Desde tempos imemorias, de
guerra ou de paz (tanto faz), o concreto fato (do índio ao sem-teto) é
que o pobre paga o pato; mas tenho cá pra mim que não foi sempre assim.
No princípio (muito antes de protesto e comício), o índio, mais que
cidadão, era tratado como pessoa, vivia numa boa e era levado em
consideração. Claro, havia uma hierarquia, mas o da alta extremidade não
tinha a leviandade de não dar bom-dia a quem quer que fosse, não fazia
cu-doce nem se achava the best — e isso era inconteste. Todos eram
iguais perante a lei — que, aliás, como direi? ... não havia. Mas uns não ficavam de
barriga vazia nem outros tinham demais. O sexo não era tabu e até o
nudismo era valorizado pra chuchu. Não havia catecismo e muito menos
ateus — até porque, deuses, eles tinham os seus.
Até que
uns piratas em suas caravelas infestaram as matas sem pagar por elas...
Ops!, quer dizer, deram um espelho pra mim, outro pra você, e está feito
o trato — foi a primeira vez que o índio pagou o pato! E tudo sem
contrato, sem escritura. Afinal, os habitantes de antes tinham a alma
pura. E eram analfabetos, não conheciam letras. E assim, tornaram-se
escravos dos penetras. Que desconheciam do local a grandeza (eram de
outra natureza). Embasbacados com toda essa maravilha, perguntavam-se:
"Será isto uma ilha?" E, ignorando o lar continental dos habitantes nus, deram ao local o
nome de Ilha de Santa Cruz. E de lá pra cá não foram poucas as cruzes;
acostumou-se a ver a escuridão apagar as luzes e foi feita muita ode e
muita prece ao "quem manda pode, quem não pode obedece".
E
eis que os invasores, andando milhas e milhas — com os pés cheios de
calos e os falos cheios de icores, —, viram que não se tratava de uma
simples ilha, mas de quase um continente. Foi assim que um impertinente
deu ao local um nome de pau: Brasil, pra louvar a senhora puta que o
pariu. E continuou vindo de lá pra cá a escória, pra fazer jus (e encher
de pus) a nossa história, feita de estupros e incestos — e debaixo de
muito cabresto. Quem fugia ou morria de morte matada ou, com melhor
sorte, só entrava na chibatada. Fosse o fugitivo nativo ou os
recém-chegados escravos. O chicote assoviava bravo pra todo lado,
deixando em escuras costas feridas expostas pra servir de lição ao fujão
e de exemplo pra que outros não tivessem a mesma má ideia. É assim no
mundo inteiro, quando o galinheiro é tomado pela alcateia.
***
PS2: Trilha sonora — Adolar Marin, Carnaval na Tribo (Adolar Marin – Léo Nogueira) — relevem a qualidade do áudio, pois se trata de uma gravação caseira. Em breve teremos a de estúdio, se Deus quiser... e ele há de querer.
Mais uma vez, posto a letra:
CARNAVAL NA TRIBO
Adolar Marin – Léo Nogueira
Antes da invenção do flashback
Eu andava aqui fumando um beck
E brisando nu à beira-rio
Antes de Chuí e Oiapoque
Era só quarup feito rock
E o batuque cru no pau-brasil
Guaraná é que era Coca-cola
Guarani, de piercing e argola,
Era natural e de bom-tom
Tinha rave e carnaval na tribo
Sem ninguém dizer "eu te proíbo"
E o cacique até achava bom
Aimoré morava
Pataxó se achava
Carajá de boa
E xavante à toa
Antes da invenção do flashback
Eu andava aqui fumando um beck
E brisando nu à beira-rio
Antes de Chuí e Oiapoque
Era só quarup feito rock
E o batuque cru no pau-brasil
Guaraná é que era Coca-cola
Guarani, de piercing e argola,
Era natural e de bom-tom
Tinha rave e carnaval na tribo
Sem ninguém dizer "eu te proíbo"
E o cacique até achava bom
Aimoré morava
Pataxó se achava
Carajá de boa
E xavante à toa
O amor-livre era a céu aberto
O horizonte, logo ali bem perto
E não tinha cerca no quintal
Eu de saia não pegava nada
Toda taba tava sossegada
E acabou que aí chegou Cabral
***
Sempre que o assunto é Expansão portuguesa apodera-se de mim uma vergonha imensa.Navio Negreiro de Castro Alves faz meus olhos nadarem. À luz da época foi "normal" permitindo um absurdo como o Tratado de Tordesilhas.Não desresponsabilizo meus ante-passados, nem que tenham usado a desculpa mais vil que era a evangelização, não não posso sequer aceitar que tenha acontecido. No entanto me perdoe Léo, mas os Cabrais portugueses comparados aos Cabrais de hoje eram Meninos de Coro . Neste momento aquilo que vemos é uma luta fratricida, e nem se trata de riqueza, porque o Brasil tem para dar e vender, mas sim a tentativa (tomara que aborte)da queima de arquivo "Quem não é por mim e contra mim" Adorei o que escreveu, como o fez, já lhe disso você é brilhante abraço para si Kana e Adolar.
ResponderExcluirOi, Mi. Como escrevi no face, repito aqui: você não tem culpa do que fizeram seus antepassados, assim como os filhos não têm culpa dos erros dos pais. No mais, você não deixa de ter razão; o que acontece no Brasil hoje é, mais que vergonhoso, revoltante.
ExcluirOs abraços serão dados. Outro em você,
Léo.
Muito bom!
ResponderExcluirGracias, chica!
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