quinta-feira, 26 de abril de 2012

Trinca de Copas: 9) Dose Tripla de Clarisse Grova

Esses dias tem me batido uma saudade de minha querida parceira Clarisse Grova, que se esqueceu de mim, não musica mais minhas letras, não aparece mais por Sampa (e, quando aparece, não avisa), e ainda por cima ouvi um zunzunzum de que se mudou pro Sul. Daí que me peguei reouvindo nossas canções, a maioria inéditas, e, em nome de nosso passado musical, e pra mostrar que a perdoo por fazer seus mil silêncios (que em parcerias que andam juntas ninguém faz), resolvi dedicar-lhe um Trinca de Copas, pra espanar o pó de algumas dessas canções e contar um pouco a respeito de como nasceram. A elas:

1) "DECUMFORÇA"

As musas fazem a alegria dos compositores. E há todo tipo delas, mas não importa a qual pertençam, o importante é que inspirem, que nos toquem o suficiente pra que nos sintamos induzidos/seduzidos a dedicar-lhes uma canção. E não estou falando só da musa que enfeitiça o compositor, mas também da musa que o emociona. Como foi o caso desta

Nos tempos do finado orkut, estava eu fuçando o perfil de meu chegado Sérgio-Veleiro, quando deparei-me com um comentário que lhe deixara uma moçoila: "Te amo 'decumforça'". Rapaz, aquilo me tocou tão profundamente, uma simples palavrinha assim grafada dessa forma espirituosa, e, emotivo que estava naquele dia (não sei se ajudado pelo vinho), quase fui às lágrimas

Fui lá em seu perfil verificar de quem se tratava. Bem, a moça era (é) prima de Veleiro. Ousadamente lhe enviei um convite pra que me aceitasse entre seus amigos, e, após seu "sim", vi que conhecera uma pessoa especial: carinhosa, engraçada, inteligente... Demo-nos tão bem que, por conta de seu parentesco com Veleiro e de minha amizade com este, passamos a nos tratar de primos

Pois bem, essa musinha é dada a neologismos bem cearenses, de deixar a gente com um sorriso largo no rosto. Porém, são invencionices de moça erudita, pois a sujeita tem diploma de bibliotecária e tudo. Voltando ao bendito "decumforça", essa palavrinha não saiu de minha cabeça durante um bom tempo, e o jeito foi fazê-la canção, pra ver se eu me curava dela.

Assim que acabei por escrever uns versinhos que batizei de, justamente, "Decumforça", assim mesmo, do jeito que ela escrevia. E, como naquela época Clarisse me atendia, enviei-lhe a letra, e não demorou muito pra que ela me mandasse a canção que fez dela. Ah, faltou dizer o nome da musa (que tem nome de musa): Wanessa Holanda

“DECUMFORÇA”

Se o seu amor vive preso
Numa camisa de força
O meu é intenso e surpreso
Amor, paixão, dor, desprezo
Só sei sentir “decumforça”

É fácil falar que ama
E dar um amor miúdo
Quem deita na minha cama
Tem que saber comer grama
Tem que ser capaz de tudo

Do curso do sentimento 
Eu sou uma repetente
Só que me faltou talento
Pra riso de fingimento
E choro mostrando os dentes

Na hora em que o amor termina
Eu grito, gemo e esqueço
Sentir é a minha sina
Sentindo, a vida me ensina
Sorrindo eu pago o preço

Depois que morro, renasço
Só pra morrer novamente
Eu gozo e sangro no espaço
Deixo meu rastro onde passo
Não vou ficar pra semente 

***

2) A ESCOLHA DE SOFIA

Há alguns anos virou febre entre os leitores O Mundo de Sofia, romance filosófico de Jostein Gaarder. Não o li, mas fiquei muito tempo com esse título na cabeça. E, como já disse, quando fico com algo na cabeça (não me refiro a galhos), só sossego quando faço algo a respeito. O tal mundo de Sofia virou apenas Sofia, nome, aliás, muito bonito e poético

Daí que me lembrei dessa vez de um filme, A Escolha de Sofia, de Alan J. Pakula, protagonizado por ninguém menos que a queridinha do Oscar, lady Meryl Streep. Filme que, por sua vez, também foi baseado num romance, de William Styron. Bem, a tal escolha do filme é a que tem que fazer a personagem interpretada por Meryl, uma judia (chamada Sofia, obviamente) que, durante a Segunda Guerra, é obrigada pelos nazistas a escolher um de seus dois filhos pra ser morto.

O cérebro do ser humano é um negócio curioso. E o meu não fica atrás. Daí que ele pôs as engrenagens em funcionamento e começou a pensar numa terceira Sofia, inventou-lhe uma história, traçou seu perfil psicológico, enumerou suas manias e deu-lhe também uma escolha. Tudo isso em versos. E, mais uma vez, imaginei tais versos cantados pela voz pungente de Clarisse. E mais uma vez lhe enviei uma letra. E mais uma vez não me surpreendi ao me surpreender com o resultado da canção. Resultado esse que ora compartilho com vocês, pra que façam suas próprias escolhas:

A ESCOLHA DE SOFIA

Sofia
Sofria de solidão e filosofia
De diabetes e noites em claro
Não raro, de cólicas e poesia

Entrava depressa em depressão
E, devagar, em drogaria
Vivia em certa contradição
Porque chorava enquanto sorria

As coisas, via com distorção
Não só por sua miopia
Bebia cachaça com limão
Pra ter a impressão de alforria

Fumava maconha até cair
Pra ver duendes na cozinha
Às vezes comprava um suvenir
Lembrando de amigos que não tinha

Fingia orgasmos de manhã
Pra comover a vizinhança
Não era louca, nem era sã
Talvez fosse santa ou criança

Um dia, Sofia deixou de sofrer
Se viu distraída e vazia
Sem o sofrimento pra lhe dar prazer
Sofia escolheu morrer de alegria

***

3) ROMA

Dia desses encontrei um artigo meu "perdido" na net, mais especificamente no jornal virtual O Toque. Fiquei feliz à beça, sobretudo porque se trata de um texto que eu não tinha em meus arquivos. Nem me lembro de quanto tempo faz que o escrevi, por isso não posso pôr data. Mas acho que ele vem a calhar nesta coluna. A ele, pois:

Chico Buarque pode até entender a alma feminina, mas eu tenho cá minhas dúvidas. Ora, se até o Criador se enganou com Eva… Mas, por falar em criador, e já que o assunto é criação, vou desvendar alguns segredos de se compor no “eu lírico” feminino. Ao menos os meus segredos. Uma das coisas básicas é a atenção. Perceber comportamentos, gestos, tiques nervosos, afetações, sinceridades, a linguagem do olhar, perceber as reações diversas da mulher em algumas circunstâncias, em comparação às do homem, tentar penetrar o mais fundo possível em sua alma (eu disse “possível”). Há também aquelas canções em que o compositor escreve o que gostaria de ouvir. Mas não é o caso desta. Muito pelo contrário…

Roma nasceu de uma briga. Aliás, de um monólogo. O compositor em questão, estando praticamente inocente de uma acusação, ouvia poucas (muitas) e boas da patroa… Perdão, esta palavra, utilizada nesse contexto, merece um comentário. Já se perguntaram por que alguns maridos chamam suas esposas de patroa? Porque alguns maridos são funcionários do casamento! Voltemos: dizia eu que o compositor estava ouvindo poucas e boas da patroa por algo que ele não havia feito, e, se houvesse feito, teria sido sem querer. 

Diz a experiência que o melhor a se fazer nesses casos é calar-se. Mesmo porque quem grita não ouve, e, pra ser ouvido em tal circunstância, há que se gritar mais alto, o que não é aconselhável a pessoas que possuem cordas vocais frágeis, como é o caso do compositor em questão. De maneira que nosso herói ouvia tudo calado. Outro agravante é que, quem possui cordas vocais frágeis, possui tímpanos ainda mais delicados. 

Ao constatar isso, nosso Quixote do Ceará percebeu que sua presença naquele recinto, naquele momento, não estava agradando sua nipo-Dulcineia, e foi dar uma volta. Outros iriam beber. Ele não. Resolveu caminhar, e, enquanto caminhava, ia fazendo a reconstituição dos fatos. E, enquanto se repetia mentalmente “você é isso, você é aquilo”, foi nascendo a ideia pra uma letra. Justamente aproveitando (e exagerando) o texto da patroa, com boa dose de autoflagelo, nosso Dante dos trópicos se viu compondo a letra de Roma, utilizando-se do famigerado “eu lírico” feminino.

A letra ficou anos arquivada, até que o autor conheceu Clarisse Grova (ela sim, a dona da voz!) e viu nela as cordas vocais necessárias (e os respectivos pulmões) pra que a frase “Eu desejava ter um Nero e que pra ele eu fosse Roma” finalmente ganhasse seus devidos contornos dramáticos. Claro que a letra precisava de uma lapidação, pois, no calor do momento em que foi composta, alguns neurônios teimavam em comprometer o ato pleno da criação. Recauchutada a letra, foi questão de dias pra que Clarisse incendiasse nova Roma, pra delírio de patroas donas de abençoadas cordas vocais. Ei-la:

ROMA

Sabe por que me desespero?
É porque você não me toma
Eu não suporto um morto, um mero,
De olhos abertos, mas em coma

Sabe por que você é um zero?
É que você pra mim não soma
Eu desejava ter um Nero
E que, pra ele, eu fosse Roma

Sabe por que já não te quero?
É porque você não me doma
Não faço parte do seu clero
Eu falo um outro idioma

Saiba você que uma amora
É com desfrute que se come
Cansei de ver chegar a aurora
No afã de saciar a fome

Saiba que quando você chora
Fica minúsculo o seu nome
Não sou escudo, nem escora
Sou fogo que não te consome

Só estou livre, sendo fera
Na jaula do meu domador
Foi pela fresta dessa espera
Que escapuliu o meu amor

***

4 comentários:

  1. Meu especial Parceiro. Cá estou, afinal: _não há quem resista a essas palavras doces e apimentadas. Léo, estou tentando me achar por aqui (POA). Em maio, irei pro Rio pegar um fôlego carregado de maresia, aproveitar os bandolins, pandeiros, bordões e sopros, para lançar meu novo CD com o Bandolinista Afonso Machado. QUE TAL? Estou com umas 4 letras me acompanhando aos lugares que mal conheço, daqui a pouquinho, teremos novidades. Bj, Parceiro querido.

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    1. Na impossibilidade de te ver, é sempre bom te ler (e ouvir), parceira querida. Espero que tenha recebido com leveza a carinhosa cobrança. No mais, fiquei sabendo pelo Alan desse seu novo trabalho e fiquei encafifado pensando em que fim terá levado o "Coragem", que, de quebra, continha umas contribuições minhas. Diga lá!

      Ah, e parabéns! Com atraso, mas com sinceridade!

      Beijos do
      Léo.

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    2. O "CORAGEM" está sendo lapidado. Os menores detalhes, te conto pessoalmente. Me aguarde. Bjs

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    3. Valeu, parceira! Fico no aguardo deste trabalho, que, pelo jeito, vem sendo lapidado com coragem e com cuidado.

      Beijos do
      Léo.

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