a refeição de Macumba, mas… quinze? Kana levantou-se gritando que era um roubo, que ia chamar a polícia, que todo mundo era ladrão, e começou a gritar, chorar e soluçar. Perguntou por que ninguém nos deixava em paz, por que todos nos abordavam com mentiras e daí por diante. Levantou-se e me pediu pra irmos embora. Nesse momento, o malandro dos charutos já tinha dado no pé. O dono da casa, antes do choro de Kana ainda tentou argumentar que seu preço era justo, que a comida era boa e tudo estava incluído, mas a alteração de Kana era tamanha que ele se calou. Macumba pôs-se a consolar Kana, com toda aquela malemolência baiana, acariciando seu rosto, abraçando-a e dizendo “Tranquila, tranquila”. A esposa do proprietário também apareceu, preocupada, pediu pra Kana que se sentasse, que estava tudo bem, que podíamos pagar mais barato… Por fim nos disseram que por 28 pesos podíamos comer tudo. Raciocinei que já estava ficando tarde, íamos ter uma dor de cabeça danada pra sair dali, procurar outro restaurante, com Macumba em nosso encalço, então desfechei que não pagaríamos mais que vinte, que era a média do que vínhamos pagando. Aceitaram na hora. Pedi um minuto a sós com Kana, mostrei-lhe a inutilidade de sair dali de mal com aquelas pessoas, que a mesa já estava posta, que teríamos que sair dali e andar até outro restaurante e os demais et ceteras. Kana aceitou, disse que já tinha gritado e chorado e agora já estava calma.
A bem da verdade, a comida estava muito boa. A fama fazia jus. Ao final, o dono, todo encabulado, ofereceu-nos um café, fez questão de dizer que era por conta da casa, e trouxe-nos antes de dizermos não. Também nós, por nossa parte, não queríamos mal-estar desnecessário. Parecia que tudo ia acabar razoavelmente dentro da paz, mas eis que Kana percebe que ele, estrategicamente lhe servira café numa xícara de asa quebrada. Ficou furiosa. Tentei trocar de xícara, mas ela não aceitou. Aqui entra o senso japonês. Achou que ele estava, de uma forma muda, vingando-se. Geralmente ela sempre põe uma colher de açúcar, porém, desta vez, tomou metade do café, puro. Eu também tomei o meu. Pagamos e saímos, ainda com Macumba se lastimando, junto a nós. O dono não se dignou pedir mais desculpas, agora que estava com o dinheiro no bolso. Dinheiro que, diga-se de passagem, a maioria dos cubanos têm que trabalhar duas semanas pra conseguir.
Finalmente conseguimos nos livrar de Macumba, agradecendo-lhe e eximindo-o de culpa (pra nos vermos livres dele o mais rápido possível). Dissemo-lhe que queríamos voltar ao hotel, pra descansarmos um pouco. Não andamos duzentos metros, lá estava ele, o indefectível Macumba, abraçando-nos pelas costas com sua palavra preferida “positivo, positivo”. Esqueci de dizer, pra classificar qualquer coisa ou pessoa, dizia ele sempre “positivo”. “Ustedes son de Brasil, Brasil es un país muy positivo”, “La gente de Santiago de Cuba es más positiva que la gente de Habana”, “Las muchachas de Cuba non son muy positivas, solo piensan en dinero”, e por aí ia em seus positivismos. Um camarada muito positivo… Aliás, teimoso. Não me lembro de ter encontrado antes no reino animal pessoa tão teimosa. Acompanhou-nos novamente, sempre se mostrando gentil, dizendo que o dono daquela casa só pensava em dinheiro, não era um camarada muito “positivo”. Perguntei-lhe se, sabendo ele disso, por que tinha nos levado lá. Ao que ele, sempre sem perder a lábia, nos disse que geralmente levava lá alemães, franceses, italianos, pessoas que têm muito euro e pra quem 15 pesos é barato. E ficou furioso porque o dono do estabelecimento não via diferença entre turistas da América do Sul e turistas da Europa. Lastimou-se mais uma vez e continuou nos explicando muitas coisas, até voltarmos ao hotel. Quando o havíamos encontrado, Kana lhe oferecera um sabonete, agora, depois de toda essa confusão, Macumba ainda teve a picardia de lembrá-la de que sempre ele ficava ali, à direita do hotel, com seu táxi (de placa amarela), e que, se ela se lembrasse, podia lhe presentear o sabonete prometido, que ele aceitaria de bom grado.
Que figura esse Macumba! Realmente um personagem de livros de Jorge Amado.
Deu-se que, após um pequeno descanso no hotel, saímos de novo, e Kana queixou-se de fortes dores de estômago. Ao passo que caminhávamos, as dores foram aumentando, a ponto de termos que voltar ao hotel. Voltamos, ela se trancou por uns minutos no banheiro, deitou, mas as dores continuaram. Alegou ânsia de vômito, sentiu muito frio. Deitei-me com ela e tentei lhe aquecer o corpo e fazê-la dormir um pouco. Lembrei-lhe de que duas noites antes não havíamos dormido e ela podia estar apenas cansada, ao que ela lembrou da bendida asa da xícara. “Ele pôs veneno no café, Léo. Com certeza!” “Também tomei o café, Kana.” “Então ele pôs veneno na xícara. Por isso que eu não pus açúcar nem mexi.” “Então, por que tomou?”… “Ai, ai, ai, meu estômago!”
Depois de várias idas ao banheiro, Kana escutou música embaixo e resolveu descer pra ouvir. Disse-lhe que desceria em cinco minutos e estou aqui terminando este relato. São 19h15, dia claro.
***
Esqueci de falar que há alguns dias consegui encontrar um jornal. É um jornal oficial do governo, imaginem! Entre as parcas notícias, uma foto de Bush enfiando o dedo no nariz; impropérios contra os EUA (a maioria merecidos, admito); um artigo lembrando que os soldados comunistas da Rússia foram os primeiros a derrotar um exército de Hitler; muitas obras de Fidel; uma reportagem ínfima sobre a Copa do Mundo; nada de caderno cultural, com agenda de shows, cinema, teatro, nada. Parecia um jornalzinho da CUT. Pensei no perigo de uma única fonte de informação. A TV estatal também é igual, notícias parciais; generais sempre falando incansavelmente sobre a importância do comunismo; porém há muito programa instrutivo, tenho que concordar, inclusive parece uma TV Cultura dos bons tempos. Mas, vejam, passei uma vista de olhos, não fiquei atento acompanhando a programação.
Os cinco minutos que pedi a Kana fizeram-se quinze. Me voy.
***
Fomos até o terraço. Há uma vista maravilhosa, vê-se praticamente todo o centro e sua arquitetura peculiar. Prédios grandes, só dois, provavelmente hotéis.
***
22h10. Não jantamos nem saímos à noite, pela primeira vez. Kana dorme e acorda pra ir ao banheiro. Tem um pouco de febre. Estou preocupado, pois pra um turista ficar doente aqui não deve ser nada agradável. Sinto fome mas não vou sair deixando-a desse jeito. Menti-lhe que também estava um pouco mal do estômago, pra fazer-lhe companhia. Trouxe uns exercícios do meu curso de japonês, e hoje me sobrou um tempinho pra fazer. Não sinto sono. Vou aproveitar pra retomar o Saramago.
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário