segunda-feira, 22 de julho de 2019

Minhas Top5: 4) Aos pés de João Gilberto

Pense num cabra brega, cafona, de mau gosto etc.: como diria Roberto Carlos, esse cara sou eu! Passei toda a infância (até a adolescência) ouvindo os tais artistas cafonas. Inclusive, em breve pretendo escrever sobre eles; só que agora nosso grande "papa" resolveu desencarnar, o magnífico e revolucionário João Gilberto, daí me vi obrigado a escrever antes sobre ele. Não será a primeira vez em meu blogue; há seis anos a não menos querida e saudosa Luhli, a pedido meu, escreveu lindamente sobre o maravilhoso Chega de Saudade, disco divisor de águas que em 1969 nosso Joãozinho gravou (leia aqui) —, e pouco tempo depois o não menos querido Dhenni Santos também versou em prosa sobre ele (aqui). E eis que agora chegou também minha vez de joão-gilbertear(te).

Pra ser bem sincero, embora não me faltasse vontade jamais vi um show de nosso João maior. E, pra ser mais sincero ainda, ele representou pra mim uma paixão tardia. Como bom amante do brega, sempre tive um pé atrás em relação à bossa nova, que só passei a ouvir com mais regularidade após os (como diria Fábio Jr.) 20 e poucos anos. Antes disso, Chega de Saudade, Garota de Ipanema, Wave, Desafinado & cia. não passavam pra mim de canções alienígenas. E é aí que ter me casado com quem me casei (a japa Kana) fez toda a diferença, pois foi influenciado por ela que passei a ouvir (incorporar?) — ainda que tardiamente — os grandes clássicos da bossa nova, a maioria deles na voz of the big John, the Gilbert.

Não, pera! Puxando pela memória, lembrei que certo dia, a long time ago, e pra desencargo de consciência, vi numa loja de discos — e a preço acessível — um LP duplo de João Gilberto que acabei comprando. Tratava-se de uma dessas tantas coleções, acho que esta era O Talento de João Gilberto. Confesso que o ouvi várias vezes com uma vontade danada de gostar. Inclusive, algumas me agradaram bastante, mas sinceramente essa bossinha boba de Bim Bom, O Pato, Hô-Bá-Lá-Lá, O Barquinho (desta até gosto da melodia) e outras do mesmo naipe nunca me desceu, como a famigerada Samba de Verão (que acho que ele nunca gravou), da qual eu já não gostava, mas que depois de ouvir nas vozes cheias de sotaque de algumas japonesas passou a me causar verdadeira ojeriza. Enfim, eu não estava pronto pra bossa... ainda. Só a assimilei anos depois, quando eu mesmo adquiri certa bossa (pero no mucha).

E é agora que decidi — novamente: ainda que tardiamente — deixar aqui registradas minhas preferidas na voz do inimitável João. Antes, entretanto, preciso dizer que nem só de sorte vive o homem; contou-me Ruy Castro em seu maravilhoso Chega de Saudade que João, que ficou famoso como um baiano de voz sussurrante, havia começado a carreira de cantor explorando — como todos em sua época — um vozeirão que Deus lhe havia dado em começos da década de 1950, como integrante do grupo vocal Garotos da Lua. Só que, dois anos depois, acabou sendo despedido do grupo. Foi então que resolveu se dedicar ao estudo do que viria a revolucionar futuramente a música brasileira, que seria sua técnica que mesclava o tradicional samba com o gringo jazz. O resto é lenda, e não sou a melhor pessoa a tratar — pela milésima vez — disso. Em contrapartida, escolhi tratar de minhas "top5" joão-gilbertianas, ainda que tardiamente. Saravá, João!


5) MANHÃ DE CARNAVAL

Considero esta uma das mais lindas canções brasileiras já compostas. A melodia por si só já tem o dom de conseguir me levar às lágrimas, que jorram tão espontaneamente que me fazem crer que é uma dessas que nem precisam de letra pra emocionar; contudo, a letra casa tão "carnalmente" com a melodia que transforma o já emocionante em algo verdadeiramente ímpar. Só o mais bruto dos corações não se emocionaria com ela. E na voz de João... ah... aí é covardia!



Manhã de Carnaval
Luiz BonfáAntônio Maria



4) ESTATE

Amo a música italiana desde meus 16 anos. E essa versão de João Gilberto pra Estate (verão) é "foderosa". Apesar de seu sotaque... ou talvez por ele mesmo. O que me faz pensar em algo que considero muito charmoso nesse precioso jogo de xadrez musical entre os gênios: Roberto Carlos começou sua carreira discográfica imitando João Gilberto. Tempos depois, derrotado por não pertencer à "tchurma", acabou virando o Rei da canção romântica brasileira. Entretanto, ainda no auge da Jovem Guarda, abocanhou o primeiro lugar no prestigioso Festival de San Remo, na Itália, em 1968, interpretando joão-gilbertamente a belíssima Canzone Per Te (Sergio EndrigoSergio Bardotti), enquanto os demais concorrentes se esgoelavam pra interpretar as outras canções. Assim que, quase uma década depois, podemos dizer que foi a vez de João Gilberto, ao gravar Estate, "imitar" Roberto Carlos. Mas havemos de convir que nessas questões entre clero e monarquia não devemos meter nossa plebeia colher.

Estate
Bruno Martino – Bruno Brighetti

3) O SAMBA DA MINHA TERRA

O surgimento da bossa nova relegou ao ostracismo muitos artistas até então (fins da década de 1950) populares, desde os (cheios de gogó) cantores de bolero, como Nelson Gonçalves, até os da vertente nordestina, como Luiz Gonzaga, passando por toda a turma do samba tradicional, artistas que não se viram representados por aqueles "mauricinhos" que despontavam bronzeados e cheios de testosterona. Entretanto, João Gilberto, que nunca se misturou de verdade com esses "surfistinhas", sempre procurou mostrar nas escolhas de seu repertório que a grandeza da música brasileira ia além de bairrismos ou modernismos. Escolhi pra este honrado terceiro lugar O Samba da Minha Terra, do velho Caymmi, mas podemos considerar um empate técnico entre esta e Saudade da Bahia, igualmente linda — & caymmiana.

O Samba da Minha Terra
Dorival Caymmi


2) PRA QUE DISCUTIR COM MADAME?

Quase botava neste segundo lugar Me Chama, de Lobão, tal tem sido meu embaralhamento afetivo em se tratando de João Gilberto. O que me fez mudar de ideia foi um fator determinante: enquanto escrevia estas maltraçadas, passei noites seguidas ouvindo o repertório de JG, e em certa madrugada fui despertado por sua interpretação deste clássico que é, sem dúvida nenhuma, entre tantos patos e bim-bons, um de seus momentos mais contestadores. Assim que eu, que adoro uma contestação, e além do mais adoro também essa canção, resolvi desbancar o neodireitista Lobão e deixar o pódio pra uma canção mais merecedora. E sobretudo por sua deliciosa ironia, tão irmã gêmea da minha.

Pra que Discutir com Madame?
Janet de AlmeidaHaroldo Barbosa

1) AOS PÉS DA CRUZ

Como frisei acima, a bossa nova, burguesa e carioca, veio preconceituosamente acabar com tudo o que fazia sucesso antes dela, como os boleros e os sambas-canções das décadas anteriores. Entretanto, João Gilberto, que nem era burguês nem carioca, foi o maior responsável por resgatar grandes sucessos dos anos anteriores à nova bossa. O que prova que a maior revolução da música brasileira sempre esteve ligada à tradição, de Noel Rosa a Chico Buarque, passando por Marcelo D2 e Chico Science. Ou seja, nada nasce do nada, tudo se reinventa. E, pra terminar e justificar o primeiro lugar, esta foi a canção de que mais gostei naquele cebolão duplo que comprei lá se vão umas boas décadas. Detalhe: quando JG o gravou, já tinha também mais de uma década — fora gravado originalmente por outro bamba, Orlando Silva. E tenho dito! Pelo não dito...

Aos Pés da Cruz
Marino Pinto Zé da Zilda

PS: Em se tratando de João Gilberto, essas cinco acima são meramente (como aquele famoso ex-vice de Dilma) decorativas, pois, numa psicodélica gangorra joão-gilbertiana bossa-novista, haveria um punhado de outras canções que poderiam ter sido escolhidas pra estar aqui no lugar destas. O que teve maior peso nessa balança foi a intenção de evitar o óbvio. Bim bom!

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Minhas Top5; todas:



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2 comentários:

  1. Léo, gostei de suas escolhas e o auto-reconhecimento de não domínio da obra do João, nem porque ele é chamado de gênio. Acho legal isto pois vai por sua intuição musical. Assim, considero que ter Manhã de Carnaval e Aos Pés da Cruz como resquício da musicalidade mais aberta, o tipo de melodia praticada nos românticos e brega.
    Estate é uma música que não pode faltar, nunca! Com sotaque ou sem sotaque, é indiscutivelmente uma das mais belas interpretações para esta canção maravilhosa!
    Pra quê discutir com Madame é o ponto mais certeiro da estética joãogilberteana: o trabalho harmônico, melódico e rítmico em que ele manda ver de todas as formas. Sempre sintetizou, pra mim, o que é que o João resolveu fazer na música, brincando entre notas, sílabas e harmonias elaboradíssimas, trazendo o lúdico (não somente da ironia da letra) mas do pula-pula entre contrapontos e acordes dissonantes.
    O Samba da Minha Terra é outro achado. Vindo do maravilhoso vozeirão do querido Dorival Caymmi, seu ex-sogro, ele brinca de forma inusitada com o arsenal que lhe está disponível, no rebolado contido na linda composição do Caymmi!
    Neste ponto, sugiro ouvir Eu vim da Bahia, do Gil, em que ele faz tantas estripulias no violão e voz que se faz quase impossível reproduzir o que ele fez. Gil se influenciou bastante por João e João lhe "agradece" com esta interpretação antológica. Este seria meu adendo, dentro da lógica em que você construiu suas top5 do João, embora, mais uma vez, me deparar com algo impossível, pra mim, de restringir.
    Bacana demais sua lista e seu texto! Fico feliz da vida ao saber que o João é Brasil!
    Abração
    é.

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    1. Érico, queridão, já conversamos bastante em particular sobre o assunto, mas só hoje me deparei com seu comentário aqui, que, acho, já foi devidamente respondido no âmbito privado. De toda forma, sigo sendo sempre grato por suas visitas "reincidentes" e seus comentários enriquecedores.

      Abração,
      レオ。

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