sexta-feira, 25 de maio de 2012

Crônicas Desclassificadas: 41) João Pereira Coutinho e eu

Tenho uma relação de amor e ódio com a Folha de S.Paulo. Quando cursava o então 2° grau, em minha classe apenas um rapaz tinha o hábito de ler jornais todos os dias (que eu soubesse). E ele lia a Folha. Só que, como não tinha opinião formada sobre nada, quando tinha que opinar sobre qualquer assunto, limitava-se a repetir o que lera. Tempos depois, quando meu salário passou a me permitir certos luxos, resolvi assinar a dita Folha. Mas não por causa de meu colega de classe, muito pelo contrário, acho que se deu por conta de uma promoção, sei lá, pelo acaso...
O fato é que o tempo passou e me vi cada vez mais dependente da Folha. E ler jornal é um aprendizado, como qualquer outro, que demanda tempo. Em primeiro lugar você lê as generalidades, depois um ou outro colunista te ganha, depois outro e mais outro, até que você não se imagina terminando o dia sem ler todos aqueles caras. Eu gastei anos assinando a Folha sem ler a página 2, simplesmente porque política não me interessava. Até que um dia, por acaso, o título de um artigo me chamou a atenção e eu o li. Era de Carlos Heitor Cony. A partir daquele dia, todas as manhãs, religiosamente, tinha que lê-lo. E, já que estava naquela página mesmo, comecei a ler os outros, como Clóvis Rossi etc.

Daí o tempo passou, fui me politizando, saquei a Veja, o Estado de São Paulo, a Época, e vi que a Folha era a melhor opção mesmo. Porém, mais um tempo passou, e eu comecei a desgostar dela. E parei de assinar. E voltei a. E parei de novo. E assim sucessivamente até os dias atuais (bem me quer, mau me quer, bem me quer...). Com o tempo, aprendi que, da mesma forma que não existe um governo perfeito, não existe um jornal perfeito. Todos são (somos) reflexos de uma sociedade.

E foi aí que descobri, meio que sem querer, João Pereira Coutinho. Ele, certamente, não é meu preferido entre todos articulistas que passaram pela Folha (lidos por mim, claro), mas ultimamente tem me seduzido. Não sei se por causa do "sotaque" português... Ah, preciso explicar: meu poeta predileto é Fernando Pessoa, o primeiro romancista que me tirou da zona de conforto foi Eça de Queiroz, muito tempo depois me fissurei em  José Saramago... Todos portugueses, perceberam? ...E agora pensei uma coisa: será um tesão intelectual do colonizado ante o colonizador? Pausa. 

Mas o fato é que Saramago morreu, deixando aquela lacuna. Daí apareceu do nada esse tal de João Pereira Coutinho, falando uns troços esquisitos, de um modo diferente, e me ganhou... Ou seja, depois que as torres gêmeas saramaguianas vieram ao chão, ele foi uma casinha humilde construída no local. Mas preencheu o vazio.  E me acostumei a ele, como nos acostumamos a tudo na vida. E me afeiçoei a ele. E, preguiçoso que sou, e saudosista que sou, imaginava-o um sábio ancião. Um momento! Talvez não tenha lido todos os seus artigos na Folha que caguetassem sua idade, ou li e não atinei pra... Mas só terça-feira passada suspeitei...

Num texto chamado Uma Herança, ele fala de revistas Playboys que "lera" quando garoto e cita Maitê Proença, Vera Fischer, Luiza Tomé!!! Todas minhas "homenageadas" na juventude! E fui, como diria Gil, averiguar... E descobri, estupefato, que o matusalém João nasceu no ano da graça de 1976! Ou seja, é cinco anos mais novo que eu! Não preciso dizer que isso "feriu meu ego". Procurei na internet por uma fotografia sua e vi ninguém menos que um babyface! Querem saber a real? Fiquei arrasado!

Talvez eu tenha parado no tempo, mas sempre me imaginei indo a um médico que fosse mais velho que eu, indo a uma faculdade onde o professor fosse mais velho que eu, ouvindo canções de um compositor que fosse mais velho que eu, lendo um artigo de jornal escrito por um cara mais velho que eu!!! ... O mundo mudou, mudaram as pessoas, mud... Desculpem o lugar-comum; não, não os vou expor às bizarrices que pensei, por ora basta dizer que fui a fundo em minha investigação e encontrei uma entrevista com o gajo. E fiquei mais besta do que sou vendo-o dissertar sobre assuntos que desconheço cabalmente...

Ninguém nunca disse que a vida é justa. Nem ninguém escolhe de dentro de que barriga vai ser expulso. Cada qual se alimenta com o que tem à mesa, educa-se na escola mais à mão, perde o cabaço com a pessoa que lhe coube, sustenta-se de acordo com o trabalho que calhou... Mas eu nunca vou deixar de sofrer pela educação que não tive, pelos livros que não li, pelas oportunidades que não me foram oferecidas (ou me foram e eu não estava apto...), enfim, não tenho medo de trabalhar, apenas enlouqueço paulatinamente por me sentir subaproveitado, por não ter coragem de gritar "basta, besta!", por não... et coeteras...

Deixando um  e voltando ao João, na tal da entrevista que vi, ele disse algumas coisas que me explicam e explicam o Brasil (e o mundo) de hoje. Resumindo porcamente, ele chamou a atenção ao fato de que tratar de política é mais importante do que tratar de arte, visto que se um país tem problemas políticos dificilmente seu povo terá clareza de raciocínio pra entender a arte. Em suas palavras: 

"Talvez exista algures um poeta, de preferência negro e homossexual... Nos Andes. [...] Talvez exista um gênio, embora eu não acredite que os gênios acontecem assim como um milagre cósmico, eu acho que é preciso uma cultura que permita às pessoas tomarem 'contacto' com a expressão artística, com a tradição, até pra subverter, [...] o lazer é a base da cultura [...]. Enquanto que países que têm problemas sérios do ponto de vista político não são capazes de produzir nada. Não porque os pobres sejam mais ou menos inteligentes, mas pura e simplesmente o 'facto' de viverem no meio de uma tormenta, no meio de uma tempestade, impede a constituição de uma linha cultural [...]."

Ok, é um bom argumento, não a verdade absoluta. O Brasil produz em meio à miséria de seu povo. Mas a produção de cultura no Brasil acaba virando souvenir pra burguês ou turista, é vista como coisa folclórica, exótica... Inofensiva! Como, sei lá, o Carnaval. Mas sempre mantendo-se a distância entre quem tem grana e quem não tem. E é aí onde entro eu. Eu sempre tive ambições a ser intelectual, eu sempre quis passar meses numa praia deserta rodeado apenas por uma garota, livros e silêncio... Fosse pra produzir, fosse pra adquirir cultura... Mas nunca pude... O relógio de ponto determina as batidas de meu coração.

E o que João Pereira quer dizer é que, mesmo havendo vida inteligente num país, culturalmente falando, se não houver público consumidor, esses criadores de cultura acabam ou ficando obsoletos ou tendo que se adaptar à realidade, corrompendo assim sua arte. Enfim, a entrevista com ele é longa; não vou dar o link aqui, se quiserem, procurem. É sempre bom mastigar antes de engolir. Mas o assunto não morre aqui. Dependesse de minha vontade, escreveria ainda o triplo do que escrevi, mas, se já não tenho muitos leitores habitualmente, prolongando-me mais, a masturbação intelectual seria ainda mais solitária.... 

Por ora finalizo com um detalhe importante nessa questão: João Pereira Coutinho (embora fale português) é europeu. E, quer queira ou não, eles (não necessariamente ele, mas ELES) sempre nos verão como seres hierarquicamente inferiores. Certa vez uma namorada italiana de um amigo meu (brasileiro), ao travar quinze minutos de conversa inteligente comigo, "homenageou-me" dizendo: "Nossa, você nem parece brasileiro!". Pois é... Mas o mundo está virando de cabeça pra baixo; os ignorantes brasileiros estão viajando mais, sonhando mais, fazendo mais... Cedo ou tarde, quando estivermos todos empanturrados do "necessário", talvez pensemos em dar um pouco do "supérfluo" a nossos filhos, pelo menos. Só lastimo não ser eu esse filho...

Obrigado, João Pereira Coutinho, por me ajudar a "pirar o cabeção".

***

10 comentários:

  1. Delícia de texto, Léo. Teria um monte de coisas pra comentar, mas agora não dá. Então, só pra deixar a marca da passagem, queria dizer que acho a visão do JPC sobre política&arte bastante elitista. Como vc comentou, pobre tb produz cultura e das boas - na música, por exemplo, é só olha pra gente, pra AL e pros EUA. Bem, e outra coisa, que já que meu negócio é ser do contra mesmo (!), ser intelectual não tem nada a ver com conforto físico - essa uma fantasia nossa, dos pobres, que invejam aquele tempo idílico do Sartre passando longos meses de férias/trabalho com a Simone (e no meio desse idílio eles ficavam sacaneando com os amantes... idílio? pra quem??...). Vc é um artista autêntico, capaz da ótima tirada: "O relógio de ponto determina as batidas de meu coração." É isso aí, Léo, pobre tb produz cultura e das boas, e pobre tb consome cultura, e das boas!

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    1. Oi, Mayra! Sempre bom conversar com você. Sim, não concordei com ele plenamente, como frisei. A arte nasce em todos os lugares, se bobear é mais fácil ela nascer na miséria que na riqueza, pois os ricos têm outras prioridades. Só concordo com o fato de que a pobreza, mesclada à pouca educação, dificulta a propagação dessa mesma arte que é feita, pois um cidadão mal instruído, como todos sabemos, é mais facilmente ludibriado, compra gato achando que é lebre só porque deu na televisão que gato é que é lebre. Isso impede a evolução do que ele chama "linha cultural". Quanto ao conforto com cultura, acho que tá mais próximo do centro; não do miserável, que tem que ralar; nem do rico, que tem que se esbaldar (e procurar manter ou aumentar sua fortuna); mas quem tá no meio é que tem mais ânsia por arte e cultura. Pena que o "meio" é minoria. Pelo menos no Brasil. Se pensarmos, por exemplo, num país como o Uruguai, essas distâncias são menores (até pelo fato de se tratar de um país menor), e o público consumidor, em termos de percentagem, é maior. Falta a um grande país transformar o excluído num profissional gabaritado, por meio da educação, pra que ele possa, aí sim, embasado, procurar um trabalho digno que lhe propicie o tal conforto e as ganas de consumir (ou gerar) cultura. O problema é que por aqui não há muito o interesse em que este deixe de ser excluído... Mas, como eu disse acima, "quando estivermos todos empanturrados do 'necessário', talvez pensemos em dar um pouco do 'supérfluo' a nossos filhos". Mas eu, que não tenho filhos, ainda quero, antes de morrer, provar um pouquinho disso.

      Beijos,
      Léo.

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    2. Concordo com tudo Mayra.

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    3. Pô, Eduzão, não conhecia essa sua faceta concisa... Hahaha!!!

      Abração do
      Léo.

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  2. Excelente reflexão... tendo um tempinho vou ler mais sobre o gajo. Vou procurar o link da entrevista e ler mais o que o moço escreve. Por enquanto valeu demais a leitura desse post. bjos Veleiro

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    1. Valeu, Sergim! É, o moço manda bem. Mas o mais importante disso tudo é fazer pensar, pois toda ação nasce do pensamento.

      Beijo,
      Léo.

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  3. Léo, desencanei geral de 'compreender' o momento atual, no Brasil e no mundo. Como disse o Millôr há alguns anos atrás: só entendi até agora coisas de 50 anos atrás. Atualidades, deixe pros historiadores futuros. Ainda mais este século XXI.
    Sobre arte, música, sobre nós: A arte acontece no silêncio, onde não é notada, e jorra, quando inevitável(porque nem tudo precisa 'jorrar' pra existir), como um vulcão que entra em erupção de repente: não havia atividade nenhuma em seu interior antes? O Brasil é cheio, sim, de arte!! Não toca, não aparece, não 'dá' no jornal, muito menos na Folha, Estado, Globo, que são hoje corporações, deixaram de ser veículos de comunicação há tempos (ou nunca foram!)
    E sobre JPC e os portugueses: são por demais 'realistas', full time, ad infinitum, e por isso mesmo diferem de nós, porque seu senso (que eu admiro, viu?) os leva a resvalar (ou cair mesmo) no que chamamos de pessimismo. Parecem não sonhar às vezes. É bom lê-los, mas com parcimônia.
    E, no mais: Viva!! E deixe viver! É assim que tenho tentado compreender, embora não compreenda!
    Ouça a minha Miguilim (meu codinome aqui, aliás), tá ali o que penso!
    Um beijo, meu parceiro!
    Dodô

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    1. É, Dodô! Somos diferentes deles por isso, essa eterna capacidade de sonhar, mesmo quando a vida anda um pesadelo (ou por isso mesmo). Como você frisou o "Miguilim", acrescento ainda outra virtude que temos: a "teimosia".

      Beijão, camarada,
      Léo.

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  4. oi léo! gostei dos comentários, estamos todos em sintonia! vou repetir aqui o que escrevi no nosso grupo do FB, ok? beijos

    "eu li seu texto, longo ou não, sempre leio quando o assunto interessa e consigo cavar um tempinho, claro.
    me identifiquei muito com o trecho em que vc diz que nunca vai deixar de sofrer pela educação que não teve, pelos livros que não leu, pelas oportunidades que não te foram oferecidas... tb não tenho medo de trabalhar, e tb enlouqueço, um pouco todo e cada dia, por me sentir subaproveitada.
    não que isto sirva de consolo, mas conhecemos muitas outras pessoas na mesma condição! não é? desperdício de talentos.
    mas não concordo com você qdo diz que a produção de cultura no Brasil é souvenir pra burguês ou turista, e que seja vista como coisa folclórica, exótica ou inofensiva. o mundo reconhece muito mais o talento do Brasil do que o pp Brasil.
    certo, não temos consumidores. no meu caso é bem triste: qdo conseguimos o dinheiro (muito alto) necessário para produzir, ele não chega ao público. e o que é um filme sem sala de cinema e sem platéia? nada! mas ainda assim produzimos muito e muito bem, com muita competência e excelência técnica. ainda a maioria sejam "filmes invisíveis" (como disse outro dia o José Geraldo Couto numa bela crônica no blog do IMS), ficarão marcados na retina e na alma de quem conseguiu assistir.
    tb como você, adoro o Brasil, os brasileiros, a nossa cultura, a nossa mistura, a nossa capacidade de invenção e de absorver (antropofagicamente, talvez) o mundo. o que vier eu traço!
    mas precisamos ter mais confiança no nosso taco, orgulho de nossa própria sabedoria e conquistas. humildade para tentar sanar nossas deficiências.
    o fato é que fomos e somos colonizados sim (de corpo e alma), por nossos queridos e intensos portugueses! e temos complexo de inferioridade ao nos darmos conta desse fato. teria sido melhor um colonizador mais potente ou poderoso. muitos dizem. será?
    pq será que a gente se importa tanto com a opinião do colonizador: italiano, português, belga, inglês... ou mesmo do paulista em relação aos nativos de outras partes do Brasil?
    mesmo que, no discurso, digamos o contrário, tb não gostamos de aprender com os mais jovens que nós (como esse Coutinho europeu e almofadinha, muitas vezes mordaz e pleno de argumentos inteligentes e cortantes, definitivos, como convém a um cronista de pasquim). quem sabe a psicanálise nos ajude nesses quesitos...
    fiquei com a sensação de que falei, falei e não disse nada. mas não tenho intenção de propor nenhuma conclusão mesmo. só de "bavardar" um pouco. e de me vingar, gazeteando, já que o trabalho (não criativo e que me sustenta) está aqui, na minha frente, à minha espera."

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    1. Helena, querida, aproveitando-me de sua tática (e da tal preguiça da Lúcia... rs...), também colo aqui minha resposta a seus comentários na lista do fb (assim se juntam aos dos demais colegas acima):

      " ‎Helena, uma delícia te ler também. Precisamos prosear mais. Bem, no fundo, estamos concordando. Acredito no talento dos brasileiros; quis escrever sobre o João P. Coutinho por conta de certas luzes que ele jogou em nossa escuridão, talvez por ver de fora. Tirei o chapéu pra ele quando disse que enquanto não pensarmos seriamente em política, nossos pequenos problemas culturais continuarão sendo empurrados com a barriga, como o fato de termos talentos muitos pra público pouco... E num país imenso!!!"

      E obrigado pela participação!

      Beijos do
      Léo.

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