quinta-feira, 5 de outubro de 2017

A Palavra É: 30) Rede

Quando levei minha esposa (que é japonesa, pra quem não sabe) pra conhecer a cidade em que nasci (Senador Pompeu, sertão do Ceará), tive algumas surpresas em relação a seu comportamento: a primeira foi o fato de ela ter adorado o caldinho, que meus parentes ofereciam religiosamente após o farto almoço, quase como se fosse uma sobremesa, mas na verdade sendo um prato sobressalente, só pros fortes. Eu, fraco, geralmente passava. A segunda coisa foi que ela, acostumada a dormir em tatames em seu país, adorou dormir em redes. Já eu, cearense corrompido por décadas de garoa, optava pela velha e boa cama (detalhe extrarredial: lá pras bandas de meu rincão o que não rola é tempo ruim; as mesas são fartas e a recepção é sempre acolhedora. Alguns parentes ficaram, inclusive, chateados porque não deu tempo de visitarmos todos).

Opa! Calma, não se precipitem! Eu adoro redes, mas pra mim elas funcionam mais pra una buena siesta vespertina, de preferência numa bela varanda numa região bucólica, pra eu relaxar balançando pra lá e pra cá, provavelmente tendo um bom livro à mão e nenhum compromisso agendado pra essa tarde (e quiçá as seguintes). Aí, nesse caso, e só nesse caso, a rede me sensibiliza. Noutros ambientes, prefiro a passividade da cama, que aceita as milhares de voltas e revoltas que meu corpo pratica durante a noite em cima de seu plácido colchão. E sempre sem travesseiro(!). Não que eu não tenha tentado. Sim, tentei, e não uma, mas muitas vezes. A ponto de chegar a acordar semiasfixiado preso dentro de uma rede (e de bruços!), depois de a ter girado mil vezes durante o sono. Por essas e outras, prefiro a terra firme ao mar. Não à toa, os armadores de rede que tenho em meu quarto permanecem até hoje virgens.

Lembrei-me de outra, a dos pescadores. Essa é uma que eu admiro. Imagine você não só sua intrincada feitura, mas também sua utilização. Enquanto o solitário pescador fica ali horas e horas com seu anzol e sua isca, muitas vezes cochilando, pensando na vida ou mesmo tomando um gorozinho (que ninguém é de ferro... fora o Homem de Ferro), os mais apressados, que não sabem brincar (de pescar), lá vão com suas enormes redes devassar as águas e puxar pelos cabelos das redes cardumes de distraídos peixes (e tudo o mais que elas encontrarem pelo caminho). E eu, que (ao contrário de meu sogro, grande pescador) nunca fui seduzido pelo prazer de uma boa pescaria, fosse por meio de redes ou de anzóis, agradeço a esses bravos trabalhadores pelo milagre dos peixes — e recomendo o livro O mar é uma outra terra, da querida Helena Tassara.

Outra rede de que gosto muito é a dos gramados (ou a das quadras). Ver um craque fazer um gol de placa e estufar as redes é um prazer redentor. Nessa hora, uma espécie de droga natural nos faz esquecer nossas mazelas diárias e nos transformamos todos em soldados liderados por esse herói artilheiro. E, quando somos nós o cara que faz o gol, aí há uma pletora irmã da orgástica percorrendo nosso corpo (e, por que não?, nossa alma). Confesso que em minha meteórica carreira nos gramados não senti esse prazer muitas vezes, mas nas quadras meu ambidestrismo já me levou a sonhar em ser um craque da pelota... Mas passou. Ah, sorry, people, por ser eu admirador do esporte com os pés, quase me esqueço das redes dos demais esportes. Que conste dos autos.

A rede é uma palavra multifacetada. Danadinha! Só quatro letras, e tantos significados... Se for tratar de todos, não termino hoje. Mas, já que estamos aqui, não custa pesquisar pra saber que rede vem do latim, rēte, no sentido de teia de aranha. Que não deixa também de ser uma rede onde muitos insetos desavisados têm seu sono derradeiro. Em contrapartida, há aquela rede que envolve certas camas, que impede justamente que insetos invadam o território do sagrado sono dos justos (e o dos injustos também, pra não sermos injustos com eles). Mudando de rede, há a rede no sentido de conglomerados, de empresas, organizações, bancos etc., mas essas, apesar de gerarem muita grana, não merecem mais que uma citaçãozinha básica minha. Só pra não dizer que eu não falei das redes.

Prefiro tratar da rede virtual, esta na qual todos caímos como peixes (ou como insetos em teias de aranha) e da qual certamente não escaparemos com vida — quer dizer, se o Kimzinho e o Trumpinho deixarem. Redes de intrigas à parte, sou até favorável a esta, pois nos trouxe muitas facilidades. Aproximou distâncias (minha esposa, por exemplo, dia sim outro também, fala com seus pais, que estão do outro lado do mundo, via Skype. E com direito a imagem), reduziu tempo (quem já mandou cartas sabe da agonia pela espera de uma resposta. Hoje, até o e-mail já tá velho) e, entre outras coisas, tornou obsoletas as grandes enciclopédias, visto que hoje tudo está a um toque, digo, clique. E liberou espaço na casa, pois uma coleção de vinis cabe numa pecinha do tamanho de um cortador de unhas; e uma biblioteca, num e-Book. Quanto a esses dois quesitos, pra ser bem sincero, aprendi a gostar, mas o tato e o olfato vivem saudosos.

Contudo, deixando a rede de lado, há a picada do Aedes; os guys que são bads; quem gentilmente cede; o pápi e o dad; o cara que se excede; o outro que fede (e a quem ninguém dá um feedback); a Fátima Guedes; o Talking Heads; o fdp (com o perdão do palavrão) que me impede; a (falsa) eternidade da juventude; o Zeppelin, Led; o Muhammad (Ali e acolá); o Nelson Ned; o ódio e a ode; o que manda e o que pede (e o que i-Pad); aquele que pergunta "Quede?"; os greens e os reds (um modo mais beautiful de dizer "coxinhas e petralhas"); a Sede (que nunca seca, do Chico... César); o Ted (Boy Marino  — por onde andará?); as falências da Unimed; o... vede!; o xá de (algum império antigo); o Zé de (Riba); et coetera. Ah, e há o Ricardo Moreira, que foi quem desta vez me sugeriu a palavra, talvez pensando que eu fosse escrever uma crônica inesquecível. Caiu da rede, meu peixe!

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PS: Trilha sonora: Gilberto Gil, Pela Internet (Gilberto Gil)



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4 comentários:

  1. Blá bla´blá, como sempre adorei sua crónica, quando leio sinto que o conheço pessoalmente. Abraço mi.

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    1. Oi, Mi. Fico sempre feliz em ler seus comentários. Sinto como se te conhecesse pessoalmente. rs

      Abração,
      Léo.

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  2. Rossas, sortuda que sou, sempre que possível, eu (a)garro o Léo Nogueira como quem diz: Cara, você é!!!

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    1. Silvia! Um eu sou mais um tu és já dá mais que um nós somos!

      Beijos,
      Léo.

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