terça-feira, 16 de abril de 2013

Crônicas Desclassificadas: 84) Empregados x desempregados

Quem acompanha meus textos, mesmo que nunca tenha me visto pessoalmente, pode, com um pouquinho de sensibilidade, chegar a me conhecer bastante bem. Possuo o mau hábito de ser sincero e me revelar demasiado por meio da palavra escrita. Estou inteiro ali, com minhas convicções, contradições, teimosias, ignorâncias, e até com a humildade de reconhecer meus equívocos. E descobri que meu blogue, embora focado em assuntos que não interessam à maioria, tem alcançado um número bastante expressivo (pelo menos no que se refere a minhas expectativas) de leitores, inclusive fora do Brasil. Percebo, por meio das "estatísticas", que há, quase que diariamente, visualizações partidas dos EUA, da Alemanha, da Rússia e de outros países onde não tenho nenhum conhecido.
Da mesma forma, percebi que um blogue, por mais inocente que pareça, é uma ferramenta poderosa, pois está no ar 24 horas por dia, expondo-se aos olhos do mundo, como um marketing contínuo. Quando estou dormindo, em algum lugar do globo há alguém lendo meus devaneios ou se deliciando com as canções de algum compositor de quem tratei, por exemplo, no Ninguém me Conhece. E descobri também que qualquer opinião, mesmo que bem-intencionada, pode parecer ofensiva a terceiros. De forma que eu, que ao vivo e em cores sempre fui um tanto desinteressante, e até mesmo invisível pra alguns, cheguei a colecionar detratores, pra não dizer inimigos, que é uma palavra muito forte. Prefiro dizer detratores, pois quem se esconde atrás do anonimato pra expressar suas opiniões não merece ser promovido ao cargo de inimigo.

Portanto, como de costume, sem saber se o presente texto lhes chegará como uma flor ou uma tijolada, venho novamente abrir meu coração como se estivesse num divã. Considero-me um brasileiro que ama o país, assim, venho tentando, a meu modo e com as ferramentas de que disponho, acrescentar meu tijolinho a essa grande obra (que não acaba nunca). Contudo, hoje, do alto (alto?) de meus 41 anos de idade, dos quais mais de 27 dedicados ao trabalho, percebo, com grande dor no coração, que nosso país, além de não valorizar a educação, não sabe o que fazer com os profissionais que tentaram, a duras penas, atingir algum grau de excelência. Claro que há exceções, mas a regra é a de que pessoas que pensam por sua própria cabeça são joio a ser extirpado dessa grande plantação na qual o trigo é a ignorância. 

A crise europeia vem nos revelar que, se o comunismo não deu certo, o capitalismo, por sua vez, tampouco parece conseguir se sustentar no longo prazo. Anda mal das pernas, e a regra nº 1 é o corte de gastos. E, quando se pensa em corte de gastos, a primeira coisa que vem à cabeça (de bagre) dele$ é cortar funcionários. De preferência, os que ganham mais. Afinal, um funcionário, dentro de uma empresa, nada mais é que um número. Ser o número da vez é questão de tempo. No Brasil, embora a situação não esteja tão crítica quanto no Velho Mundo, o pensamento mesquinho também não é diferente. Vejo doutores sendo despedidos de universidades porque são mais caros, e em seus lugares contratam recém-formados, a preço de banana. Eu disse BANANA, porque se fosse a preço de tomate...

Além do descaso com o funcionário, há também certa lavagem cerebral. E o camarada acaba acreditando que não tem competência pra encontrar nada melhor, daí que sua relação com a empresa deixa de ser uma troca e vira dependência. E, de bônus, o eterno medo de a qualquer momento pode estar no olho da rua. Assim que a chegada de qualquer novo funcionário é vista por ele como uma ameaça. Ele jamais pensou em voltar a estudar, em ter maiores ambições, nada. Aquele empreguinho mixuruca lhe basta pra comprar roupa, tomar uma cervejinha e pronto. Se seu desejo de consumo não couber no bolso, sempre há o cartão de crédito e as prestações. E esse cara, não pela capacidade, mas por ser um cãozinho que abana o rabo, amanhã estará do outro lado da mesa quando VOCÊ for o entrevistado.

E aí é que são elas. Porque, se você chega apresentando um bom currículo e um linguajar correto, o sinal de alerta do cara que está fazendo a seleção já começa a disparar. E, quando o sinal dispara, ele não quer saber o que é melhor pra empresa, muito menos pensa que, por trás de seu sorriso forçado e seu português acima da média, você está desesperado à procura de qualquer coisa que te leve pra longe daquelas ociosas tardes de sol e de todo aquele sofrimento que é se saber competente e subaproveitado. Não! É você contra ele. Você quer estar no lugar dele, e ele não está ali do lado certo da mesa pra que alguém lhe puxe o tapete. Então, ele te enrola num papinho furado, num jogo de cartas marcadas, e procura encontrar em suas palavras algo que justifique sua não contratação.

E, como quem procura acha, ele encontra. Ele quer alguém que vista a camisa da empresa, e vestir a camisa da empresa, segundo ele, é fazer o que ele faz: abdicar de todo o resto, estudos, ambições, negócio próprio, viagens... Enfim, tudo o que não for do interesse da empresa. Num dado momento ele te pergunta quais são seus planos pro futuro, daí você responde que quer voltar a estudar. Resposta errada! Você tinha que dizer que quer crescer na empresa e blá-blá-blá. Depois ele pergunta qual é seu passatempo (ele não sabe falar bem português, mas usa a palavra hobby, porque assim lhe ensinaram), e você diz que gosta de ler, ouve MPB e arranha um violão. Resposta errada! Você tinha que dizer que gosta de filme de ação, sertanejo e futebol. Pra finalizar, ele te aplica um teste que não vale absolutamente nada, porque você já está eliminado!

O teste é apenas o golpe de misericórdia, pra minar sua autoestima. Como você se julga "o cara", não passar no teste vai te fazer pensar no que terá errado, em que momento, em que resposta... E na entrevista seguinte você já entrará como um pugilista cansado que perdeu o primeiro assalto. Um amigo me contou que foi informado pela empresa onde trabalha que ela em três meses se mudará pra outra cidade. Como ele não pretende gastar cerca de cinco horas por dia dentro de transportes públicos, começou a disparar currículos pra todo lado, chegou mesmo a ser chamado pra algumas entrevistas. O que relatei acima foi ele quem me contou. Assim como contou também que numa delas se viu numa grande sala com outros 20 selecionáveis, alguns formados pela USP, todos com o desespero no olhar...

Contou-me também que os mais estúpidos naquela sala eram os que os interrogavam! Porém, o que mais lhe chamou a atenção foi que havia também um espanhol todo vestido na estica, com a maior pinta de diretor, que contou que era pós-graduado em Paris, falava não sei quantas línguas, mas, finalmente, como era casado com uma brasileira, resolvera trocar seu futuro incerto numa Europa decadente por outras incertezas, mas num país que era visto por eles como a bola da vez. Pois é, meus caros: o Brasil. E a situação será cada vez mais esta. Como não temos em nosso DNA o costume de formar bons profissionais, vamos pondo pangarés amestrados em postos de comando, ignorando os teimosos que insistem em se especializar, e, quando for necessária uma contratação de peso, importamos.

Meu amigo? Continua procurando um novo emprego, enquanto o tique-taque lhe informa que o tempo está se esgotando. Não estará pra todos?

***

Nenhum comentário:

Postar um comentário