sábado, 5 de maio de 2012

Crônicas Classificadas: 18) A noite de grande orgasmo brasileiro

*** Excepcionalmente, leitura desaconselhável a menores ***

Costumo discordar das opiniões de Arnaldo Jabor. Aliás, costumo discordar de quem tem opinião pra tudo e não se cansa de sempre demonstrar como é inteligente e antenado. Os que têm tais preocupações costumam incorrer no erro da arrogância, do não saber ouvir por achar que já sabem de tudo. E costumam dar suas opiniões também quando não as pedimos. Jabor é meio assim, meio faroleiro, meio Caetano. Inclusive, esses dois, quando falam a respeito de política, têm opiniões que estão muito mais ligadas a como esta os afeta pessoalmente do que como afeta o país. Ou seja, não importa o todo, importa o "eu".

Vejo claramente tais defeitos nos dois acima citados e em muitos outros. Contudo, ser pessoa pública não é fácil, pois estas sempre se veem cobradas a dar sua opinião mesmo quando não estão prontas pra tal. Sempre há por perto um inoportuno microfone, uma inusitada pergunta à queima-roupa, um fotógrafo pronto pra clicar no momento da pior pose... É, definitivamente, não é fácil ser pessoa pública.

Mas nem só de bolas fora vivem as pessoas públicas. Caetano, quando opta por compor, é quase sempre genial. E Jabor já nos presenteou com alguns belíssimos filmes e não menos belas crônicas. Uma delas vira e mexe me volta à mente, por sua atualidade, embora tenha sido escrita há mais de dez anos. Havia me lembrado dela recentemente, quando veio à baila notícia do risco de rompimento de implantes de silicone de determinada marca. E voltou mais recentemente ainda, quando me pus a ler o romance O animal agonizante, de Philip Roth, que conta a história de um romance entre um professor sexagenário e uma aluna de 20 e poucos anos.

Porém, tenho que ser sincero, a leitura do romance me fez recordar Fatal, filme nele baseado e ao qual eu assistira anteriormente. A direção é da espanhola Isabel Coixet e o filme é protagonizado por Ben Kingsley e Penélope Cruz (ambos ótimos). Embora o filme não me tenha parecido nada extraordinário, a presença de Penélope (uma das atrizes mais lindas do cinema contemporâneo, em minha opinião, claro)  valeu as duas horas gastas. Então, foi-me impossível ler o romance sem que as páginas estivessem impregnadas dela, Penélope. E foi a equação entre tempo e beleza que me fez voltar ao texto de Jabor. Vivemos tempos fúteis, em que a grana possibilita que cabeças vazias desfilem sobre corpos "construídos", e é justamente disso que trata o texto.

Ah, no romance e no filme, Consuela, personagem de Penélope, tem sua vida mudada ao descobrir-se com câncer.

***

A noite de grande orgasmo brasileiro
Por Arnaldo Jabor, para o caderno Ilustrada, da Folha de São Paulo

A noite de amor ia ser total. Os dois estavam preparados, popozudos, poderosos. Ele era lindo, sempre malhou como um operário e construíra panturrilhas sólidas, bumbum empinado, sorriso branco e cintilante, gestos decididos, olhar de águia, voz nítida de locutor de FM, cuequinha slip para valorizar o pintinho e impressionar no desnudamento.

Ele falava em bolsa, globalização, música pop e era, em suma, uma bela colagem das caras e corpos das revistas, uma alegoria de charmes dentro da qual seu "eu" se escondia, soterrado sob a capa da "personalidade" para a mídia.

Ele funcionava com ritmo de videoclipe, sem pausas, com a precisão dos celulares digitais, dos notebooks para fazer dela a grande dama da noite, no mágico motel em que entravam, na suíte imperial, a suíte das piscininhas quentes, das cadeiras ginecológicas e dos consoladores de borracha, dos espelhos bisotês e das camas redondas com colcha de zebra.

Ela entrou no quarto como uma grande felina, uma linda onça dentro da minissaia de couro, ela, que tinha esculpido todo o corpo em muitas lipos, ela, que tinha renascido pelo silicone, ela, com as coxas de ouro, ela, com correntinha no tornozelo, calcinha fio-dental planejada para enlouquecê-lo, ela, com desodorante vaginal, ela, com a bunda da Tiazinha e a displicência distante da Bündchen, ela, que sabia abrir as pernas como uma Sharon Stone, ela, que cultivava pelinhos nas coxas que o marido rico (oh, pobre corno trabalhador na mesa de over) gostava de lamber, ela, perua chique, com sorrisos oblíquos, olhares febris, a boquinha de falso medo, ela também com o "eu" soterrado entre mil adornos, ela, que estava finalmente preparada para o sucesso total, para a plenitude do sexo, o pináculo de um narcisismo pós-moderno, ela, que estava diante de um mix de Bruce Willis com Paulo Zulu, o galã que deixava cair frases soltas como "de pagode eu gosto, mas prefiro o axé music", ela, que respondia "depende, eu prefiro música italiana", ele, que cantou imediatamente Dio, come ti amo, ela, que emendou num dueto enquanto ele lhe dava o primeiro beijo, conferindo no espelho a pose, ela, que deu um suspiro de êxtase, preparando-se para a grande noite que começava ali, no Crazy Love, o motel que flutuava em volta deles, com seus espelhos que testemunhariam o vulcânico encontro dos dois titãs do sexo, o macho perfeito contemporâneo versus a fêmea reconstruída para a sedução, ambos ali, prontos para o encaixe profundo que os transformaria numa engrenagem uivante, nas duas roscas frenéticas do fabuloso encontro sexual do século 21.

Claro que alguns insetos, alguns fiapos de preocupações ainda rolavam em suas cabeças, mas eles estavam precavidos; ele, com seu Viagra tomado uma hora atrás, com seu Prozac do meio-dia, com o "pensamento positivo" que lera em Lair Ribeiro; ela, com seu Lexotan já engolido, com a lembrança do marido usada como afrodisíaco perverso, o marido trabalhando e ela ali, pronta para dar.

Essas nuvens negras de depressão eram espantadas como moscas importunas, escorraçadas por beijos de língua mais intensos que o desejo real e suspiros de exagerada tesão que competiam em volúpia, pois aquilo não era propriamente um encontro, mas a luta por um Oscar de melhor interpretação.

Ele quase deprimiu, quando, por exemplo, os peitos siliconados da mulher boiaram na piscininha quente e ele pensou nos patinhos do lago de sua infância. Ela vacilou, vendo seu pintinho ainda um pouco triste, sem fulgor vítreo, ostentando leve meia-bomba, mas estas sombras foram logo dissipadas pela esperança do amor pagão.

Não dava nem para imaginar o orgasmo que atroaria o motel todo, matando de inveja os casais, inquietando garçons e faxineiras pobres, um orgasmo "reichiano", completo, quase político, o grande urro da modernidade, do novo Brasil que, lá fora, se construía para um amanhã globalizado.

Eles eram os protagonistas do choque de luxúria que percorria o país, nas revistas, nos outdoors, nas saunas relax e nos bailes funk. Eles não estavam ali em busca da paixão, mas para perpetrar um grande gol, o recorde de todos os desejos, o coroamento de uma ideologia narcísica.

Os encaixes foram se fazendo entre as duas máquinas, os corpos cavernosos se encheram de sangue, os seios ficaram túrgidos, os lábios se lubrificaram, as mãos se torceram, mas, estranhamente, nada sentiam, por mais que exagerassem nos suspiros sensuais.

Todas as posições eram tentadas, com olhares de esguelha no espelho, a música tecno continuava, os beijos se multiplicavam, mas nada sentiam, e um frio desespero tomou-os, o que o fez sorrateiramente engolir mais um Viagra e que a fez redobrar gemidos, pensando na inveja das amigas, pensando na própria bunda perfeita, no choro do marido corneado, até que um grande grito furou a música tecno e não era o tal orgasmo brasileiro tão esperado.

Não. Não chegou a haver uma explosão de prazer, apenas um estalo e um berro de horror, o homem com uma forte pujança erétil, um imenso pênis inquebrantável apontando o céu, gritando com a boca invadida por uma onda amarga de silicone, tentando segurar o grande seio que vazava como um odre furado, sob os uivos da mulher que apertava a cicatriz desfeita, enquanto os dois "eus" deles corriam pelo chão do motel como dois ratinhos sem rumo, seus rostos em pânico no espelho, a música tecno os expulsando, eles se vestindo correndo, fugindo para o pronto-socorro, onde foram logo atendidos, graças à sua boa aparência e ao BMW prateado, onde causaram grande curiosidade entre os enfermeiros, pois, como rezou o boletim de ocorrência, "os pacientes tiveram tratamento urgente, ela recebendo uma sutura no seio vazante e ele com banhos frios para fazer regredir o membro recalcitrante que se recusava a baixar", os dois virando um caso de eterna gargalhada para os plantonistas, a grande piada que lhes iluminou tantas noites tristes de trágicos atendimentos, naquele hospital de luzes mortiças e pobres madrugadas de atropelados e vítimas de balas perdidas.

24 de abril de 2001.

***

PS: Uma coisa leva a outra, e como nesta postagem rolaram literatura, cinema e crônica, por que não terminar com música? Já falei anteriormente de uma canção de Zeca Baleiro de que gosto muito, e acho pertinente postá-la aqui novamente, com letra e tudo, visto dialogar com o texto de Jabor:


TURBINADA
Zeca Baleiro

Ela fez 17 pequenos reparos
No lóbulo da orelha
Extraiu as rugas, pés-de-galinha
Que a deixavam mais velha

Ela botou botox, sorriso inox
Que eu paguei em doze suaves prestações
250 ml de silicone em cada peito
Ficaram no jeito, dois belos melões

Tirou um par de indesejáveis costelas
Ficou com a cintura fina, cinturinha de pilão
Malha como louca, não marca touca
Ela tá sarada, turbinada, processada, envenenada,
Um mulherão

Ela ficou uma máquina
Ela ficou uma máquina
Mas tudo que eu queria, tudo que eu queria,
Tudo que eu queria mesmo era uma mulher

Ela fez lipo, agora faz tipo
Desfila com suas nádegas durinhas no calçadão
Ela fez peeling e só tem feeling
Pras coisas que podem deixá-la mais bela, magrela,
Cinderela sem paixão

Ela ficou uma máquina...

***

2 comentários:

  1. olha só essa notícia, léo" "seios de silicone explodem ao vivo nos EUA".
    será que o texto do jabor foi premonitório?
    rs...
    beijo
    helena

    http://socialcam.com/v/3DZamOCO?autostart=true&fb_action_ids=10150804583959205%2C3444239502608&fb_action_types=video.watches&fb_source=other_multiline#_=_

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    Respostas
    1. Nossa, Helena! Que coisa, hem? Pois é, Arnaldo teve seu dia de Mãe Dináh! Hehe!

      Valeu pela participação!

      Beijão do
      Léo.

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