quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Notícias de Sampa: 14) A orelha do "Filho da Preta!" – por Zeca Baleiro

Desde que me entendo por gente, sempre me acompanharam os livros. Retificando: depois que abandonei os gibis, obviamente. Acho que chega a ser quase uma dependência. Se vou à padaria e não levo um livro, parece que falta alguma peça de meu vestuário. É meio como se eu tivesse que estar preparado pra algo fora do roteiro, manjam? Exemplo: vai que o pão acabou e eu preciso esperar 15 minutos. Tendo um livro, nem vou perceber o tempo passar; já sem ele, os 15 minutos virarão uma eternidade. Sacaram? E vejam vocês: já houve ocasiões em que saí com um livro debaixo do braço, bebi até perder o centro, e acordei no dia seguinte preocupado, com medo de tê-lo esquecido... e lá estava ele, na cabeceira da cama.

Os livros foram também responsáveis por eu ter começado a dirigir tarde. Por quê? Oras, vocês já viram alguém dirigir lendo? Claro, há aquelas ocasiões em que o trânsito é tanto, que você, entre freio, ponto morto, primeira e segunda, tem tempo de dar uma bisolhada em algo que esteja à mão, mas não podemos chamar a isso leitura, né? O fato é que, quando tenho um livro por perto, qualquer viagem em coletivos se torna menos cansativa. Inúmeras vezes, indo pro trabalho (ou voltando dele) peguei busão lotado tranquilex, de pé, equilibrando-me pra virar as páginas de um abençoado livro. E naquelas viagens de trocentas horas? Tome livro! Ir de ônibus daqui pro Rio de Janeiro vira um pulo. Certa vez, indo pro Japão, li inteirinho o Budapeste, do Chico, no avião.

Ou seja, sou tão apegado aos livros, que escrever um deles foi uma evolução natural. Aliás, sempre escrevi. Ainda moleque, adorava escrever redações; e – que aqui a modéstia não nos ouça – sempre tirava notas acima da média. Tanto, que, certa vez, ainda na 6ª série, uma professora de português me sugeriu que eu fosse conhecer um escritor que, se não me engano, era cunhado dela. Só que o tiro saiu pela culatra. Fui à casa do sujeito (que escrevia livros infantis, vejam vocês), e ele me recebeu de maus bofes, talvez até um tanto alcoolizado. Não vou nem falar na aparência de matusalém, basta dizer que ele veio com aquele papo de que não dá pra viver de escrever, que é difícil, que isso e aquilo... resumindo: depois daquele dia, passei anos sem escrever nada.

Daí que, há algum tempo, fuçando em algumas gavetas na casa de meus pais, descobri uns contos que eu havia escrito naquela época (ainda a máquina de escrever) e comecei a lê-los, orgulhoso como se fossem de um filho. E não é que os danados eram bons? Cheguei até a publicar um deles no blogue: aqui e aqui. Fiquei pensando no que teria escrito se não tivesse havido esse hiato. Mas, voltando à ordem cronológica, o que me resgatou desse buraco negro foi a música. Quando comecei a compor, aquele reprimido desejo de escrever voltou com força total, daí nunca mais parei. Nem pararia, mesmo que Machado de Assis me pedisse em sonhos (quer dizer, nesse caso talvez eu levasse em consideração, mas acho que ele não me pediria algo assim...).

E foi assim que um dia – lembro como se fosse hoje –, estando eu lendo um livro chinês chamado As boas mulheres da China (de Xinran), de repente a engrenagem do cérebro começou a entrar em ação, e o mais engraçado foi que nem era algo que tivesse diretamente a ver com o livro que eu lia; foi simplesmente a inspiração que chegou chutando a porta da percepção. E quem escreve sabe que, quando isso ocorre, o mais sensato a fazer é fazer-lhe caso. E foi o que fiz. Sentei-me defronte ao computador, comecei a escrever, e cerca de 30 dias depois dava ponto final ao Filho da Preta!. Aliás, não dava, porque ele não tem ponto final. Digamos que eu o finalizava. Corria o ano de 2004. De lá pra cá, contudo, venho-o insistentemente reescrevendo e revisando, o que me leva a crer que demorei 30 dias pra escrevê-lo e dez anos pra consertá-lo.

E eis que meu camarada Vlado Lima – com quem contraí uma dívida eterna de gratidão – me apresentou à novíssima Editora Reformatório (curta a página aqui), que tem a felicidade de ter sido criada por jovens cuja ousadia corre nas veias. Quer dizer, tratando-se do livro em questão, a ousadia beirou a insensatez, mas não é o caso de os desestimularmos a essa altura do campeonato, né? O mundo (sobretudo o literário) carece de mais Quixotes. E eu, na quixotesca condição de escritor menor e marinheiro de primeira viagem, só tenho a agradecer a esses moços (sábios moços) pela coragem de terem de encarado as 176 páginas de meu livrinho e, depois de hercúlea tarefa, ainda o terem qualificado a fazer parte da família Reformatório. Pensando bem, o nome da editora meio que explica. 

Brincadeiras à parte, quero aproveitar o ensejo pra agradecer a eles, Marcelo Nocelli, Rennan Martens e Robson Gamaliel, pela confiança a que espero estar à altura. E, já que o momento é de agradecimentos, queria vir a público agradecer também às queridas Auri Rodrigues, Eliza Otsuka, Vanessa Chaer e Liliane Alves, que, nessa ordem, foram as primeiras leitoras que aceitaram o desafio de vencer essas páginas e, após isso, por meio de imerecidos elogios, incentivaram-me a seguir acreditando que eu não havia cometido um desatino. Queridas, vocês moram em meu coração! Detalhe não de todo casual: as quatro, obviamente, são mulheres. Alguns amigos homens, quando chamados ao desafio, amarelaram. Por último, agradeço a meu mano Zeca Baleiro, que dispôs de seu precioso tempo pra ler meu livro e dedicar-lhe as generosas linhas que ora vocês lerão, que ilustram a orelha, não de Van Gogh, mas do Filho da Preta!.


A orelha do Filho da Preta!
Por Zeca Baleiro

Léo Nogueira é desde sempre um sujeito íntimo das palavras. Tem uma grande folha de serviços prestados à beleza e à invenção como poeta, tradutor e letrista de canções. Agora tira da manga seu primeiro romance, engenhoso e original como tudo que faz.

Narrado em primeira pessoa por um personagem de dicção cabocla e visão do mundo à primeira vista tacanha, Léo destila seu estilo desabusado, sem medo das palavras nem das provocações, como é comum aos bons poetas e, de resto, a todo bom escritor. Numa hora em que todos os recursos narrativos e estilísticos parecem ter chegado ao limite de suas possibilidades, nosso romancista neófito consegue driblar o óbvio, contando uma história cujo princípio é simples, mas seu desenrolar não: a origem racial do personagem-narrador.

Com acidez, um certo lirismo às avessas e a dose certa de incorreção política, Léo investiga a delicada trama do tecido social/racial brasileiro, trazendo luz a um debate que parece eterno, um dilema talvez insolúvel. Mas o faz sem didatismo ou pretensão sociológica, faz com poesia, com a cadência literária que já poucos cultivam (os últimos romances que li de “novos romancistas” se assemelham mais a roteiros de cinema que a livros de fato).

Léo estreia no romance com maturidade de veterano, e, a julgar por tal début, leva-nos a crer que construirá carreira de êxito na difícil empreitada intelectual que é urdir a narrativa longa (e, nos bons casos, sedutora) de um romance, gênero que requer fôlego, coragem e imaginação fértil/generosa, coisas que Léo parece ter de sobra.

Zeca Baleiro

São Paulo, abril de 2014.

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O programa:
Filho da Preta! – lançamento e noite de autógrafos
Data: 16 de dezembro (terça-feira)
Hora: a partir das 19h
Local: Hussardos Clube Literário
Endereço: R. Araújo, 154, 2º andar – Centro – Sampa (próximo à estação República do metrô)
Fone: (11) 5825-2426

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Leia as dez primeiras páginas do livro e mais algumas informações acerca dele aqui.

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Compre-o pela internet – aqui.

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6 comentários:

  1. Parabens Querido!!!!!!!!!!!!!!
    Me sinto privilegiada em ver este passo que esta dando!
    Espero ver de perto, se não marcamos uma... você tem que autografar meu livro!!!!

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    Respostas
    1. Silviapaulla, queridona!

      Pode estar certa de que teremos ainda muitas ocasiões pra comemorarmos esta e outras vitórias de ambos lados e revertermos (com folga) aquele fatídico 7 x 1 que presenciamos juntos.

      Beijão,
      Léo.

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