Um sujeito se dá conta de que está ficando velho quando fatos que até havia pouco lhe eram recentes da noite pro dia parecem pertencentes a encarnações antigas. Foi o que aconteceu comigo ao puxar pela memória minha primeira lembrança de Álvaro Cueva. Deu-se assim: Em 2002 fui convidado pelos amigos Rodrigo Campos e Nany di Lima a participar do projeto Samba da Bênção. A ideia era originalíssima: uma vez por semana, no Teatro Arthur Azevedo, no bairro paulistano da Mooca, uma roda de samba comandada por Rodrigo homenageava um sambista. Até aí, nada de mais, a peculiaridade consistia no roteiro do show, que trazia nos intervalos das canções uma espécie de palestrante que contava, não a biografia do homenageado, mas fatos curiosos, pitorescos, que o envolvessem. Em seguida, aproveitando a deixa, atores comandados por Nany invadiam o palco e interpretavam a cena. O palestrante era eu! Foi, inclusive minha primeira experiência de palco, e agradeço imensamente aos dois pela oportunidade que me deram.
1) Bosconeana (Álvaro Cueva)
E onde entra o mano Cueva? Simples, ele era um dos convidados que se apresentavam semanalmente cantando uma canção do homenageado da noite, a exemplo da própria Kana. Álvaro costumava cantar acompanhado ao violão pelo irmão
Alexandre Cueva, no que era um dos momentos mais intimistas do espetáculo. Contudo, apesar de apreciar os talentos da dupla, ou por timidez ou por falta de interesse das partes, acabamos não estreitando os laços. Confesso que sentia no moço de olhos claros certo ar de imodéstia (já viram que sou dado a julgamentos precipitados, não?). Contudo, já na época, após as apresentações, costumava bater um bom papo a respeito dos sambistas homenageados justamente com o pai dos rapazes: Affonso Moraes.
O tempo passou, o projeto, que ia de vento em popa, ruiu, por motivos extramusicais, e retomamos todos nossas vidas. Até que, alguns anos depois, qual não foi minha surpresa ao reencontrar a família toda lá na rua Caiubi, 420 (Pra quem está chegando agora, o referido endereço foi a primeira sede do Clube Caiubi). Pra meu espanto, Álvaro era a simpatia em pessoa. Inclusive, dada a sua natural e fina educação, Vlado chegara mesmo a alcunhá-lo "o lorde do Caiubi". E, às vésperas de lançar seu CD Canabi Emotiva, emanava uma energia das mais positivas. Quando o CD finalmente chegou da fábrica, trocamos exemplares, mas, antes mesmo disso, já havia me encantado com as composições do moço que, à época do Samba da Bênção, eu não tivera oportunidade de escutar. E o CD era um espetáculo! Belíssimas canções muito bem arranjadas e executadas mostravam um compositor maduro no auge da criatividade. E mais: transbordando de paulistanidade como poucas vezes eu pudera ouvir.
Em pouco tempo nos tornamos amigos de infância e, consequentemente, parceiros. Sem que nos déssemos conta, ora em minha casa, ora na sua, havíamos adquirido o hábito de nos encontrarmos pra compor! Participavam desses encontros também Kana, Alê Cueva e Marcio Policastro. Foi assim que nasceu, meio que por acaso, o 4+1, grupo formado por nós cinco que rodou São Paulo em uma série de shows com um repertório quase que inteiramente extraído daqueles encontros. Aliás, marcamos o primeiro show por pura vontade de mostrar essas canções, e, a partir daí, durante um bom tempo não paramos.
Certa noite, estava na plateia pra assistir a um desses shows ninguém menos que Zé Rodrix, que, no dia seguinte, escreveu-nos as seguintes palavras: "Ontem, assistindo ao fenomenal 4+1, foi como se eu estivesse viajando no tempo: o clima, a vibração, a qualidade autoral e artística eram idênticas às da minha primeira noite no Caiubi, já lá vão alguns anos... Com certeza ontem ficou provada a máxima 'QUERER NÃO É PODER', pois ontem quem ali estava mostrou que não basta querer ser artista, mas sim que é preciso exercer o ofício com rigorosa competência, unindo talento e vocação em quantidades iguais".
Eu passei muitos meses sonhando com um CD do grupo, mas aos poucos vi o sonho ficar cada vez mais distante, pois o 4+1 tinha um grande defeito: não era uma banda, era um bando de solistas! Assim, paulatinamente, tão naturalmente como nasceu, esvaiu-se. Sem brigas, sem discussões, simplesmente porque cada um de seus membros tinha como objetivo principal a carreira solo. Os ensaios eram muitos e cansativos, sempre com canções novas carecendo de arranjo, principalmente arranjo vocal, visto ser um grupo de cantores. E a naturalidade de compor não se repetia quando o assunto era dar uma roupagem a essas canções. Foi bom enquanto durou. As canções estão aí, e, mais uma vez lembrando o Zé, o que importa são elas.
Mas, como dizia o poeta, o tempo não para. E Álvaro não ficou deitado em berço esplêndido esperando a banda (ou o bonde da perdida esperança) passar. Continuou compondo, estudando violão, apresentando-se nos muitos endereços do Caiubi, e, de quebra, resolveu mostrar ao mundo outra faceta sua, esta, menos conhecida. A de dramaturgo. Com o luxuoso auxílio de uma trupe da pesada, levou aos palcos paulistanos seu musical Kátia e Paulo - Uma Alegoria Paulistana, ao qual eu e Kana assistimos, ao mesmo tempo embasbacados e orgulhosos de ver um amigo/parceiro à frente de uma obra de tal magnitude. Admitamos: Todos nós já pagamos micos com amigos "artistas", fomos a shows amadores, ouvimos canções sofríveis, lemos poemas piegas, assistimos a peças caricatas etc. Por isso, escaldados que somos, muitas vezes saímos de casa prontos pro pior, tudo em nome da amizade. Tendo essa experiência em nosso curriculum, é extremamente gratificante quando nos deparamos com um espetáculo do mais alto grau de profissionalismo. Foi este o caso de Kátia e Paulo, uma peça exuberante, com canções impactantes, história cheia de lirismo e atores-cantores de primeira. Recomendo! Ah, quase esquecia: Álvaro também atua na peça. Surpresa dupla!
É assim o meu camarada de buarqueanos olhos, este ser multifacetado, de voz peculiar e canções que nos acariciam a alma, que ainda encontra tempo pra ser marido, tripai, entregar seus mandados, escrever suas peças... E tomar sua cervejinha sem álcool, que ninguém é de ferro (aagh!)! Espero, sinceramente, que, em meio a tantos afazeres, ele encontre tempo pra gravar (e depressa) seu segundo CD. Afinal, ele, este traficante de emoções, não pode nem pensar em escapar ileso sem nos oferecer novas remessas de sua emotiva erva.
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Álvaro também está no Caiubi.
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Ei, brother; nossas canções não são balas perdidas (nem balas, muito menos perdidas, claro!), mas têm às vezes esse mesmo dom de atingir desavisados aleatoriamente, graças a Deus! Li um pedaço de minha vida aqui, descrita pelas palavras amigas e generosas do parceiro. E tô emocionadão, como gostaria de deixar cada ouvinte, toda vez! Vamos parceirar mais ? Abs.
ResponderExcluirSalve, maninho! Você sabe que tenho essa família em tão alta consideração que praticamente me sinto um Cueva Moraes. Só não adoto de vez o sobrenome pra não sujá-lo. Hahaha!!!
ResponderExcluirParceiremos!
Abração do
Léo.
É legal fazer parte de um movimento que iniciou aí em SP e cresce para além de nossas fronteiras!
ResponderExcluirParabéns aos dois pela amizade e pelas parcerias que nos encantam.
E consumamos a erva com emoção!
Ops, era a erva emotiva...
:)
Salve, Cláudio! Mas para os problemas de geografia temos a tecnologia! E hoje o Caiubi é um belo exemplo do poder desta última, quando bem usado.
ResponderExcluirAbração do
Léo.
O Álvaro é uma das parcerias de que eu mais me orgulho. Além disso, é um grande amigo, o que torna suspeito tudo o que eu disser a respeito do seu grande talento. Ainda bem que essas palavras suspeitas são desnecessárias já que o cara é uma das poucas unanimidades no nosso meio.
ResponderExcluirAbração, parceiro.
Poli, faço minhas suas palavras... De um suspeito a outro, claro.
ResponderExcluirAbração do
Léo.
Quase meio século de sacanagem! Valeu, mano! Abs;
ResponderExcluirEntão ainda tem pelo menos mais meio século de sacanagem! Hahaha!
ExcluirAbração, mano,
Léo.