segunda-feira, 9 de junho de 2014

Crônicas Desclassificadas: 130) Japão, dez anos depois

Dez anos depois, lá estava eu de novo na Terra do Sol Nascente. Rapá, mas que emoção! Como é bom matar as saudades desse país que representa tanto pra mim! Ao sair do aeroporto e pisar o pé na rua, surpresa: em pleno fim de primavera, deparei-me com um céu nublado e os termômetros lá embaixo. Deu a impressão de que tinha voltado pra São Paulo. Já no ônibus que nos levava pra Chiba (Kana estava também, naturalmente), dou uma pescoçada pra fora e vejo uma bela balzaca dirigindo um caminhão(!). Fiquei tão embasbacado, que ela me viu e lançou um não menos belo sorriso, sem saber, me dando as boas-(re)vindas. Em pouco tempo, já estava tão familiarizado, que parecia que tinha estado lá uma semana antes. 

Muita, muita coisa pra matar as saudades. E, entre as principais, claro, a comida e a bebida. Gourmet até a medula, gastei muitos dias pra dar conta de pôr o paladar em dia, reencontrando-me com antigos sabores. Incluídos a encorpada cerveja e o delicioso saquê. Agora, já de volta a Sampa, só de lembrar, sinto a baba descer pelo canto da boca. Quem tem preconceito de comida japonesa não sabe o que está perdendo. Sem falar que a variedade é absurda. O japonês tem a característica de transformar em sua qualquer culinária com a qual se depare. Só lá, por exemplo, podemos comer uma meravigliosa carbonara italiana com hashi (ou os pauzinhos, em bom português). Pra mim é simplesmente impossível ir pra lá e não engordar. Dessa vez, a balança não teve dó: bati meu recorde de sobrepeso, que era de 70 kg e foi a 73,5 kg! Agora vou ter que fazer força pra voltar aos velhos 68 kg...

Bem, alguns pontos positivos: eu, sinceramente, esperava ver um país em crise, ainda se restabelecendo após aquele terrível tsunami de poucos anos atrás. Porém, como vocês já devem saber, o japonês é um povo tão acostumado a tragédias de todos os tipos, que acaba desenvolvendo uma capacidade única de superação. Fiquei feliz ao ver tudo funcionando normalmente como se nada tivesse acontecido. As ruas cheias de gente; aquele bando de jovens indo pro trabalho todos com seus ternos pretos bem-cortados, um igual ao outro, como se fosse uniforme escolar; as japonesas exagerando no direito de mostrar as pernas... ah, e aqui vai um detalhe importantíssimo: quando falam que a mulher brasileira é isso e aquilo, concordo, mas, após algumas viagens, aprendi que cada povo tem suas belezas. E viva a diversidade!

Se as japonesas não possuem aquele quadril estonteante nem um generoso par de seios (há exceções, sempre), em compensação, são donas das pernas mais bem-torneadas que já vi na vida. E essa primavera estava propícia (fora o mau tempo do primeiro dia) pra que elas aproveitassem pra desfilar com suas microssaias. Lembro que, nas outras oportunidades em que lá estive, ficava pensando no porquê de só as adolescentes usarem minúsculas saias escolares. Agora, anos depois, lá estavam as adultas também desfilando nas ruas de Tóquio com seus pares de pernas de parar o trânsito. Obviamente, meus olhares tinham que ser os mais discretos possíveis, visto que, a meu lado, de jeans, a polícia observava de perto meus olhares curiosos. Claro que a curiosidade era apenas a de um, digamos, repórter in loco...

Outro aspecto interessante: em dez anos os japoneses deram uma boa esticada. Se antes eu me sentia um gigante lá, dessa vez percebi que, se eu era mais alto que a média das pessoas mais velhas que eu, em compensação era um tampinha ao lado dos mais jovens. Kana me deu uma explicação interessante: disse-me ela que, após a Segunda Guerra Mundial, a comida escasseou no Japão, sem falar nos efeitos colaterais da radiação, que foram passando de geração a geração. Isso, obviamente, influiu no tamanho das pessoas. Hoje, muitas décadas depois, o país deu a volta por cima e se transformou numa das maiores potências mundiais, portanto, como eles sempre foram adeptos de uma culinária saudável, com dinheiro em caixa, podemos ver os resultados na robustez dos jovens.

Ainda com relação aos jovens, vi com meus próprios olhos (até porque não poderia ter visto com olhos alheios) algo que me pareceu ir de encontro a uma matéria que havia lido faz algum tempo: li eu que o Japão está envelhecendo, visto que muita gente está preferindo continuar solteira, além do fato de que os casais atualmente têm optado por não ter filhos ou, quando muito, ter apenas um, o que no longo prazo significa que o país vai ter problemas de falta de mão de obra, pois, com a aposentadoria dos mais velhos, grande parte da população não vai ser produtiva. Isso foi o que li, já o que vi foram vários casais de jovens pelas ruas passeando com suas crianças. Muitos, muitos mesmo! Lembro que das outras vezes era raro ver casais muito jovens, e principalmente já com filhos. Talvez seja um sinal de que a economia vive um bom momento.

Continuando com o tema juventude, um relato interessante: há  exatos 12 anos, quando de minha primeira viagem ao país, em visita a uma escola de uma cidade do norte do Japão (cujos nomes esqueci – da escola e da cidade...) onde Kana faria uma apresentação musical, tive a oportunidade de jogar bola com alguns jovens japoneses (no mesmo ano em que o Brasil havia ganho a Copa lá), e, modéstia à parte, durante os dez minutos que minha condição física de levantador de copo me possibilitou, só não fiz chover. Sem brincadeira, cada vez que eu pegava na bola e fazia algo que pra eles era inusual, os dois times batiam palmas(!). Assim, fui ficando cada vez mais à vontade e caprichando na arte de "dar espetáculo". Só faltou um gol (mandei uma na trave). Tivesse eu jogado mais, ele teria vindo, mas, minutos depois, pra não ter um piripaque, tive que abandonar o gramado, pra desolação geral.

Dessa vez a oportunidade se repetiu, assim, pude ver que eles em pouco tempo melhoraram muito, não só em competitividade, mas também em talento individual. Joguei com uma molecada que tinha entre 12 e 13 anos e posso dizer, sem medo de errar, que em breve o Japão irá se tornar uma potência também no futebol. Vou dar um destaque: Zukinho, apelido brasileiro de um jovem filho de um casal de amigos músicos (Habu, a mãe, baterista; Iida, o pai, baixista), apesar de menor que seus colegas, "comia a bola"! Um driblador nato. Só o aconselhei a levantar mais a cabeça, pois está naquela conhecida fase de "fominha" pela qual passa todo jovem talentoso quando se vê ao lado de pernas de pau. Este, se investir na carreira, pode estar na Copa de 2022. Tanto, que o reapelidei de Ziquinho.

Mudando de assunto, Kana, com seus pais, me levou pra conhecer Okinawa, no sul do país, uma espécie de Havaí japonês. Não à toa, foi lá que os militares estadunidenses fixaram suas bases após o fim da guerra. O tempo passou, a maioria delas já fechou, mas ainda me deparei com algumas. Inclusive, há uma movimentação dos locais pra que os gringos abandonem de vez a região, pois sua permanência ali não tem mais sentido hoje. Por falar nisso, um dos momentos mais dramáticos dessa visita foi quando fui a um museu que fora uma escola de meninas convertida em hospital na época em questão. As fotos e os depoimentos em vídeo das sobreviventes são de arrepiar. Milhares de inocentes foram mortos, outro tanto se suicidou, pois o governo japonês, numa espécie de lavagem cerebral, assim o exigia, incutindo-lhes o temor (real) de possíveis estupros. Fiquei interessado em procurar na literatura japonesa mais informações sobre o período. Um momento negro na história da humanidade. Mas nem só de tristezas vive Okinawa. Além de praias lindas, tem castelos e templos imponentes e o segundo maior aquário do mundo.

Pra terminar em tom mais leve, duas notícias de Kana: dessa vez, ela preferiu passar mais tempo com os pais, então, fez apenas um show e participou de outro. O primeiro foi na já conhecida Praça Onze, uma casa pequena, mas por onde já passou a nata da MPB (o nome da casa não é mera coincidência). Nas parede, além de muitos cartazes de bambas brasucas, há também várias assinaturas de gente como Paulo Cesar Pinheiro Leila Pinheiro, entre tantos outros. Calhou que lhe sobrou uma ingrata segunda-feira, mas o público compareceu, o show foi bom e vendemos uma boa quantidade de CDs. Ah, a banda: Hiroki Koichi no violão, Masaharu Iida (o pai do Zukinho) no baixo de pau (chiquérrimo) e na percuteria um bom músico cujo nome esqueci. Já a participação foi numa casa maior, chamada Pit Inn, mas o engraçado foi o horário, pra lá de alternativo: às 14h30, em pleno meio de semana, e com uma galera mandando ver na cerveja! Ah, essa participação foi num show da banda instrumental de Kazuko Habu (a mãe do Zukinho).

A segunda notícia de Kana é que tive o privilégio de assisti-la (de dar assistência) em estúdio, pondo voz em duas parcerias que eu havia feito com o supracitado Hiroki, um excelente músico e compositor japonês que foi também a primeira pessoa com quem Kana se apresentou profissionalmente. Fiquei plenamente feliz, não só pelas parcerias com esse grande cara (que, como bom japonês, se expressa mais pelos silêncios que pelas palavras e sabe ser discretamente gentil), mas também por ver gravadas essas duas belas e novas crias (que farão parte de seu novo disco, em processo) das quais muito me orgulho. Quando estiverem prontas, divulgá-las-ei. Um detalhe engraçado (e tenso) da gravação foi ver o espanto dele e do técnico ante meu método um tanto severo de fazer Kana atingir um português irretocável. Sorry, Hiroki, prometo pegar mais leve da próxima, mas, após nos depararmos com seu profissionalismo aliado a sua gentileza, não podíamos te entregar algo que deixasse a desejar...

Bem, paro por aqui, senão não paro mais. Resta dizer que tivemos tempo ainda de visitar o charmoso Copo do Dia, pequena, mas aconchegante casa de um casal amigo, Masahiro e Tomoko, pessoas agradabilíssimas, que nos receberam com a gentileza de sempre (ver foto). Queridos, domo arigato gozaimashita! Enfim, não posso, contudo, me furtar a acrescentar um último detalhe: Kana me contou que, apesar da aparente tranquilidade, paira no ar um receio de que informações sobre a radiação não estejam sendo tão claramente compartilhadas com o povo japonês. Alguns mais fatalistas dizem mesmo que os rios e mares que banham o país estão completamente poluídos, e a pesca que lhes serve de alimento não está própria pra consumo. Bem, se isso é ou não verdade, só o tempo nos dirá. De minha parte, só o que posso afirmar é que as saudades já bateram à porta do coração, onde fica a esperança de que a próxima visita não demore outros dez anos... e encontre o país bem. Seu povo merece.


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PS: Deixo registrado um agradecimento imenso a meus sogros, pelo modo sutil de me fazerem sentir em minha própria casa sempre que estou na deles. Sei que, por motivos óbvios, eles não irão ler esta missiva, mas o que vale é a intenção, né?


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4 comentários:

  1. AMEI!!! Que delícia, no?! Ou será né?!
    Beijo e Luz
    Tato

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  2. Léo, que delícia! Parceiro, acredito que em alguma "reencadernaçao" eu fui japa, tamanho é minha admirçao e atraçao por este povo e país. Um dos meus sonhos é conhecer esta terra. Parabéns, mano

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    1. Valeu, Pedrão, meu parceiro nipo-baiano! rs

      Abração,
      Léo.

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