Meu camarada Vlado Lima (que me autorizou a tratar do assunto aqui) escreveu dia desses no facebook que
havia sido convidado a fazer parte do júri de um concurso de sonetos,
mas que declinara do convite porque o cachê não valia o aborrecimento de
ter que perder seu escasso tempo analisando uma forma de poesia que
não lhe agrada. Caí de paraquedas no assunto e comentei que o problema talvez
não seja o soneto em si, mas a (hipotética) falta de ousadia dos novos sonetistas, que ainda se rendem ao tradicionalismo. A resposta de Vlado
foi categórica: ele acha que a métrica do soneto limita a inspiração, e
foi tão enfático, que chegou a acrescentar que nem sequer curte muito
os sonetos sujos de Glauco Mattoso, o que pra mim foi uma surpresa, pois sempre achei a poesia de Vlado um tanto, digamos, mattosa.
Como dizem, contra gosto não há argumento, mas fiquei pensando que, então, o problema de Vlado não seria apenas com o soneto, mas com toda categoria de poesia que tenha métrica preestabelecida. Assim, ele estaria mais pra Mário de Andrade que pra Manuel Bandeira, e sua poesia de versos brancos e livres não me desmente. Deixemos Vlado e suas convicções de lado, afinal, o importante é que ele é bom no que faz e ficamos todos felizes em servir-lhe tanto de leitores quanto de plateia. Contudo, como reparei que suas palavras fizeram eco em desavisados leitores, resolvi tirar o pó de minha coluna Cançonetas, dedicada justamente a sonetos musicados, e explicar aos antissonetosos que eles podem até não gostar, mas não devem ter preconceito de estilo.
Na própria canção popular temos muitos exemplos que me ajudarão a defender a arte feita dentro de limitações estéticas. Não preciso ir muito longe, basta dizer que muitos clássicos de nossa hoje tão malhada MPB foram compostos tendo os letristas se submetido à métrica das melodias que lhe caíam em mãos. Pra ficar no suprassumo de nosso cancioneiro, os maiores clássicos de Tom e Vinicius nasceram assim: Tom enviava a melodia pronta a Vinicius, e este compunha seus versos sobre o laialaiá jobiniano, transformando-o em Garota de Ipanema, Eu Sei que Vou te Amar e tantas outras. E foi pensando nessas (e noutras) coisas, que resolvi ousar, fazendo justamente o oposto: enviando uma série de sonetos meus aos parceiros e desafiando-os a que compusessem melodias sem mexer na estrutura métrica desse tipo de poema. A seguir compartilharei com vocês o resultado de três dessas experiências:
1) BALADA DO AMOR CLICHÊ
Como dizem, contra gosto não há argumento, mas fiquei pensando que, então, o problema de Vlado não seria apenas com o soneto, mas com toda categoria de poesia que tenha métrica preestabelecida. Assim, ele estaria mais pra Mário de Andrade que pra Manuel Bandeira, e sua poesia de versos brancos e livres não me desmente. Deixemos Vlado e suas convicções de lado, afinal, o importante é que ele é bom no que faz e ficamos todos felizes em servir-lhe tanto de leitores quanto de plateia. Contudo, como reparei que suas palavras fizeram eco em desavisados leitores, resolvi tirar o pó de minha coluna Cançonetas, dedicada justamente a sonetos musicados, e explicar aos antissonetosos que eles podem até não gostar, mas não devem ter preconceito de estilo.
Na própria canção popular temos muitos exemplos que me ajudarão a defender a arte feita dentro de limitações estéticas. Não preciso ir muito longe, basta dizer que muitos clássicos de nossa hoje tão malhada MPB foram compostos tendo os letristas se submetido à métrica das melodias que lhe caíam em mãos. Pra ficar no suprassumo de nosso cancioneiro, os maiores clássicos de Tom e Vinicius nasceram assim: Tom enviava a melodia pronta a Vinicius, e este compunha seus versos sobre o laialaiá jobiniano, transformando-o em Garota de Ipanema, Eu Sei que Vou te Amar e tantas outras. E foi pensando nessas (e noutras) coisas, que resolvi ousar, fazendo justamente o oposto: enviando uma série de sonetos meus aos parceiros e desafiando-os a que compusessem melodias sem mexer na estrutura métrica desse tipo de poema. A seguir compartilharei com vocês o resultado de três dessas experiências:
1) BALADA DO AMOR CLICHÊ
O compositor Leoni é um marqueteiro de primeira, vira e mexe sacode o pó da mesmice atiçando seus fãs a participarem de seu processo criativo, inventando concursos de composição cujo prêmio é a "honra" de que o vencedor se torne seu parceiro. Cheguei a participar de um destes, mas, como o voto era popular, e assim ganhava quem tivesse mais amigos com tempo pra votar, achei que não valia a pena participar de outros. Contudo, pra um destes ele compôs um soneto, que seria musicado pelos concorrentes. Não sei quem ganhou, nem vem ao caso, o fato é que as muitas melodias que participaram desse concurso e não ganharam ficaram órfãs de letra. E eu, na condição de letrista afim, cheguei a letrar algumas delas. Como foi o caso desta, de autoria de Álvaro Cueva e Leonardo Costa. Nesse caso, houve um processo interessante: compus um soneto pra uma melodia que já existia, visto que esta, por sua vez, havia sido composta pro soneto de Leoni. Leiam (e ouçam) o resultado:
BALADA DO AMOR CLICHÊ*
Álvaro Cueva – Leonardo Costa – Léo Nogueira
Cansei desses amores operários
Que trazem um crachá por sobre o peito
Amores pensionistas, perdulários,
Que, quando acabam, vão parar em pleito
Cansei desses amores seriados
Que cospem seus clichês como quem cria
Amores repetidos, formatados,
Doutores em modernas velharias
Melhor arder no gelo da Sibéria
Do que sorver veneno de outra artéria
Prefiro amar a mim a amar ninguém
E, assim, de bem comigo, bater asas
Ver, onde quer que eu durma, minha casa
Enquanto o verdadeiro amor não vem
***
Meu mano Marcio Policastro é um compositor tipicamente urbano, que curte temas ácidos e pungentes e prefere musicar letras que não possuam uma métrica certinha (e nisso é uma exceção), pois diz que assim consegue que as melodias não fiquem "quadradas". Portanto, quando componho alguma letra que possua as duas supracitadas características, não penso duas vezes, envio-lhas. Só que no caso desta Maus Lençóis, que, como vocês já sabem, é um soneto, tive que usar de alguns subterfúgios pra que ele não corresse dela como o diabo da cruz. Assim, carreguei-a no apimentado da acidez e construí versos que, embora possuíssem a mesma métrica, não deixassem transparecer. O resultado é a canção que ora ouvirão. Ah, quando disse a Poli que se tratava de um soneto, já era tarde. Sobraram os versos que, não, não plagiei:
2) MAUS LENÇÓIS
x
Marcio Policastro – Léo Nogueira
Sobraram versos vãos que plagiei
Tão falsos quanto o amor que nós fizemos
Os maus lençóis nos quais já fui um rei
E onde eu vendi bem mais que a alma ao demo
O cheiro do perfume mais vulgar
Que, pra me enfeitiçar, fulana usou
O salto que inventou de se quebrar
No exato instante em que eu perdia o gol
Sobraram muitos cacos pelo chão
De taças, de garrafas, de paixão
Nos quais cortei o coração e os pés
E as sobras 'inda mais me assombrarão
Nas noites em que irei, na contramão,
Buscar o seu amor noutros bordéis
***
3) VALSA DA ILUSÃO
Zebeto Corrêa – Léo Nogueira
Tínhamos tudo pra não dar em nada
Naquela noite em que te conheci
Você vivia sonhando acordada
Já eu, me embriagava pra dormir
Era o meu rosto uma noite sem lua
O seu sorriso era um sol de verão
Eu tropeçava em lembranças na rua
Você dançava a valsa da ilusão
Só que o destino, esse louco cupido,
Entrelaçou meu jeans em seu vestido
E quase cremos num final feliz
Porém, partir é minha natureza
Eu fui, e a dor te aumentou a beleza
E eu consegui mais uma cicatriz
***
***
Rarará! Grande Léo. Toda rima é pobre.
ResponderExcluirVlado, com você eu não discuto, porque você é chapa-branca, digo, verso branco. Hahaha!
ExcluirAbraço,
Léo.
Soneto é lindo! Admiro quem tem esta maestria. Soneto não precisa ser antiquado, nem cheio de frescuras e fru frus.. Soneto pode ser assim... ferino... moderno.. coloquial. Ouvindo. Encaixaram-se perfeitamente nas belas melodias. Parabéns a todos.
ResponderExcluirPS: Sou meio "Vlado": implicante com regras e métricas, mas às vezes, quando acabo de escrever, percebo que fiz um soneto... Bah! Sem querer não vale né. :)
Anja, já dizia Pessoa que tudo vale a pena se a alma não é pequena. Assim, sem querer também vale. rs
ExcluirNo mais, concordo com você, soneto, diria mais, poesia em geral – mesmo a rimada, viu, Vlado? – não precisa ser antiquada. Quando a trazemos pra nossos tempos, estamos, sim, reverenciando os grandes mestres, pois não a engessamos, atualizamo-la.
Obrigado pela visita, pelo comentário e, sobretudo, por ter gostado. rs
Beijos,
Léo.
No fundo o preta mesmo são grandes poetas;de rimas brancas,pobres ou ricas,se o autor for ruim,vai ser ruim com rimas ou sem rimas.Mas devemos agradecer ao Vlado de Rimas Brancas, por ter provocado essa discussão e disso ter saído esse texto sensacional e de muito valor. Beijos
Excluir*presta
ExcluirValeu, Lucinda!
ExcluirBeijos,
Léo.