sexta-feira, 22 de abril de 2011

Crônicas Desclassificadas: 14) Libros por la ventana

"Paco Lucena, meu ex-manager, pode testemunhar que, sempre que íamos de carro a caminho de um show, eu passava todo o trajeto lendo algum livro. Quando o acabava, atirava-o pela janela simplesmente". Palavras de Joaquín Sabina em seu livro En Carne Viva. Tenho que admitir que de tudo o que ele revelou nesse abissal livro (e revelou muito), essas foram as palavras que mais me escandalizaram (acho mesmo que as únicas).

Fechei o livro e devaneei um tempo a respeito do assunto. Finalmente sentenciei: "C... Esse é um verdadeiro exemplo de como semear literatura!" Fiquei pensando na história desses livros abandonados (ou semeados) estrada afora, por que mãos teriam passado, mãos que talvez jamais os teriam folheado (e seus donos, lido) não fosse a "irresponsabilidade" de tal ato. E fui mais longe, pensei que se as pessoas, em vez de atirar pela janela bitucas de cigarro, atirassem livros, o mundo seria melhor e mais limpo. Sim, porque não há o que se fazer com um cigarro terminado, ao passo que com um livro lido se pode... lê-lo.

Mas confesso que não tenho esse desapego. A meu favor tenho, quando muito, não atirar pela janela nem cigarro (visto que não fumo), nem papel de bala, nem quaisquer sobras de qualquer outro produto consumível (muito menos literário). Lembro-me de um pequeno incidente do qual fui vítima quando jovem que me deixou sequelas. Naquela época, porque não me sobrava grana pra coisas "supérfluas", costumava ser frequentador assíduo de bibliotecas, de onde saía sempre com um ou dois livros emprestados. Certa vez passei por uma delas e de lá saí com O Nome da Rosa (de Umberto Eco) debaixo do braço. O filme havia me deslumbrado, agora era a vez do livro. 

Chegando ao trabalho, parei numa barraquinha em frente pra tomar um café. E depositei o livro (que vinha lendo no ônibus) sobre o balcão. Tomei meu café distraidamente, devo ter comido um ou dois pães de queijo, paguei a conta, peguei o livro e... Opa! O livro? Que livro? Acredite se quiser, mas, pela primeira (e única) vez na vida, havia me deparado com um larápio subtrator de livros. Foi um choque! Se ele me houvesse furtado a carteira, a mochila (sim, havia uma, mas como eu estivera lendo o livro até o ponto onde desci, não havia tido tempo hábil pra guardá-lo na dita cuja), o próprio pão de queijo, eu não teria estranhado. Mas um livro? Senti-me em Paris. O pior era que teria que comprar um novo pra devolver à biblioteca e, assim, evitar a pesada multa que me seria aplicada, que era ser impedido de tomar emprestados livros durante um período que na época me parecia uma eternidade. A saída foi comprar um pra continuar tendo direito aos outros...

Agora, puxando pela memória, lembrei-me de que uma funcionária da biblioteca, compadecida da minha falta de sorte, ofereceu-me um exemplar de seu acervo pessoal pra reposição (puxa, como a gente esquece detalhes/pessoas importantes!). Mas o resumo da ópera foi que nunca mais tive coragem de ler O Nome da Rosa, mesmo tendo-o hoje em minha estante. Em compensação, nesses milhares de anos subsequentes, nem o pior dos porres conseguiu me fazer chegar em casa sem o livro que me acompanhara em tais odisseias.

As idas e vindas da vida me levaram a trabalhar numa instituição religiosa. Recentemente, quase sem querer, deparei-me com três livros de Saramago meio que entocaiados sobre um armário. Não pude esconder um sorriso maroto que foi imediatamente flagrado por uma funcionária da limpeza, que vendeu seu silêncio em troca da inconfidência. Mostrei-lhe, ingenuamente, os três livros em questão, esclarecendo-lhe: "José Saramago". E ela: "José Quem?". Expliquei-lhe que se tratava do único escritor de língua portuguesa a ter ganho um nobel de literatura e que o gajo, além disso, fora em vida um ateu convicto. Daí minha graça ao achá-lo ali. Ela não achou a menor graça e praticamente me recriminou, como se estivesse diante do próprio Saramago: "Eu não sei como uma pessoa pode passar a vida inteira sem acreditar em Deus!". Como o terreno era infértil e acidentado, calei-me, mas não pude deixar de pensar: "Eu não sei como uma pessoa pode passar a vida inteira sem saber quem foi/é Saramago!"

¡A la ventana con los libros!

2 comentários:

  1. ¡A la ventana con los libros!
    Jogar pela janela, nunca fiz. Mas já participei de uma pequena campanha que consistia em "esquecer" um livro que tenha me marcado em um lugar público. Sim, já tive esse ato (louco!) de desapego. Mas confesso: o livro me marcou, mas não estava entre meus preferidos. rs
    Deixei num ônibus o livro "Vitor Grandam" do Ziraldo.
    Mas me senti bem fazendo isso. Fico pensando que posso ter mudado, pelo menos um pouquinho, a vida de alguém.
    Beijo!

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  2. O que costumo fazer às vezes é presentear alguém com um livro do qual gostei e imagino que essa pessoa também vai gostar. Mas isso é outra coisa, né? Mas eu chego lá um dia. Quanto à sua experiência, queria ter sentado do seu lado. Hehe!

    Beijão do
    Léo.

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