Por onde andará Rafael Leite? Por onde andará Rafa? "Ninguém sabe do seu paradeiro. Ninguém sabe pra onde ele foi, pra onde ele vai". Soube de fonte fidedigna que agora tem uma banca de jornal lá pros lados da Lapa (a paulistana). Já outros juram que viram o elemento num ônibus, violão às costas, voltando pro Vale do Paraíba. Ainda há aqueles que têm certeza absoluta de que o foragido era o sujeito de chapéu que fazia cantoria no centro da cidade. Qual dessas informações estará correta? O certo é que, com o desmantelamento da primeira sede do Caiubi, ele, que era figurinha fácil no local, começou a rarear suas aparições até descobrir a fórmula da invisibilidade. Em certa ocasião, na casa de Tato Fischer, por um momento cri tê-lo visto, mas depois percebi que me equivocara, pois o tipo de penteado moderno e pinta de galã não correspondia à descrição do bigodudo de rabo de cavalo que eu conhecera outrora.
1) Bem-te-Vi (Rafael Leite)
Bem, partamos do princípio, quem sabe assim, no meio do caminho, possamos encontrar, não uma pedra, mas pistas que revelem seu paradeiro. Elementar, meu caro Nogueira! Pois bem, conheci Rafael, que também atende pela alcunha de Milk (!), na casinha de que falei acima, na rua Caiubi, 420. Natural de Redenção da Serra, cidade que sumiu do mapa pra dar lugar a uma represa, o Milk... Olha só, coisa engraçada, lembrei-me de que numa dessas idas ao Japão conheci um músico que tinha o mesmo apelido, só que em pronúncia japonesa ficava Míruku! Voltando: Rafael (prefiro assim), natural de tão peculiar cidade (embora espicasse ínglichi e hablasse ehhpanhôl), trouxe no sangue as raízes de seu torrão e, quando se descobriu compositor, optou por ser universal compondo/cantando as coisas de sua aldeia. E coisas belíssimas! E, além de tudo, figura das mais carinhosas, deu-me de bandeja desde sempre o valioso presente de sua amizade.
Anfitrião de primeira ordem, costumava abrir sua arejada e charmosa casa pros amigos (que não eram poucos), e lá rolavam inesquecíveis saraus etílicos, poéticos, tabacais, musicais, fraternais e outros ais. Cansei de sair de lá, altas horas, curado pra sempre das dores do mundo. Mas não sei se virei persona non grata ou se foi a vida mesmo que foi nos levando pra reuniões menos celebráveis.
Apesar de "amigos de infância", eu nunca havia tido coragem de lhe mandar uma letra, visto ser ele um compositor de temática tão diferente da minha. Contudo, foi ele quem deu o primeiro passo nessa direção, ao me convidar, à queima-roupa, a parceirar. Não me fiz de rogado. Pensei, pensei, fui puxando pela memória as lembranças que guardava de seu universo poético, mas nada que prestasse me saía. Até que, por fim, imaginei a situação por um novo prisma: se eu lhe enviasse uma letra que ele sozinho podia fazer, qual seria minha contribuição à sua obra? Nenhuma! Assim sendo, minha opção era expandir um pouco mais seu universo, abrindo mais o compasso até que este englobasse o meu próprio. Foi assim que nasceu Patrocínio, nossa primeira cria. Nessa letra eu não falo de sua terra, mas de como se sentiria alguém de lá vivendo em metrópole tão poluente (em todos os sentidos). Ele, ao que me parece, gostou e acabou musicando-a. A letra é esta:
Guardo no peito/ No centro do caos urbano/ Um caipira satisfeito/ Um sujeito interiorano./ Nem saudosista/ Nem amante do progresso/ Tenho alma de artista/ E arte não tem endereço./ Minha fazenda/ Mora dentro dos meus sonhos/ E sonhos não estão à venda/ Meu amor é lá que eu ponho./ Eu tenho sina/ De mambembe, de errante/ Porém, Deus me patrocina/ E a noite é minha amante./ Bebo cachaça/ Ouço o som dos passarinhos/ Passo à margem da fumaça/ Toda flor tem seus espinhos./ O meu legado/ Minha viola garante/ Então durmo sossegado/ E minha voz segue adiante.
2) Alfa Apagada (Rafael Leite – Dirceu Setti)
Depois, antes que se desse sua desintegração, ainda emplacamos outra, Matuto Sem Mato. Nesta eu já estou mais à vontade em seu habitat, e chego mesmo a ensaiar certo molejo caipira na poética. Vejam se concordam:
Meu cabelo eu reparto ao meio/ Sou feio mas tenho opinião/ Dizem lá no lugar de onde venho/ Mais vale o empenho que a ilusão/ Não vai gel, nem chapéu, nem implante/ O importante é que é natural/ Eu sou virgem de piercing e brinco/ Mas dou cinco na horizontal./ Vivo bem sem colar nem coleira,/ Pulseira, pingente, rayban, anel/ Nos meus olhos não carece lente/ Pra ver no poente o azul do céu/ Minha barba não é desenhada/ Minha arcada dentária vai bem/ Os meus músculos ganham no grito/ Sem atrito nenhum com ninguém./ Deus quis assim/ Sou rico, sim/ Tenho muito sangue nas veias/ Meu coração/ É uma mansão/ E durmo sempre de barriga cheia./ Eu não uso relógio no pulso/ Que o tempo é avulso e não volta mais/ Nem careço de camisas caras/ Pois não tenho cara para tais/ Uso brim e não jeans desbotados/ Vou folgado num samba-canção/ Minhas calças precisam de cinto/ Mas me sinto mal num cinturão./ Sendo limpa, é qualquer cor de meia/ Pra mim, só alheia dá chulé/ É que eu sou um matuto sem mato,/ Sapato é o que cabe no meu pé/ No meu peito um amor levo dentro/ Sendo assim, entro em qualquer lugar/ Não me deixo fiar pela moda/ Mó de quê, se amanhã vai passar?/ Deus quis assim/ Sou rico, sim...
Ah, vejam vocês, na letra acima usei o recurso que Alexandre Lemos ensinou pra Lis Rodrigues. Pra quem não leu o texto dela, consiste em pegar uma canção que já existe e trocar-lhe os versos por novos. No caso da nossa Matuto sem Mato, a canção em questão foi Declaração de Bem, de Álvaro Cueva. Cantarolei os versos acima na melodia dele, depois, entreguei o resultado ao Leite (que frase sonora!), e ele me devolveu belíssima e distinta canção!
Ainda sucederam dois fatos dignos de nota antes que Rafael Leite debandasse. O primeiro também vale uma aula de "letras". Rafael enviou uma letra pra Kana, pra que ela a musicasse. Kana, estrangeira, e sem o cacoete de um Sonekka ou de um Camalle, por exemplo, encontrou imensas dificuldades pra transformar os versos de Rafa em canção. A primeira parte até que foi fácil, mas, chegando na segunda, ela travou. Não conseguia fazer que a letra coubesse na melodia que tinha em mente. Ao me relatar a triste situação em que se encontrava, dei-lhe uma sugestão: Pedi-lhe que esquecesse a letra e fizesse a melodia em que estava pensando e depois ma entregasse. E ela fez uma realmente encantadora! Em seguida, entrei eu, com minha experiência no artesanato das palavras. E o que fiz? Podei a letra de Rafael pra que coubesse na melodia de Kana. E como coube (vejam o resultado no link abaixo)! Ele, ao ouvir o resultado, emocionado, quis me dar parceria. Claro que não aceitei. Afinal, não acrescentei nenhuma ideia minha. O que fiz foi apenas o que Kana teria feito se fosse brasileira. Detalhe: a canção, batizada de Entre Canções que Ouvi, é uma homenagem a São Luiz do Paraitinga, porém, composta antes da tragédia que a abateu. Portanto, se já era bela, revestiu-se ainda de um caráter simbólico.
E eis que, antes de ir pra Macau, Rafael deu à luz o exuberante Veredas do Vale, CD onde correm leite e mel. E que, como bônus, ainda traz festivo texto de Fernando Cavallieri. Esse delicioso Veredas nos faz enveredar por saudosos caminhos, caminhos estes capazes de causar arrepios de saudades até nos infelizes que nunca andaram por eles e, consequentemente, trazer-lhes lágrimas aos olhos. Claro está que, pra bem ouvi-lo, há que se ter os ouvidos apurados - e depurados -, aqueles que estão acostumados à poluição sonora podem ser acometidos por certa tontura pós-Daime. A estes, dou o conselho que escreveu Cavallieri: "Acendei a fogueira. Ide ao melhor alambique comprar a mais fina garapa. [...] venham banhar-se no leite viscoso e Sagrado, nas águas cristalinas purificadoras da música brasileríssima de Rafael Leite. Os que têm olhos de ver verão o Amor alinhavando com fio dourado cada canção, sutil e luminoso como um deus...". Falou?
... E depois disso, um show aqui, outro acolá, e finalmente dele não se teve mais notícia! É favor quem souber seu paradeiro entrar em contato conosco... Mas, espere aí! Relendo agora meus rabiscos felizmente consertados pela máquina que tenho à frente, sou capaz de jurar que o "caboco" deve andar metido em algum estúdio preparando veredas outras. Queira Deus! - E ele há de querer!
PS: Astrologia nunca foi meu forte, mas acho que não deve ser simples coincidência o fato de o moço fazer aniversário no mesmo dia em que o fazem Woody Allen e... este escriba!
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Leite também está no Caiubi.
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CAdê o rafael?
ResponderExcluirOnde vc se esconde?
Ninguém sabe, ninguém viu...
ResponderExcluirPara cá, não veio... que se saiba... :-)
ResponderExcluirHAHAHAH!!!
ResponderExcluirléo, excelente texto, poemas e referência, parabéns e obrigado...
ResponderExcluirGratíssimo, Vitor!
ResponderExcluirAbração do
Léo.
PARABÉNS, LÉO!! PARABÉNS RAFA!!
ResponderExcluirLÉO, pq vc escondeu sua data de aniversário no facebook???
Valeu, Cava! Mas eu não escondi, apenas não revelei!
ExcluirBeijão,
Léo.