sexta-feira, 11 de maio de 2012

Cançonetas: 2) "Desistências", por Pedro Moreno

Já falei aqui várias vezes da M-Música, lista da qual participo e por meio da qual adquiri muitos amigos, além de parceiros. Bem, não dá pra resumir em poucas palavras o que essa lista representou e representa na vida de várias pessoas, é preciso estar lá, proseando, filosofando, às vezes brigando, mas sempre tendo a música como foco.

A M-Música, tal qual o Caiubi, já fez despontar carreiras, além de ter trazido de volta à composição muitos artistas que andavam esmorecidos. Ali presenciei o nascimento de muitas parcerias, acho mesmo que a lista é revolucionária no quesito parceria virtual, pois ali sempre foi um verdadeiro balcão de letras, que eram por vezes disputadas ferrenhamente pelos melodistas de plantão.

O tempo passou e, como tudo no mundo, as coisas foram se transformando. Não sei se pra melhor ou pior, afinal, transformações precisam de tempo pra serem assimiladas. Mas o fato é que hoje, apesar de ainda haver muita gente boa por lá, essa coisa de parceria virtual anda meio fora de moda. Talvez seja só um momento, e talvez essa percepção se dê vista por meus desatentos olhos, já que eu mesmo lá não exerço muito mais do que a função de menos que espectador.

Mas, quando e onde há compositores envolvidos, podemos detectar a sintonia (e, por que não?, a espiritualidade) de um lugar (ainda que virtual) quando este faz brotar inspiração. E hoje, que eu havia decidido escrever mais um pouco sobre meus sonetos musicados e estava escolhendo sobre qual deles eu trataria, lembrei-me, não por acaso, de um que nasceu por lá.

Há cerca de um ano alguém levantou na lista um assunto que tratava sobre desistências, momentos de ruptura e coisas do gênero, o que acabou, após vários depoimentos, desaguando num belo texto de meu amigo Sérgio-Veleiro. Acredito que ele não vai se incomodar se eu discorrer em público a respeito do que ele escreveu pra foro íntimo. Resumindo, ele dizia que "desistir também é uma arte, [...] um desapego". E continuava acrescentando que por vezes é melhor não se agarrar a velhas frustrações, até finalizar numa frase da qual gostei muito: "A liberdade, na música e na vida, exige renúncias, desistências, abandonos, para que outras insistências, outras teimosias, outras perseveranças tenham espaço."

Resumi mal e porcamente o texto, mas o que queria dizer é que (e quem compõe sabe do que estou falando) um compositor costuma estar atento a tudo o que pode virar canção. E o texto de Sérgio-Veleiro cheirava a música. Tanto que, após relê-lo uma ou duas vezes, começaram a pipocar ideias em minha mente, e, como na época eu estava fissurado em sonetos, achei por bem organizar essas ideias dentro de um.

Cheguei a postar o soneto na lista, o que em mim é raro, pois sempre que termino uma letra já tenho em mente o/a melodista pra quem a vou mandar. Sim, porque, quando faço a letra antes da melodia, costumo compor pensando num possível parceiro. E, com raras exceções, costumo acertar. Mas nesse caso, como uma prosa surgida na lista havia me inspirado, resolvi postar o bendito soneto lá.

Pra ser sincero, houve um ou outro interessado, mas tudo muito timidamente. Pra ser mais sincero ainda, houve até certa discórdia, pois lá também há facções que vez por outra entram em conflito. Daí que tirei o time, digo, o soneto de campo e guardei-o pra melhor oportunidade. Quase um ano depois, após uma prosa por e-mail com meu parceiro madrileño Pedro Moreno, senti que havia descoberto a pessoa certa pra musicá-lo. E ele me provou que eu não me equivocara. Abaixo segue o soneto, com direito a vídeo. Ele me pediu perdão pelo nervosismo de quem não decorou a letra, mas eu curti. Espero que vocês também curtam:

DESISTÊNCIAS

Eu hoje fui levar pra Iemanjá
Algumas derrotadas desistências
Confesso que perdi a paciência
Só me sobrou jogar tudo no mar

Eu hoje me banhei em água e sal
Chorei pelos tropeços do destino
Saí do mar mais novo que um menino
E tendo a praia inteira por quintal

E tendo a vida inteira pela frente
Chorei pra me tornar mais sorridente
E ver com novo olhar os novos dias

Eu hoje desisti de meus fracassos
Voltei pro zero, recontei os passos
E vim regando novas teimosias

10 comentários:

  1. Léo, excelente reflexão sobre o fenômeno das parcerias na M-Música. Tem sido um raro privilégio testemunhar o emparceiramento de pessoas que, na maior parte das vezes, nunca se viram. Milagres modernos. Felizmente, essa magia não acabou, na verdade se transformou. A gente não tem visto muitas parcerias nascerem na lista diretamente, mas a cada disco novo de musgueiro, a gente vê que os velhos m-parceiros continuam ativos, só que na m-moita. hehe Bacana é que novas parcerias continuam nascendo. E a prova disso é a tua parceria com o Pedro! :) Que linda essa história, o soneto e a canção. Pedro Moreno não pára de me surpreender. Não é todo compositor que consegue musicar um soneto. A forma é uma prisão. Só gente muito talentosa consegue voar através das grades com essa leveza. Parabéns aos dois!

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    1. Salve, salve, Alan!

      Muito bom receber sua visita e suas sempre sábias palavras! Sim, como disse, vivemos um momento de transformação, e as parcerias estão nascendo mais nos bastidores. No meu caso, especificamente, como sou um membro não-ativo na M-Música, minhas letras costumam ficar mesmo meio que ao relento, mas acho que é, sobretudo, porque grande parte da lista não me conhece pessoalmente. Mas não choremos as pitangas, que o que tem que ser, cedo ou tarde, é. Um exemplo disso é o Pedro, parceiro que paquerei durante muito tempo até achar a brecha por onde fazer penetrar minhas letras.

      Quanto a musicar sonetos, tentarei postar aqui, de tempos em tempos, o resultado desse projeto, que na realidade é um desafio feito a vários de meus parceiros. Alan, na verdade o soneto é uma letra como outra qualquer. O que às vezes assusta é a pompa do nome: soneto! Isso costuma assustar parceiros melodistas, pois pra muitos o compositor ainda é a plebe, e o poeta, a elite. Vinicius sentiu na pele esse preconceito, que age às avessas nos compositores. Tive que trabalhar a cabeça de alguns parceiros pra lhes mostrar que não é um bicho de sete cabeças musicar um soneto. Tanto que meus próprios sonetos possuem temas corriqueiros, bem palatáveis, são, praticamente, letras de música, só que compostas em versos e estrofes de tamanho específico. O bom do Pedro é que ele tem essa leveza típica do sagitariano, que é abusado sem ser desrespeitoso. Saca?

      Abração do
      Léo.

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  2. Homi, rapaz, seu menino... aquele meu texto sobre desistências e desapegos causou isso? Olha, eu nunca desisto da M Música, há um querer bem ali, invisível muitas vezes, mas importantíssimo para quem gosta e precisa de afetos.

    O soneto ficou show, a parceria com o Pedro ainda melhor. Pedrinho é fantástico. Adorei esse verso final :

    Eu hoje desisti de meus fracassos
    Voltei pro zero, recontei os passos
    E vim regando novas teimosias.

    É a minha cara isso! Ariano né, sabe como é... vivo a regar minhas teimosias... :-)))

    bjoss

    Sergio-Veleiro

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    1. Salve, Veleiro!

      Que bom que você curtiu! Essa família aí tá cheia de "musos" inspiradores, hem?

      É, isso deve ser coisa de ariano mesmo, porque eu, como sagitariano, embora persista nas teimosias também, sou mais acomodado. Infelizmente...

      E o Pedro... Sem comentários! Basta dizer que passei a gostar mais do soneto depois da canção.

      Beijão do
      Léo.

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  3. Pedro captou a essência do soneto. Essa sintonia cauibistam-musical eu consegui com a poeta Sonya Prazeres. É como foi falado. Um lance pra lá de espiritual...
    Parabéns pela canção!!!

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    1. Valeu, Irinéa!

      Tô esperando que esse momento "pra lá de espiritual" esbarre em nós qualquer hora dessas.

      Beijos do
      Léo.

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    2. Léo, que coisa preciosa! Falo do soneto, da música do Pedro e também do que você escreveu sobre a M-Música. Sim, eu sinto falta de ver as canções nascendo. Era muito bom. Mas tudo na vida muda...
      E bem disse o Veleiro, que não desiste da nossa lista pelo bem-querer que há ali. Fato!
      Um beijão!

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    3. É, Danny, temos que entender e respeitar os períodos. Acho que hoje a M-Música está se mobilizando mais pra que as coisas aconteçam nos bastidores. Como disse o poeta, "o importante é que a nossa emoção sobreviva".

      Beijos do
      Léo.

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  4. Esses dois "minino" Veleiro e Léo, sao pedras de "responsá". Viramos parceiros antes de conhecer-mo-nos (esta foi a la Camoes) pessoalmente. Curiosamente ambos estiveram comigo em Madrid. O que era amizade e parceria virtual solidificaram-se de verdade com o olhos nos olhos e o abraço amigo..."apesar da distância dos continente". Abraços reais.

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    1. Pedrão, com você e com o Veleiro eu fecho e não abro! Aguardo ansiosamente aquele vinho, seja em Madri, Fortaleza ou Sampa...

      Abração do
      Léo.

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