domingo, 12 de junho de 2011

Ninguém me Conhece: 46) Caminhando nos caminhos de Eduardo Santhana

Não sei se a MPB se afastou do povo ou se o povo se afastou da MPB. O fato é que esta sigla, que erroneamente ficou vinculada a um estilo, hoje parece que afugenta o público como a cruz ao diabo. O que chega a ser um contrassenso, visto que seu "P" vem de popular. Lenine, certa vez numa entrevista, ao ser pelo entrevistador chamado de um dos expoentes da "nova" MPB, saiu-se da incômoda posição dizendo que não fazia MPB, e sim rock.

1) Samba das Índias (Eduardo Santhana - Juca Novaes)
Juca Novaes e Eduardo Santhana

Pode ser que tal se tenha dado em parte por essa postura de afetada altivez que ostentam alguns "medalhões", que soa um tanto deslocada da realidade dos atuais tempos (mais de "ralação" que de ostentação), além de prejudicar a imensa leva de novos artistas que ainda compõem tendo a tal sigla como referência. Por sorte, vez em quando esbarramos em algumas exceções. E foi justamente se valendo delas que Eduardo Santhana confeccionou o belíssimo Voz & Pianos, seu primeiro trabalho solo em tantos anos de carreira.

Conheço o moço desde os tempos em que ele era o Edu Santana, que possuía uma bela discografia em dupla com o parceiro Juca Novaes, com quem também mantinha (e ainda mantém), paralelamente, o bonito trabalho com os Trovadores Urbanos. Contudo, foi no circuito de festivais que me aproximei mais dele e pude conhecer a bela pessoa por trás do cantor grande e grande cantor.

No Brasil, celeiro de brilhantes cantoras, fala-se sempre dessa profissão no feminino, mas Edu (pra mim é sempre o Edu) está aí pra provar que o sexo masculino também está bem servido no quesito voz. E foi explorando a sua que ele, também belo compositor, juntou a nata do piano brasileiro pra formar com ele o supracitado disco, no qual suas próprias composições aparecem em segundo plano.

Por falar em composições, antes de tratar do novo disco, gostaria de me ater um pouco a elas. Certa vez Edu me disse que era capaz de fazer, se quisesse, três ou mais canções num só dia. Admitiu mesmo que já lograra tal feito, pra meu espanto (quer dizer, já fiz três letras num mesmo dia, mas numa época em que minha falta de senso me permitiria fazer umas dez... todas esquecíveis). Claro que tudo o que fazemos bem é fruto de aprimoramento. Existem técnicas por meio das quais se pode chegar a um resultado bastante satisfatório, mas existe, no entanto, o perigo da vulgarização da arte da criação. Edu, no entanto, assume os riscos e, sabedor disso, alcançou uma obra bastante relevante, com melodias belas que, amparadas pelas belas letras dos parceiros, casam harmonicamente com sua voz.


2) O Quanto Eu Gosto de Você/Lembra de Mim (Eduardo Santhana - Ivan Lins - Vítor Martins)
Eduardo Santhana e Ivan Lins (piano)

Mas Edu, quando necessário, também sabe manejar a ferramenta dos versos em suas melodias (e alheias). Por essas e outras nossa parceria é bissexta. Acrescente-se a isso seu romantismo escancarado e despudorado, que não combina muito com meus versos cheios de fel e carentes de finais felizes. Uma rara parceria nossa, 18 Luas, nasceu meio que por encomenda de Edu, que me deu todos os ingredientes de como se fazer uma letra romântica. Segui à risca, mas, pra não fugir demais do costume, na última estrofe pus abaixo o castelo de areia do protagonista, pra tristeza de Edu, que, apesar de ter gostado da letra, desabafou comigo: "Pô, parceiro, precisava fazer o cara sofrer tanto assim?". Só pra ilustrar, colo-a abaixo:

Se eu pudesse te amar só por um dia/ Te daria um jantar à luz de velas/ Cantaria uma valsa à capela/ Esse dia jamais acabaria./ Se eu pudesse beber a sua boca/ Que é pro meu paladar um vinho tinto/ Transformaria em lei o que sinto/ O impossível seria coisa pouca./ Nosso leito seria um tapete voador/ Te faria ouvir tocar os anjos/ Suas harpas, seus banjos, vocais e seus arranjos/ E eles cantariam apenas (todo o) nosso amor./ Se o meu corpo sentisse seu perfume/ Eu poria as estrelas em seus brincos/ Cobriria de ouro nosso zinco/ Tornaria prazer o que é ciúme./ Num planeta em que eu fosse seu amante/ Brotariam do céu 18 luas/ Via láctea seria nossa rua/ E a Terra, um grão no horizonte./ Se eu pudesse te amar só por um dia/ Nunca mais eu seria o que sou hoje/ Mas, por não me notar, você nem foge/ Ah, se eu tivesse o poder, libertaria/ Esse deus preso dentro da minha covardia.

Ele tinha razão. Sua voz doce e sua interpretação emotiva combinam mais com esse amor príncipe, tendo ele mesmo o biotipo de um: alto, bonito, elegante, sorridente, gentil... Parece mesmo personagem saída dos livros feitos pra adolescentes sonhadoras. O genro que toda mãe pediu a Deus. Tanto que, quando canta, podemos ouvir os suspiros da plateia. Um de seus bordões é, ao mostrar uma canção nova ao público, perguntar-lhe se esta tem cara de tema de novela das seis, das sete ou das oito...

Bem, voltemos ao Voz & Pianos. Da mesma forma que Edu não se envergonha de seu romantismo, também não tem pudores de se saber representante da nova geração da MPB (o que é distinto de ser da "nova MPB"), com maiúsculo. E foi assim, sem concessões, que escolheu um repertório classudo e convocou os maiores bambas do piano nacional pra formarem a seleção de seu disco (vale acrescentar que ele próprio bom pianista não se furtou a deixar também seu registro). No entanto, sem querer (querendo), inovou. E ainda sem concessões trouxe ao público um trabalho duplo (CD e DVD)!

Mas a parte mais difícil desse trabalho seria justamente juntar todos esses nomes num mesmo palco pro show de lançamento. E ele conseguiu, em parte. Foi assim que em duas noites o público paulistano, boquiaberto, assistiu, no Sesc Vila Mariana, à realização desse sonho/projeto de Eduardo Santhana. Como Kana tinha show na quarta, dia 8, fomos prestigiá-lo na terça, dia 7 último, e pudemos nos emocionar com sua emoção ao lado de Amílton GodoyFiló MachadoJoão DonatoLaércio de FreitasMichel Freindenson, Pichu BorrelliSueli Costa... Deu gosto ver um parceiro tão bem acompanhado (e vontade de ir no outro dia...) proporcionar a seu público espetáculo tão raro, o que por si só fez valer a pena sair de casa num dia em que um vendaval e uma chuva daquelas castigaram ainda mais a já tão castigada Terra da Garoa.

Por fim, acerca de Voz & Pianos, deixo-os com palavras de Juca Novaes: "Eis, enfim, um produto sem prazo de validade, o chamado disco atemporal, digno de ser ouvido com prazer daqui a anos e anos, pelos ouvidos de quem aprecie música de boa qualidade" e Mauro Dias: "A voz grave, melodiosa, densa, de Eduardo Santhana, eventualmente comparável à de Dori Caymmi, no que tem de entrega absoluta e irreversível, confere unidade ao cardápio tão diverso de composições, pois é sua personalidade que nos conduz pela viagem de sonho a tantos quadrantes da canção brasileira. Não acredito que alguém não suspire - sonho realizado -, finda a audição."

3) Até Quem Sabe (João Donato - Lysias Ênio)
Eduardo Santhana e João Donato (piano)

Ah, faltou dizer que Edu, a despeito de todo o romantismo e da pinta de príncipe, é um camarada dos mais engraçados que já vi. Impossível não rir de ter câimbras após meia hora de papo com ele. Quando se junta ao parceiro Rafael Alterio então, é nonsense total! Daí fica a pergunta: terá sido seu lado humorista que resolveu alargar o Edu e agregar o "H" ao sobrenome ou terá sido sua porção astrológica? Quer saber?, acho que foi uma tática pra ser encontrado mais facilmente numa pesquisa a São Google...

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Edu está no myspace.

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4 comentários:

  1. Parceiro,
    Conheço este moço de longa data. Já cantamos nos Trovadores, cantamos em festivais, em bares e, por fim, uma parceria nascida em Madrid.
    Sou fan do artista e da pessoa. Como vc diz no texto, é impossível estar ao lado dele sem soltar uma risada.
    Abraçao, Léo.

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  2. Salve, Pedro! Rapá, você daí de longe conhece todo mundo, hem? Bom saber que você é parceiro de meus parceiros.

    Abraços do
    Léo.

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  3. Olá Léo!
    Belo texto. Eu não conhecia Pedro,será? Não importa,vou colar nele.
    Estas suas falas dá um belo fórum de discussão... mas existe, no entanto, o perigo da vulgarização da arte da criação...
    Quem sabe um dia sentamos e conversamos a respeito.
    Beijos de carinho e admiração
    Lucinda Prado

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  4. Lucinda, querida:

    Antes de mais nada, acertemos a sintonia: o texto é sobre o Eduardo Santhana. O Pedro Moreno fez o comentário acima, ao qual respondi. Talvez você, contaminada pelos dois comentários, tenha trocado os nomes.

    Quanto ao fórum, bora lá. Realmente levantei algumas questões "pra mais de manga" aqui.

    Beijão do
    Léo.

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