quarta-feira, 17 de julho de 2019

A Caverna de GH: 1) A lava do solo

Este novo ano que se inicia por aqui, em meu humilde bloguinho, traz uma novidade: uma coluna nova, chamada A Caverna de GH. GH é meu querido Gregory Hamyl, um multiartista talentoso pra caramba que será o dono e senhor da coluna. Ou seja, todos os textos publicados nela serão dele, que, por ser um pensador de alta periculosidade, procurado inclusive pela PI (Polícia dos Ignorantes), optou por manter-se escondido atrás desse nome artístico, pseudônimo, codinome ou seja lá o que seja. Antes de irmos à prosa, e a título de prefácio, comento apenas que o primeiro conto se trata de criação de metaforismo ímpar, assim sendo pedi a Gregory que me explicasse o contexto, o que o autor havia querido dizer com o que escreveu, e ele me mandou uma dissertação que resumo no parágrafo seguinte.

Disse-me ele que o sentimento de ser um vulcão vazio o ligou ao ato próprio da arte. O vazio seria, em princípio, um palco, que só tem razão de ser a partir do momento em que o artista o adentra. Uma vez ali, este se despe, reinventa-se, transforma o vazio em criação ("do nada também se cria", né, Adolar?), mistura-se com o todo, o barro de que foi feito e a matéria exterior, mescla-se, unifica-se, numa dança enlouquecida que, paradoxalmente, gera lucidez ao passo que faz despertar em si próprio esse vulcão que irrompe numa catártica erupção — esse catártico é meu, Gregory o rejeita, mas meu olhar meio que o enxerga assim. Chico Buarque tem palavras melhores que as minhas pra defini-lo; estas: "No anfiteatro, sob o céu de estrelas,/ um concerto eu imagino/ onde, num relance, o tempo alcance a glória/ e o artista, o infinito."


A LAVA DO SOLO
Por Gregory Hamyl 


Eu estava solo, um grande palco para evocar o que meu interior clamava com tanta urgência. Era como se tudo estivesse a favor, quando não há seca e as folhas dançam ao vento, vento contínuo, meu olhar vidrado, eu procurando a primeira nota em que eu caberia nesse instante. Estava tão encantado com minha possibilidade, afinal, que ficava parado: era necessário sentir o momento, experienciá-lo até o fundo de minhas possibilidades de percepção, de modo a que eu fizesse a dança mais perfeita do mundo?

Por que haveria de fazer a dança mais perfeita do mundo? Pra quem, por quê, para satisfazer a quem? Eu estaria esperando que pessoas por acaso estivessem olhando para dizerem que eu fizera a mais perfeita das danças? Como eu estaria tão preso ao olhar alheio, por que faria algo tão importante pra mim, mas que satisfizesse a outro alguém, se naquele momento eu buscava estar mais inteiro em meu momento?

A chuva caía, eu ouvia as notas, sentia vontade de abrir os braços, dançar e cantar, mas ainda estava esperando a hora precisa para minha entrada. Há precisão para se fazer as coisas?, quem estabelece? Até então, pensava que eu era o pleno condutor do que haveria de acontecer, mas não, percebi a necessidade de me integrar e não romper abruptamente aquela harmonia em que as coisas fluíam, esperando que elas me dessem a deixa para minha entrada. Há uma certa exigência de que as coisas caibam, eu deveria procurar caber.

Olhei ao redor em 360 graus e vi estar no centro de um vulcão vazio. Retiraram o vulcão. Como se dá retirar um vulcão de seu lugar e me colocar no centro? Esse lugar polido de areia preta era demasiado grande para mim, e passei a temer. Onde foram parar as flores que me mostravam o sopro da vida, o balanço do relógio no movimento das folhas? Eu estava num palco e perdi a certeza do que era, o que faria ali? — quase esquecia. A solidão é uma amplitude de um eu.

Não havia ninguém, somente eu. E comecei a achar que eu era ninguém. Precisei de gente para dizer-me que eu poderia entrar na dança, como anteriormente pretendia e me ardia por dentro de todas essas necessidades tão emergenciais.

Joguei-me no chão para sentir a densidade de toda aquela areia preta, réstia de um vulcão que haveria de ser tão brutal e instintivo, mas somente eu rolava procurando me abraçar, deixando o vulcão me abraçar, que o preto me sugasse, que eu sentisse profundamente o momento. Eu tinha necessidade daquilo para resolver meu impasse com a vida, para resgatar a natureza que antes vira e tanto me inspirara. Não poderia perder minha visão anterior, não era possível que isso acontecesse de forma tão repentina que me rompesse os sentidos; quando antes era verde, agora estava preto dos pés à cabeça. Havia sido engolido por um buraco negro e sabia que algo me comandava, me instigava, havia entrado por minhas vísceras e mais ainda minhas inquietude e aflição me tornavam plena urgência. O que seria feito de mim, meu Deus?

Solto no buraco negro, jogado de um lado para outro, eu era uma marionete comandada pelo súbito, sem chances de chegar a fazer o que pretendia. O que eu pretendi, de verdade?

Não me era possível mais pensar, estava solto no ar, preto até o fundo da alma — era somente o que sentia, o que me deixava perceber.

E indo de um lado a outro, fluindo sem querer dentro daquele plaino vazio e escuro, completamente empretecido, comecei a sentir-me arder, a espirrar uma gosma vermelha que me ardia como um refluxo, enchendo o todo sem observar a melodia, e tinha meus próprios movimentos em fruir o momento em que me achava preso. A falta de pressão de uma observação é a plena integração com o todo.

Soltava jorros de fogo, atingia os céus em completa indistinção do que acontecia, do que seria racionalizável. Eu era o fogo, era o vulcão que pensara vazio, era gosma, era lava.

10.7.2018 — 19h19


***


2 comentários:

  1. Grande Léo, agradeço por me permitir neste espaço especial de tanta gente bacana e tanta história, arte e cultura.
    Gosto de agregar e espero poder contribuir positivamente para este blog tão especial.
    Agradeço muito pelo especial prefácio/apresentação a mim e ao meu trabalho. Senti-me um pouco nervoso com a responsabilidade, mas este nervoso é o que faz "jorrar a lava".
    Que sejam ótimos tempos, que venha e venhamos a contribuir, e que várias coisas brotem desta parceria especial que me entregou em mãos, com tamanha generosidade.
    Um abraço, meu prezado amigo
    GH

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro GH:

      Desculpe pela demora em responder. Fui adiando e acabei esquecendo completamente. Mas o mais importante é que nossa parceria segue de pé e já temos texto novo pra breve.

      Abraço e obrigado pela confiança,
      レオ。

      Excluir