sábado, 13 de setembro de 2014

Trinca de Copas: 26) Dose tripla de Madan

Neste sábado, 13 de setembro, liguei o computador, entrei no facebook e, à queima roupa, fiquei sabendo do falecimento de Madan, gênio da música, amigo meu e parceiro querido. Não consegui conter as lágrimas, e o pranto rolou solto, farto. Fiquei pensando não em sua morte, mas em todos os amigos que, por um motivo ou por outro, se afastaram de mim, e quis tê-los todos perto, sentindo um medo medonho de também perdê-los. A vida é muito curta pra gastarmos com picuinhas, diferenças (viu, EC?). Portanto, venho por esta declarar meu amor incondicional a todos os amigos. Zé Rodrix já dizia que os amigos são a verdadeira família, pois são a que escolhemos. E eu tô com ele e não abro.

Madan foi um de meus primeiros ídolos que conheci de perto. Como eu já era amigo e parceiro de Élio Camalle e Daisy Cordeiro, dois artistas que tiveram seus primeiros trabalhos lançados pela Dabliú Discos, de Costa Netto, que também havia lançado o primeiro CD de Madan, acabei entrando em contato com sua obra, especialíssima, voltada ao difícil ofício de musicar poemas. Camalle certo dia me emprestou o primeiro CD de Madan, e, confesso, nunca o devolvi. Fiquei tão viciado nesse CD, que, quando vim a conhecer Madan pessoalmente, quase não consegui lhe falar com naturalidade.

E, pior, posteriormente, em minha ingenuidade de poeta menor, compus dúzias de pretensiosos poemas, na intenção de ter um deles musicado por Madan... inutilmente, claro. Madan, sincero como a lâmina mais afiada, sempre me dizia que ainda não era a hora. Até que acabamos ficando amigos, e ele certa vez me perguntou: "Bardo Léo, afinal, o que é o amor?" Estava ele, como sempre, sofrendo de dores de amores. Não podendo ajudá-lo, optei por pôr o dedo em sua ferida, e escrevi a letra do que viria a ser O Amor e Outras Inutilidades. Tiro e queda! O que não havia conseguido com minha pretensão, consegui com minha (nossa) verdade. E, na sequência, compusemos mais duas belíssimas canções que ora resgato, como uma forma de homenagear esse inesquecível cara.


Podia ficar aqui falando de Madan por incontáveis parágrafos, mas nada diria mais do que o que fizemos juntos. Madan (quem o conheceu sabe) era um cara com um ou dois parafusos a menos (como todas as pessoas dignas de nota), agregador, generoso, dono de um coração imenso. Não só foi quem deu "liga" ao grande CD 1 do 1 do 1 (que tinha como membros ele próprio, mais Élio Camalle, Kléber Albuquerque e Luiz Gayotto), mas, sobretudo, deu a maior força a Kana, quando ela ainda não passava de uma japa desconhecida com um punhado de canções. 

Hoje, nesse fatídico e belo 13 de setembro, quis o destino que justo Kana e Adolar Marin (outro grande amigo de Madan) subissem ao palco da Casa das Rosas, em mais um Chama Poética, de Fernanda de Almeida Prado, pra celebrar a arte do encontro, finalizando com o talvez maior sucesso de Madan, Raridade (parceria com José Paulo Paes). Sei que ele, onde quer que esteja, se sentiu tocado com nossas lágrimas. Madan, meu velho, eu, que sempre satirizei sua casmurrice, sei que hoje você deve estar lendo essas maltraçadas de cima de uma inalcançável geladeira. E eu te prometo uma coisa: a partir de hoje, vou abraçar meus amigos como se não houvesse amanhã... E quem sabe se haverá...

Essa primeira gravação, Madan me pediu que não mostrasse a ninguém, pois era uma primeira mix de seu novo disco. Traio sua confiança, mas como o fez o amigo de Kafka. Sei que ele me perdoará.

1) O AMOR E OUTRAS INUTILIDADES
O AMOR E OUTRAS INUTILIDADES
Madan – Léo Nogueira

Eu não sei nada do amor
E o amor, de mim,  não sabe
Pra que ele serve? Onde vou pôr,
Se não me ferve e não me cabe?
Se tem alguém aí, me salve!

Não tá nos livros da estante
Não tá na net ou no mercado
Não tá no corpo da amante
Se tava aqui, eu fui roubado
Quero ao amor ser condenado!

Será uma invenção de Deus?
Mas se até Deus foi inventado?
Será que nasce com o adeus?
Estará longe ou do meu lado?
Se ele é um vício, eu tô curado!

De que me adianta saber tudo,
Fazer canções, ser bom amigo,
Se meu coração vive mudo
Não fala aos outros, nem comigo
Quero sentir, correr perigo!


Não me disse o psiquiatra
Não li na bula do remédio
O tiro saiu pela culatra
Se era amor, se tornou tédio
Plantei uma flor, cresceu um prédio


Se não o descobrir, eu morro
Só aprendi a sentir dor
Em vão eu grito por socorro
Alguém me ame e, se não for
Amor, me ame por favor!
Se tem alguém aí.

O registro das duas canções seguintes foi tomado no frescor do momento em que foram compostas. Portanto, relevem a insegurança que as gravações não escondem.

2) DENTRO



DENTRO

Me tira daqui
De cima dessa estrada sem placa
De dentro dessa língua de faca
Debaixo desse claro de sol

Me tira daqui
Da frente dessa porta entreaberta
De dentro dessa dúvida certa
De perto desse imenso paiol

Me tira daqui
Do meio desse vento que inventa
De dentro dessa massa cinzenta
De cima dessa falta de chão

Me tira daqui
De junto dessa gente sozinha
De dentro dessa dor que eu não tinha
Do medo de ter medo do fim

Me tira daqui
De fora da caverna em que estive
Das mãos dessa corrente de ar livre
De dentro desse dentro de mim
3) ÓCULOS ESCUROS


ÓCULOS ESCUROS

O olho do sucesso é cego
O olho do sucesso é gago
No olho do sucesso eu sossego
E cago

O olho do sucesso é ego
O olho do sucesso é vago
O olho do sucesso eu renego
E afago

No olho do sucesso há cisco
No olho do sucesso há asco
O olho do sucesso é um disco
Riscado

No olho do sucesso há mexa
O olho do sucesso é isca
O olho do sucesso se fecha
E pisca

O olho do sucesso me entrega
No olho do sucesso eu penetro
O olho do sucesso é sem prega
Vade retro!


***

8 comentários:

  1. Eu fiquei muito triste com essa noticia. Madan era um desses caras parceiros que viva metido em movimentos de cultura, rodando por shows, procurando parcerias pra compor. Um cara, alegre, amoroso, inteligente, papo bom. Uma das primeiras vezes em que o vi foi num movimento encabeçado por ele numa casa (não lembro o nome) na Inácio Pereira da Rocha, e assim, muitas vezes. Participou em muitos encontros do CLIC (Com Leo Nogueira, Elio Camalle, Eu, Marcia Salomon, Kleber Albuquerque, Fernando Forni, Rafael Alterio e por aí vai). O convidei muitas vezes para participar de shows (cantei muitas vezes a canção Pós Epitalâmiio, que eu adoro!), bem como ele me convidou muitas vezes para participar com ele, como por exemplo numa homenagem à Hilda Hilst). Madan era um artista que amava a Arte pela Arte. Não se dava muito bem com o resto que vem junto dela. A tendência de ir se isolando aos poucos o levou a São Thomé. A última vez que nos falamos foi há uns 2 anos atras (não foi fácil encontrá-lo), mas deixei recado e ele me ligou. ele estava bem. quando li a noticia, não acreditei, porque há alguns anos, ele próprio disparava na rede noticias sobre sua morte. Uma vontade imensa de voltar pra casa, né? Bom..ele conseguiu! Que a luz o guie pro melhor lugar! Boa viagem, amigo! Daisy Cordeiro

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Belo depoimento, Daisoca. Tenho saudades daqueles tempos também. Tenho certeza de que Madan está num bom lugar, reservado só pra pessoas especiais como ele.

      Beijão,
      Léo.

      Excluir
  2. A primeira vez que o vi foi num festival de música, estes que acontecem pelos interiores do Brasil. Nao tenho na memória qual festival foi. Mas voltaríamos a nos ver muitas outras vezes nestes certames. Ficamos amigos. Lembro-me dele num churrasco na minha casa, em Sampa, onde rolou muita música. Depois que sai do Brasil fui vê-lo anos mais tarde num show que ele deu no teatro Clara Nunes, Diadema. Um espetáculo dinfantil delicioso, didático, com cançoes suas e de um poeta, cujo nome me foge à memória neste momento.
    De Madan só guardo boas recordaçoes. Muita luz para ele onde quer que esteja.

    Abraço, Léo, parceirao arretado.

    ResponderExcluir
  3. Nas letras, fica claro que Léo Nogueira encontra e descreve a alma de Madan. As canções nos mostram um momento de vida! Na mão do Artista, mesmo o tormento vira Arte!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato, Tatíssimo! E também por reparar nas canções. E por elas que as verdades transparecem.

      Beijão,
      Léo.

      Excluir
  4. Oh, não! Que notícia triste...
    Madan, avoou
    "No vento
    onde deve haver deus
    vivo,
    não visto
    no que se não vê"
    Força aí, primoroso!
    Saudades múltiplas...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala, Auri, minha primorosa querida! E põe múltiplas nessas saudades!

      Beijão,
      Léo.

      Excluir