Amo e defendo a liberdade. Portanto, sou obrigado, por mim mesmo e por meu amor a ela, a suportar as diferenças, mesmo que em meu íntimo não aceite algumas. Por exemplo: de uns tempos pra cá peguei birra de pastores evangélicos. Quando vejo um na tevê, meu estômago se revira, como se eu tivesse comido algo estragado. Mas penso: fazer o quê? E mudo de canal. Da mesma forma, não suporto corintianos. Não os indivíduos, pois individualmente muitos deles são gente boa (alguns são, inclusive, amigos do peito). Refiro-me ao "corintianismo", aquele modo de ser do corintiano que põe todos os torcedores de todos os outros clubes contra eles em qualquer partida, independente do adversário. Daí que, quando soube (me recusei a assistir ao jogo) que o Corinthians era o novo campeão do mundo, meu estômago se revirou como se eu tivesse visto um pastor.
Assim, como notaram, muitas coisas me incomodam. A situação dos cubanos é uma delas. Eu, que me considerava um comunista, após quinze dias em Cuba, voltei ao Brasil desiludido, ao constatar que lá não há liberdade. Do mesmo modo como o PT me desiludiu (não a ponto de me fazer votar no PSDB, pois se aquele é irônico, este é cínico). Daí que agora, vendo a derrocada do socialismo e a crise do capitalismo, percebo-me adepto do utopismo. Por falar em "ismos", uma coisa que não suporto é o cinismo. Muitos me criticam porque acham que meus textos são demasiadamente ácidos (ou longos...). Faço um mea-culpa: sim, leitores, sou irônico. A ironia é a arma da impotência (inclusive a sexual, mas não é este meu caso... ainda). Os cidadãos que se veem sem força pra mudar a realidade acabam virando irônicos.
Mas a ironia é saudável. É prima-irmã do humor. Um irônico pode se apaixonar, pode ser capaz de loucuras ou mesmo imbecilidades motivadas pelo coração, pode beber e agir como um palhaço. Aliás, quando bebe, o irônico é inofensivo. Pode até ter um comportamento recriminável, levantar polêmicas ad infinitum, mas nada que não possa ser perdoado na manhã (mais tardar na semana) seguinte. Já os cínicos... os cínicos são imperdoáveis. Pelo menos pra mim, que não os suporto e, impotente, não podendo acabar com eles, uso de ironia pra ofendê-los. Os cínicos são aqueles sujeitos pedantes que se creem superiores. São afetados, arrogantes, individualistas (mais que os evangélicos) e nem chegam a ser ateus, visto que se creem Deus.
Um cínico é uma pessoa triste, porque não tem nada por que lutar. E quem não vê objetivo nenhum que valha seu esforço acaba virando um egoísta. São aqueles camaradas que, quando dirigem, querem sempre chegar primeiro. Quando o semáforo fecha, se houver outro motorista saindo da garagem, eles o fecham. Vocês não sabem como isso me irrita. Sou, por princípio, contra a pena de morte, mas acho que um fdp que não cede passagem pro outro numa situação dessas devia ir pra cadeira elétrica, nem que fosse apenas pra tomar uns choquezinhos e sair meio troncho. E o egoísta, pra virar um covarde, basta um empurrãozinho, ou que a ocasião se apresente. Aqueles fulanos que ante tragédias atropelam mulheres e crianças pra serem salvos primeiro, sacam? Esses são os cínicos-egoístas-covardes.
Um verdadeiro perigo! Uma nação que forma cínicos rega diariamente a feia flor do colapso. Pois o cínico não dá seu assento aos idosos, se o amigo precisar de uma mãozinha ele vai arranjar alguma desculpa pra não ajudar (no caso do cínico que tiver amigos, pois, na maioria dos casos, ele não quer amigos, quer súditos que aplaudam sua não filosofia), e pode acreditar que, se a mãe estiver internada em estado terminal, ele só irá visitá-la obrigado pela esposa, pelo filho ou pelo medo do falatório. Claro que nesse caso ele será ainda um estudante do cinismo e não um doutor, pois este está se lixando pra qualquer opinião que não seja a sua. E um cínico com grana é um perigo ao quadrado, pois ele será o implacável capitalista sugador de sangue. Operários, tremei!
Os cínicos proliferam em festas, bares, enfim, em lugares públicos. Vão aos shows pra ouvirem a própria voz soar mais alta que a do cantor. Sim, porque o cínico necessita falar. Cínico silencioso não existe. Em geral eles sabem de tudo, têm respostas pra tudo, chegam mesmo a corrigir os experts. E nunca vão te deixar terminar um raciocínio, ou porque vão corrigir a SUA história (!) ou porque vão te cortar pra contar uma mais interessante (na opinião deles, que é a que vale). Os cínicos só não mudam o mundo porque são preguiçosos. Só de pensar em pôr em prática suas ideias, já lhes vem um bocejo. Afinal, mudar o mundo pra quê? Pra quem? No mais, se eles mudassem o mundo deixariam de ser cínicos, daí sua existência perderia a razão de ser, pois num mundo sem diferenças todos seriam, em tese, iguais. E se há uma coisa que um cínico não suporta é... outro cínico.
Mas os cínicos são bem maçantes, aborrecidos, insuportáveis mesmo. Só encontram gente que os escute por mais de cinco minutos se se tratar de um pré-cínico, aquele que busca no outro as certezas que lhe faltam pra ser um cínico de carteirinha. Os irônicos, ao contrário, são populares. Mesmo que discordemos deles, prezamos sua companhia, pois acaloram os debates. O irônico é fogo, o cínico é gelo. O irônico pode até levar um tapa, um cínico, quando muito, vai ouvir um "oh!" meio sussurrado pela boca coletiva. O irônico pode se dar o luxo de ser contraditório, por amor à polêmica, ou só pra confundir mesmo. Já o cínico não se desvia uma linha de sua cartilha. Claro que este texto é uma grande bobagem elaborada pelo tédio em que me encontro. Relevem, não sejam cínicos.
Contudo, como não posso ser o dono da verdade, invento a minha própria. Afinal, sou um irônico assumido (e crônico). Fosse eu um cínico, teria escrito o oposto. O cínico acha que tem pedigree, o irônico se sabe vira-lata. Mas deixemos de lero-lero, pra não cansar os olhos alheios, que, após lerem tanto descabimento, terão que pingar neles urgentemente, na falta de colírio, uma ou duas gotas de autoajuda. Pra terminar, visto que é chique, deixo-os com duas citações: 1) “Se a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, o cinismo é a afirmação ostensiva do vício como virtude” (Olavo de Carvalho); e 2) "O último refúgio do oprimido é a ironia, e nenhum tirano, por mais violento que seja, escapa a ela. O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade" (Millôr Fernandes).
Muito bom, seu moço! Concordo demais com você, por ser também bastante irônica! :)
ResponderExcluirUm beijão,
Danny.
Dannoca, vamos fundar o clube dos irônicos? Hahaha!
ExcluirCom um cartaz bem grande na entrada: ABAIXO O CINISMO! rs
Outro beijão,
Léo.
VC É SEMPRE ÓTIMO!!!!
ResponderExcluirÔ, Moreirinha, não seja cínico! Hahaha!!!
ExcluirValeu, mano! Tamo junto!
Abraço,
Léo.