Todo artista quer visibilidade. Quem disser o contrário ou está mentindo ou não é artista. E se apresentar pra um público expressivo é, sem dúvida nenhuma, fator de grande importância pra se conseguir a tal visibilidade. Como sabem, não canto, e raramente subo ao palco, quando o faço geralmente é pra ajudar Kana a dar alguma informação ou coisa do gênero. Assim, grande parte dessa expectativa de visibilidade deposito nela, em seu carisma e em sua capacidade de hipnotizar a plateia. E uma de minhas grandes frustrações como compositor ocorreu justamente na noite do show-festa comemorativo de aniversário do Caiubi que aconteceu em junho do ano passado, no Café Paõn, que contaria com casa cheia e público de várias partes do Brasil.
1) O Outro (Daniel Pessoa)
De antemão soube que repertório e convidados já haviam sido previamente escolhidos e que Kana (mais uma vez, a exemplo das festas anteriores) não estava entre eles. E cometi o equívoco de não lhe preparar o espírito pra sua não participação. Até porque, ingenuamente, achei que no fim alguém se lembraria de chamá-la pra uma canja. Afinal, tratava-se do Caiubi, que sempre foi sinônimo de improviso e quebra de protocolo. Tal não aconteceu, como sabemos. E Kana, estrangeira e mulher em meio a um clube predominantemente masculino, sentiu-se preterida de forma tão lancinante (chegou a falar em preconceito), que sua dor repercutiu em mim, que, envergonhado, me vi cúmplice daquilo por meu silêncio. E calhou que soubemos que o responsável pelas apresentações daquela noite (e diretor artístico) fora meu parceiro Daniel Pessoa.
Pra não manchar a parceria, e consequente amizade, deixei que o silêncio se impusesse. O curioso foi que naquela época eu já vinha mesmo formatando os primeiros parágrafos de um Ninguém me Conhece que pretendia dedicar a ele. Vocês já devem ter adivinhado que apaguei o arquivo. Mas o tempo (sempre ele) passou, e quis o destino que ambos nos reencontrássemos numa confraternização em casa da família Cerpa (sempre ela!). Ao vê-lo ali pela primeira vez após a festa do Paõn, senti um aperto no coração acompanhado de um sorriso amarelo. Mas a noite, que apenas começava, ainda me guardava muitas surpresas.
Uma das qualidades que acho mais importantes numa pessoa é o caráter. Quem o possui tem o hábito, adquirido pelo fato de não ter o que temer, de não fugir ao diálogo, muito pelo contrário. E Daniel, que por terceiros já soubera de nossa mágoa, teve a hombridade de me chamar de canto e expor longamente os fatos de bastidores que envolveram aquela noite e seus preparativos, que, obviamente, não eram de meu conhecimento. Sem entrar em detalhes, basta dizer que, se não estive 100% de acordo com Dani, entendi a roubada em que se havia metido e respeitei-lhe a coragem. E a mácula que pairava sobre nossa amizade naquela noite se dissipou. Eu precisava deste prefácio, ou estaria sendo injusto comigo e com o próprio Dani. Tirada a espinha da garganta, vamos ao que interessa, pois.
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Nos primórdios do Caiubi, na já lendária rua Caiubi, 420, Daniel Pessoa era um de nossos intérpretes prediletos. Apesar de ser também compositor, tinha a grandeza de, em muitas de suas subidas ao palco, deixar de lado suas canções pra interpretar as dos amigos. Inclusive há canções caiubistas que são mais associadas a ele do que aos autores, como é o caso de Seis da Tarde, de Tito Pinheiro (por onde andará Tito Pinheiro? Por onde andará... Tito? Ninguém sabe do seu paradeiro...). Uma de minhas alegrias por ali era ouvi-lo cantar Porto de Galinhas, parceria minha com o mano Marcio Policastro.
Dani não passava, na época, de um garotão, tinha mesmo mais pinta de surfista que de músico. Mas o rapaz era humilde e observador, e foi tirando ao violão as muitas canções do repertório caiubista que buscou inspiração pra compor as próprias. Mas sejamos honestos: ele não era o único. Eu mesmo, não poucas vezes, ao ouvir por ali uma ou outra canção pela primeira vez, lá ia rabiscar versos em guardanapos. Afinal, apesar de Zé Edu ser também conhecido como Zé dos Guardanapos, esse hábito não era exclusividade dele. Mas, voltando a Dani, confesso que então eu preferia ouvi-lo cantar canções alheias às suas, que ainda achava um tanto verdes. Principalmente no que dizia respeito às letras.
2) Nota de Falecimento* (Daniel Pessoa)
Vanessa Moreno
Mas, apesar disso, o rapaz fazia parte do grupo dos imparceiráveis, ou seja, aqueles que não mantinham o hábito de compor em parceria, como o já citado Tito Pinheiro. Além de Vlado Lima, Max Gonzaga, Ricardo Soares... a lista é longa. Contudo, Dani chegou a me mandar uma ou outra melodia, que acabei letrando, mas nem ele curtiu, e acho que nem eu. Faltava química. Creio que faltava mesmo amizade, pois Dani, naqueles entonces, apesar do carinho recíproco, não era lá um amigo do peito. E parceria e amizade são duas coisas que caminham juntas numa harmonia de corpo e sombra.
Só que, já dizia Cazuza, o tempo não para, e Dani, também chamado carinhosamente de Dani People, mesmo sem minhas letras... afe, que arrogância, rapá! Corrijamos: mesmo sem contar com os letristas que davam plantão na rua Caiubi, foi lapidando sua pedra bruta, e suas letras foram aos poucos se encaixando melhor em suas melodias, cada vez com menos atrito, a sonoridade das palavras em harmonia com as notas. E da noite pro dia lá estava o "ex-surfista" emplacando hits cantados por toda a caiubagem.
Lembro-me de que houve um período em que passei a frequentar menos o clube, por problemas veiculares... automotivos... enfim, carangais. Creio que foi durante esse hiato que a consagração de Dani se deu, pois, certa vez, quando os amigos Raul e João gentilmente deram carona a mim e a Kana numa de nossas raras idas ao Caiubi como pedestres, puseram pra tocar uma demo de Dani que me espantou pela qualidade. Naquele curto trajeto ouvi umas três ou quatro que eram realmente arrebatadoras. O muchacho não perdera tempo!
Então Dani cresceu e apareceu, mas continuou emprestando sua interpretação às canções dos amigos que lhe tocavam o coração (as canções e os amigos), só que agora não somente a voz, como também o violão. Presenciei casos em que ele salvava o intérprete-autor, pois sabia mais da harmonia da canção do que quem a tinha composto. Daí que Dani, com alguns anos (e quilos) a mais nas costas (os quilos, na frente), foi virando pau pra toda obra na obra caiubal. E nesse meio tempo, embora não tenhamos virado unha e carne, ao menos nos aproximamos mais, e chegamos a (pasmem!) emplacar uma bela parceria. Qualquer dia desses trato dela, quando ele se predispuser a lhe fazer uma demo decente.
Bem, caros, chega uma hora em que até a missa acaba, por mais que o padre se empolgue na homilia. Assim, é hora de dar um fecho nestas maltraçadas. Pra encerrar, soube que Daniel Pessoa tem estado cada vez mais na ativa. Anda ocupado labutando nos arranjos, a quatro mãos com Gabriel de Almeida Prado, do primeiro (e aguardado) CD deste. Além disso, seu próprio CD está pronto desde 2011, só não foi prensado. Mas pode ser ouvido na nuvem de som (aqui). Nesse meio tempo ele segue ganhando prêmios em festivais ora aqui, ora acolá, e já nem está tão imparceirável assim. Mesmo porque hoje ele é pai e, como tal, sabe que nem tudo se pode fazer só. "Amar alguém..."
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Dani, obviamente, está no Caiubi.
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*Na canção Nota de Falecimento, uma de minhas preferidas de Dani, há um verso que me chamou a atenção na época em que a ouvi pela primeira vez: "E eu nem a pedi perdão". Tentei convencê-lo de todo jeito a mudar esse bendito "a" pelo recomendável "lhe", mas ele não admitia a hipótese de trocá-lo. Tanto que chegou mesmo a vencer alguns festivais (!) cantando o verso errado. Tempos depois, a maturidade veio, e ele admitiu pra mim que havia consertado o verso, que ficou "E eu nem lhe pedi perdão". Ufa!
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PS1: Já tinha terminado o texto quando fiquei sabendo que Dani agora faz parte do premiado grupo Tarumã. Grande aquisição!
PS2: Preciso fazer um agradecimento especial a Indiara Belo, que, com sua generosidade, seu talento e seu carinho, contribuiu e muito pra este texto, tanto com informações privilegiadas quanto na confecção (urgente) e na disponibilização das canções acima. Obrigadaço, queridona!
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Não precisa agradecer, vocês merecem! Sucesso ao X do Poema! Beijos***
ResponderExcluirValeu, queridona!
ExcluirBeijão do
Léo.