Não conheço nenhuma família que não tenha problemas. Ao contrário dos amigos, que escolhemos, não podemos escolher nossos pais, irmãos, tios, primos etc. Daí que os laços que nos aproximam são, em alguns casos, meramente sanguíneos, e as relações, conturbadas. Contudo, sendo a família uma instituição tão importante na sociedade, temos que aprender a conviver com os de nosso sangue, engolir alguns sapos e, principalmente, tentar trabalhar pra que reine a harmonia acima das diferenças. Quando conseguimos isso, o afeto até pode se tornar verdadeiro. Aproveito o tema pra relatar alguns fatos que me serviram de experiência pra que mudasse meu comportamento na relação com os meus:
1. La Famiglia
Existem filmes que são maravilhosos quando vistos por vez primeira, mas que não resistem ao tempo. Há outros, entretanto, que, quanto mais vistos, mais impactantes são. Nesta segunda categoria eu coloco a trilogia d'O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, inspirada no livro homônimo de Mario Puzo (em inglês, The Godfather). Esses três soberbos filmes estão entre os que mais vezes revi em toda minha vida. Ao primeiro dos três, por exemplo, acho que já assisti umas vinte vezes, no mínimo. Há, entre tantas cenas exuberantes, uma que particularmente me chama a atenção de forma visceral, a tal ponto que se tornou pra mim praticamente uma lição de vida.
Não vou contar a respeito do filme, então, quem não o viu, veja-o, não vai se arrepender! Só vou tratar da cena em questão. Don Corlenone, personagem interpretada por Marlon Brando (que recebeu o Oscar de melhor ator pelo filme), recebe em sua casa o chefe de outra famiglia (no filme se evitou o uso da palavra "máfia", trocada pela famiglia em questão) pra tratar de negócios. O visitante queria que Corleone se associasse a ele numa empreitada que envolvia venda de drogas. O "padrinho" (como era chamado), apesar de estar envolvido em muitos negócios escusos, tinha lá sua ética, e, embora a proposta parecesse vantajosa, descartou a sociedade.
Nesse momento, seu filho mais velho, Sonny (interpretado por James Caan), que participava também da reunião, demonstrou interesse pelo negócio e fez menção de dizer algo, no que foi prontamente impedido por seu pai, que pediu desculpas a todos acrescentando uma interessante frase: "Tenho um fraco por meus filhos e acabo mimando-os. Eles falam quando deveriam ouvir". Finda a reunião após a negativa do padrinho, este teve uma conversa franca com seu filho, na qual o aconselhou a não o contradizer na frente de estranhos. Explicou-lhe que, caso a família divergisse acerca de algo, essas diferenças tinham que ser tratadas em particular, e não na frente de terceiros, que poderiam usar essa divergência contra eles.
Poucos dias depois, Don Corleone sofreu um atentado que por sorte não lhe tirou a vida. Ou seja, a outra famiglia, percebendo que talvez a negociação fosse mais fácil com o filho, tentou tirar o pai do caminho. Não vem ao caso contar o resto do filme, e nem caberia aqui, mas o mais importante foi que nunca me esqueci dessa cena, muito menos das palavras que Don Corleone dirigiu a seu filho. E, sempre que possível, tento aplicar esse ensinamento à relação com minha própria família. Nem sempre consigo, claro, mas que tento, tento.
2. Duas Historinhas
Fui um adolescente muito problemático. Tímido, cheio de complexos e dúvidas, estourado; não raras vezes entrei em brigas e confusões. Minha mãe, sem saber o que fazer comigo, levou-me a um neurologista, que pediu exames e mais exames e me receitou uma série de remédios. Anos depois eu mesmo me dei alta, mas queria tratar de dois ocorridos nessa época:
a) Certo dia minha mãe me pediu que fosse ao mercado comprar carne. No caminho, encontrei um amigo, que me convidou a tomar uma cerveja. Pensei, repensei e cheguei à conclusão de que uma, uminha só, não ia interferir em meus planos. O problema não foi a primeira cerveja, foram as seguintes...
Quando caí em mim, lembrei-me da compra que minha mãe pedira. Corri com meu amigo ao mercado, que, por sorte, ainda estava aberto. Contudo, o açougue do mercado já havia fechado. Tentei dialogar com o açougueiro, mas este foi tão ríspido, que acabei batendo boca com ele. Meu amigo, com um safanão, afastou-me. Irado, chutei a primeira coisa que me apareceu na frente. Pra meu azar, era um carrinho de ferro! Esse destempero teve sérios desdobramentos, e por pouco não tive a perna amputada. Restaram tristes lembranças e uma cicatriz, mas isso é outra história.
Voltando: quando percebi, meu amigo conversava animadamente sobre futebol com o açougueiro. Alguns minutos depois, com um sorriso vitorioso, aproximou-se de mim... Com o pacote de carne. Esse amigo, tempos depois, tornou-se corretor de seguros. Com ele aprendi que a lábia consegue mais que os músculos.
b) Quando tinha 18 anos vivia em pé de guerra com minha mãe. Ela, que não tivera filha mulher, tratava-me com um excesso de zelo que me tirava do sério. E, pior, sempre fazia os gostos de meu irmão menor, paparicava-o sem o menor pudor (ou, pelo menos, era o que eu achava na época). Ele, embora ainda muito novo, tendo uma personalidade completamente distinta da minha, malandramente sabia tirar proveito da situação. Essa relação bilateral me levava à loucura.
Certa vez uma namorada presenciou uma lamentável discussão familiar. Eu, dono e senhor da verdade, tentava de todas as maneiras provar a meus pais, com infalíveis argumentos, que eles estavam equivocados no tratamento desigual que davam a mim e a meu irmão. Eles, irredutíveis, punham a culpa de tudo em minha conta. Como nada do que eu dissesse os fazia mudar de opinião, berrei meia dúzia de impublicáveis palavras e saí pra rua batendo a porta.
Sentei-me num improvisado banco de pedra que havia do lado de fora e lá fiquei, remoendo minhas razões. Alguns minutos depois senti uma leve respiração vinda de meu lado esquerdo. Era ela. Sorriu-me espirituosamente, deu-me uma palmadinha no joelho e me parabenizou pela atuação. Disse-me ela: "Parabéns! Fiquei besta de ver como uma pessoa, tendo pleno domínio de suas faculdades mentais e, acima de tudo, estando com a razão, conseguiu em segundos jogar tudo pelo ralo! Se você não sabia, saiba dessa: quem grita perde a razão."
Essas palavras me penetraram poros adentro, entraram por meus vasos sanguíneos, bombearam meu coração, fixaram-se em meu cérebro e passaram a fazer parte de mim tanto quanto meus olhos, minha língua, meus membros... Nesse dia aprendi que uma pessoa, na impossibilidade de mudar o outro, pode, sim, mudar seu comportamento. Desde então fui iniciado na arte de usar e abusar do diálogo. Não foi fácil (e até hoje não é), mas, como tudo que exercitamos, deu (e segue dando) resultado. Passei a tratar minha mãe com carinho, manter uma postura de adulto que me possibilitava ter um poder de barganha incrível, sobretudo no que se referia a meus horários.
Lá se foram 22 anos. Aquela pequena amostra de sabedoria que uma mocinha dois anos mais nova que eu me proporcionou acabou sendo fundamental pra que eu me tornasse o homem que sou (não que eu seja grande coisa). E mais, acostumou-me à ideia de saber ouvir, o que me transformou num aplicado colecionador de experiências (minhas e alheias). Talvez tenha sido isso que me tornou compositor...
Oi Léo....
ResponderExcluirqué bonito texto !!!! ... me encantó !!!! não savia isso de você...
es cierto, las palabras son mucho más fuertes que la "fuerza bruta" ... hahaha ... y yo también lo he creído por mucho tiempo, desde que empecé a ver que el lenguaje es mucho más complejo que sólo denotaciones, y se vuelve más interesante a medida que se complejiza;... pero yo, en vez de coger por la literatura, me fui por los idiomas, y vaya que todos los días siempre hay cosas nuevas....
obrigado pelo texto... saludos....
Hola, Javier!
ExcluirSí, sí, es verdad, podemos ir por muchas calles, sea por la de literatura, sea por la de los idiomas, la música, el cine... Lo importante es caminar; ya decía el poeta, "Caminante, no hay camino, se hace camino al andar". Entonces, andemos!
Un fuerte abrazo desde Sampa,
Léo.