terça-feira, 31 de outubro de 2017

Crônicas Desclassificadas: 190) A morte (não anunciada) do e-mail

Se você for uma pessoa hipersensível, pare de ler este texto imediatamente. Bom, quer continuar? A partir de agora, está por sua conta e seu risco. Só não vá reclamar depois dizendo que eu não avisei. Seguinte: é com muito pesar — e não poucas lágrimas derramadas — que venho por esta comunicar um falecimento. Senhoras e senhores, o e-mail partiu desta pra melhor! E o pior não é que ninguém sabia; o pior é que ninguém quis nem saber! A coisa foi assim se dando aos poucos, que nem aconteceu comigo em relação à televisão. Explico: no começo, só o fato de eu estar em casa já era sinônimo de tevê ligada. Depois, o hábito foi diminuindo, diminuindo — e tanto que nunca cheguei nem mesmo a comprar uma de plasma — até que um dia, quando percebi, já não havia mais uma na sala. E... sinceridade? Nem me faz falta.

Do mesmo modo, aconteceu com o e-mail. Porém, antes do fúnebre assunto, minha quilometragem me obriga a tratar de sua avó: a carta. Sim, jovens leitores, eu sou do tempo das cartas! Inclusive, já escrevi sobre elas aqui. O interessante é que naquela época, quando enviávamos uma carta a algum amigo, parente ou namorico distante, ficávamos dias — às vezes meses — ansiosos esperando por uma resposta. O grau de dificuldade aumentava a expectativa. Imagine você, teclante leitor, que nós pegávamos uma folha em branco, enchíamos de assunto, e a caneta!, o que dava um trabalhão, principalmente quando escrevíamos algo de que nos arrependíamos, pois aí, como não ficava bem rasurar, tínhamos que começar tudo de novo. Eu, rei da rasura e lento de raciocínio, perdia horas escrevendo uma.

E a coisa não parava aí. Depois, precisávamos nos dirigir à agência do correio mais próxima — que nunca era tão próxima assim —, pegávamos uma fila enorme pra comprar um selo — é, amigos, se não estivesse devidamente selada, a carta não tinha valor; quer dizer, fora o sentimental —, selávamos a bendita carta e a enviávamos do modo mais barato, o que a fazia demorar vários dias pra chegar a seu destinatário (sem falar no caos que era quando os carteiros faziam greve). Então, ficávamos na dependência de que o/a interlocutor/a a lesse e se prestasse ao trabalho de responder e, por sua vez, passasse pelo mesmo calvário pelo qual o remetente já havia passado. E, quando isso virava um pingue-pongue, a coisa podia levar meses.

Depois veio o irritante bipe (ou pager), ideia que eu não comprei, embora tenha gastado muitas fichas em orelhões pra mandar recados urgentes a fulano ou beltrano — aos curiosos, vale a pesquisa; esse começo de parágrafo tem muita palavra arcaica: bipe, ficha, orelhão... —; até que fomos todos libertados pelo milagroso surgimento do e-mail. Agora, estava salva a lavoura! Adeus, tempo perdido em angustiantes — e inúteis — esperas. Claro, ainda havia um detalhe pequeno, mas importante: muitos de nós não tínhamos computador em casa, e os que tinham dependiam de internet discada. Banda larga era coisa de rico. Mas sempre havia as lan houses, que muitas vezes dividiam espaço com filmes nas decadentes videolocadoras, e assim podíamos nos comunicar com os "chegados" com mais rapidez.

De repente, tudo começou a acontecer muito rápido: surgiram MSN, Skype, celular, torpedo, facilidades mil pra bate-papos em tempo real... e a conversa começou a se vulgarizar. Vinicius dizia que "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida", mas até o encontro se tornou obsoleto, visto que nos podíamos comunicar a distância. Lembro que quando eu era criança e ouvia a campainha tocar, se fosse na hora do almoço já sabia que era algum parente que surgia de surpresa pra "filar uma boia". Ou então, alguém nos ligava e passávamos horas pendurados ao telefone — depois a conta vinha um absurdo! Mas ainda tínhamos necessidade do contato, nem que fosse simplesmente sonoro. Precisávamos ouvir a voz de algum amigo num momento de fragilidade.


Hoje, não. Depois de Messenger e Whatsapp, às vezes começo a suspeitar de que mesmo eu sou uma espécie de androide saído de um livro de Philip K. Dick. Não podemos incomodar mais ninguém — nem queremos ser incomodados. Nenhum conhecido toca mais a campainha de nossa casa desavisadamente. E mais: ninguém nos liga mais sem que antes nos contacte por Whatsapp e nos pergunte "Posso te ligar?", "Tá podendo falar?" ou algo do gênero. Em compensação, bombardeamos todos com inutilidades que compartilhamos como se se tratasse de coisas que vão mudar vidas. Sem falar nas redes sociais e na baba de ódio que rola no canto da boca de cada um dos teclarelas enquanto digita em caixa-alta impropérios a quem quer que seja — mas deixemos essas questões espinhosas pra outra crônica.


Daí, juro que fico preocupado quando o que nos é importante escrevemos ou enviamos via Whatsapp ou Messenger. Sem falar que depois, na hora em que precisamos encontrar algo, dá uma trabalheira pra achar. Eu, que componho, vivo enviando ou recebendo arquivos musicais; e antes tinha tudo devidamente arquivado em pastinhas do e-mail, mas hoje isso se tornou impossível, pois só os recebo por algum desses modernosos meios de comunicação. E percebi como eles são frágeis recentemente, quando meu celular foi roubado e por causa disso perdi preciosidades — pra mim pelo menos — que se tivessem sido enviadas por e-mail ainda estariam em meu poder. Paciência... Assim como morreram o Orkut e o Myspace, morre hoje o e-mail ("sem retrato e sem bilhete, sem luar, sem violão...") e em pouco tempo morrerão também Whatsapp, Facebook, eu, você e a boiada toda. Com exceção da rainha da Inglaterra, of course.


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