segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Crônicas Desclassificadas: 143) "Adote" uma criança pobre

Li recentemente coluna de Ruy Castro na Folha (aqui), na qual ele analisa uma reportagem que descreveu, segundo suas palavras, "como alguns dos homens mais ricos dos EUA decidiram legar grande parte de sua fortuna a projetos de caridade, pesquisa e educação, deixando aos filhos apenas um trocado para o bonde e o cafezinho". Conta Ruy que um desses abnegados chegou mesmo a dizer que "deixar o dinheiro para os filhos não é bom para eles, nem para a sociedade". Por fim, Ruy traça um paralelo com o Brasil e desfecha com um "nos EUA, essa atitude produz bibliotecas, museus, hospitais. Agora olhe ao seu redor no Brasil e tente se lembrar de histórias parecidas". Não precisa ser "jênio" (como, ironicamente, grafa meu amigo Edu Franco) pra detectar que tais casos não se repetem por aqui, né?

Pois muito bem. A leitura de Ruy me trouxe à memória a lembrança do caso em que aquela famigerada âncora de telejornal popularesco que rouba o nome da rainha das Mil e uma noites, ironicamente, incita a população a "adotar um bandido", quando do fato de um menor ter sido encontrado acorrentado a um poste. Não vou me delongar no assunto, que é de conhecimento geral (eu mesmo, em parceria com o mano Policastro, compus uma canção tratando do tema. Ouça-a aqui), apenas ressalto que, associando o texto de Ruy ao pedido da Sheirazedo, fiquei matutando com meus botões e cheguei à conclusão de que, sim, a moçoila, tentando soar irônica, bem que nos deu uma ideia a ser seriamente considerada.

Calma, devagar com os julgamentos! Minha intenção não é pedir que passe a ser praxe o ato de adotar um bandido (se bem que não seria uma ideia tão surreal assim...), mas tentar, por meio de "estímulos", diminuir o surgimento de novos jovens transgressores. E como? Adotando uma criança pobre! Explico: esse "adotar" não seria necessariamente uma adoção, pelo menos no que diz respeito ao que consta da lei. Não. Até porque há muitas crianças pobres por aí que têm progenitores e moram com eles. Muitas delas não são por estes maltratadas, vivem até, dento do po$$ível, em certa harmonia familiar. Tratar-se-ia antes de fazer que cada cidadão com folgada conta bancária passasse a se responsabilizar legalmente pela educação de uma (ou mais) criança pobre.

Na verdade, meu sonho seria que os governantes mundo afora tivessem colhões pra sobretaxar as grandes riquezas. Todos sabemos que, cobrando um troquinho a mais desses ilustres senhores, estaria erradicada a miséria no mundo. O "pobrema" é que não são os governantes os que apitam de verdade. Estes são, antes, os gerentes. Tanto que, a título de exemplo, vemos por aí que, em época de eleições, ao menor sinal de que certo candidato de ideias mais ousadas começa a subir nas pesquisas, já há um bulício no Mercado, a Bolsa começa a se agitar feito bebê querendo mamadeira, enfim, um deus nos acuda! Daí, como conseguir "garfar" esses senhores, se são eles quem, indiretamente, por meio de chantagens as mais variadas, "escala" os prováveis eleitos? Lembremo-nos do mal exemplo recente do Santander...

Enfim, se, pra "chegar lá", um candidato tem que "pedir a bênção" ao todo-poderoso Mercado, como aquele, já empossado, investiria contra quem o abençoou? Por isso, sem uma revolução sangrenta, grandes mudanças sociais não passam de utopia. Mas voltemos ao foco, antes que o caro leitor já comece a temer que eu esteja a fins de "almoçar" sua prole. Eu digo que não, muito pelo contrário. Estou querendo justamente é que o filho do pobre não só almoce, mas também tenha o direito previsto em lei de estudar em boas escolas. Cá pra nós, sempre achei que devíamos acabar com as escolas privadas e, sobretaxando as grandes fortunas, investir em escolas públicas de qualidade pra todos. Contudo, por causa das dificuldades acima relatadas, acho que seria mais fácil acabar com... as escolas públicas!

Pensemos: não anda fácil a vida de um professor de escola pública. Seu minguado salário não lhe permite melhorar sua capacitação; pisar numa sala de aula hoje pode ser tão perigoso quanto transitar na Faixa de Gaza, visto que não são raros os casos de "alunos" que vão estudar armados ou mesmo usam a carteira da sala como barraquinha de venda de droga; o analfabetismo funcional virou uma praga... et coetera... Então, se a casa caiu, por que não deixar logo tudo a cargo da iniciativa privada? Nas escolas particulares o professor ganha mais, pode se pós-graduar e, assim, estar mais preparado pra formar os manda-chuvas do futuro. Antigamente, mandar um filho pra escola particular era só em casos extremos; hoje, o pai pobre se mata de trabalhar pra pôr seu(s) filho(s) numa escola particular...

Sinal dos tempos! Portanto, na impossibilidade de melhorá-las, acabe-se com as escolas públicas! Ó, "pessoar", estou sendo irônico, viu? (hoje em dia, é preciso explicar a piada) Sempre fui defensor das escolas públicas. Eu mesmo estudei a vida inteira em algumas delas. Só estou jogando a m... no ventilador. O que quero dizer é que, já que o filho do pobre, estudando em tais escolas – em em tais condições adversas –, fatalmente, não poderá, no futuro, ao ser apresentado ao mercado de trabalho, competir em condições de igualdade com o filho do rico, pois que este (o pai, não o filho) tire o escorpião do bolso e faça algo de bom pra sociedade, tornando-se tutor, padrinho, ou seja lá que nome queira dar, de uma criança pobre.

Sabemos que existem boas instituições por aí que cuidam de crianças carentes. Sabemos que muitos endinheirados tementes a Deus "pagam seus pecados" dando gordas contribuições a tais instituições, mas não é a mesma coisa; o problema não se resolve aí. Até porque a educação que essas instituições propiciam a tais crianças tampouco se iguala à que têm os filhos dos contribuintes. E eu diria mais: se tal digníssimo senhor "adotasse" uma dessas tantas crianças pobres que há Brasil afora, poderia até vir a estabelecer com esta certa relação de carinho ao ver os resultados da aplicação do apadrinhado. Seu coração de gelo poderia sofrer um aquecimento e, quem sabe, o humano hibernante ali poderia até despertar. E aí? Que tal? Animam-se? Ó, cá pra nós: perceber que o "protegido" pode chegar a ser melhor aluno que o próprio filho é mais lucrativo do que viver uma vida inteira investindo em blindagens, seguranças e quetais e temendo a qualquer momento ser vítima de assalto, sequestro e outras mazelas. Né ou não é?

Mandando um papo reto: sem falar no dinheiro que você gasta com advogados pra tirar seu filho da cadeia quando ele toma umas a mais e incendeia mendigo, dá porrada em prostituta, atropela ciclista, estupra empregada doméstica, senta lâmpada fluorescente na cabeça de homossexual... continuo?

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PS: Falando nisso, lembram-se desta canção? Vem bem a propósito. Rock da Cachorra, de Eduardo Dus(s)ek:


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