domingo, 1 de fevereiro de 2015

Trinca de Copas: 28) Augusto Teixeira, Gabriel de Almeida Prado (+ Marcio Policastro) e Sonekka

1) KAMA FRUTA
Já tratei fartamente dessa canção (aqui), publiquei inclusive uma gravação dela feita por um dos parceiros, Marcio Policastro. Contudo, recentemente recebi a gravação do outro parceiro, Gabriel de Almeida Prado, dessa feita com o luxuoso acréscimo de acordeom (tocado por Lucas Coimbra) e percussão (tocada pelo irmão daquele, Vítor Coimbra), e gostei tanto que resolvi publicar por aqui também esse registro. De quebra, sempre é tempo de homenagear as mulheres, mesmo que seja por meio de uma analogia, digamos, frutífera. No mais, acredito que mesmo quem não seja amante de mulheres ou frutas (ou mulheres-frutas) vai gostar dela (refiro-me à canção), pois, deixando a modéstia de escanteio, ficou bem bonita a danada. Ei-la:

Nos seus olhos de pitanga, tombo
Nos seus lábios de amora, moro
Nesses seus peitos de pera, paro
No seu umbigo de figo, fico

Nos seus vales de uva, uivo
Nas suas pernas de papaia, caio
São suas coxas de ameixa meu eixo
São suas ancas de manga meu maná

Sob os seus pés de pequi me perco
Me assanho na sua pele de açaí
E acho lindo o seu sabor de tamarindo
Mas no seu coração de morango, sangro 
Sangro até cair
Sangro até cair do pé

Com minhas próprias mãos quero colher
As frutas do seu pomar... de mulher
De amar (E te amar)
Mulher

***

2) A LUZ DE LUZIA
Um bom compositor também é um fulano que está atento ao que ocorre a seu redor. Adoniran, por exemplo, andava pelas ruas, cadernetinha em mãos feito um repórter, buscando temas pra suas canções. Meu novo parceiro Augusto Teixeira fez algo parecido. Há algum tempo, ao caminhar pelo centro da cidade (refiro-me a São Paulo), vendo uma garota menor de idade perdida, com os olhos opacos consumidos pela droga, voltou pra casa e compôs o tema melódico abaixo e, na sequência, várias ideias poéticas repletas de compaixão – e desilusão. Tempos depois, pediu-me que as resumisse numa letra de música, após me enviar outras inúmeras informações sobre aquele fatídico dia. Então, depois de cerca de um mês de troca de e-mails, finalizamos a canção abaixo, da qual muito me orgulho (e envergonho... por morar num país que ainda possibilita que tal tema se converta em verdade):


A LUZ DE LUZIA

Quem recorda quanto tempo faz
Que a luz de Luzia se desfez na Luz?
Fumando um cachimbo podre de outra paz
A pedra no meio do caminho... a cruz

Putas, noias, nerds, camelôs
Transitam num zoo em transe, e tudo bem
Tem funk e orquestra, artistas, gigolôs
Irmãos num estado terminal... de trem

E, a me fitar,
Lá estava Luzia
Co’aquele olhar
De quem nem sequer via

Qual esse arquiteto rococó
Que planejou ruas de contradição?
Triunfo é derrota, Aurora é noite só
Barrocas malocas, rude erudição

Presa em palácios e museus
A classe dos que têm classe pede bis
Enquanto aqui fora o sangue dos sem Deus
Escorre num bangue-bangue entre zumbis

E, a me fitar,
Lá estava Luzia
Co’aquele olhar
De quem já não luzia

Qual Lúcifer
Que já nem recorda quando a corda se rompeu
De seu céu caiu, e eis que da luz se fez o breu

***

3) OS PORQUÊS
Mano Sonekka é um cara muito parecido comigo (não fisicamente falando, visto que sou mais bonito... e humilde): em primeiro lugar, aguenta porrada; em segundo lugar, faz parcerias com Deus e o mundo... ou seja, finge ser um cara extrovertido, mas sua timidez não lhe permite dizer não. Daí, acaba queimando cartucho em canções pra letras menores. Opa! Calma lá! Quando digo tudo isso a respeito dele, faço-o com a sem-cerimônia de quem se dirige a si próprio, já que tenho os mesmos defeitos (e qualidades). Também eu tenho dificuldades pra dizer não. E acabo enviando a neoparceiros letras – como direi? – assim-assim. Em minha defesa alego que, se achasse tais letras REALMENTE ruins, as teria abortado imediatamente. Então, resumindo, segundo minha ótica, se mando uma letra pra alguém é porque ela passou por meu padrão de qualidade.

Esse prefácio foi só pra dizer que, como eu e Sonekka somos duas "putas véias" (que me perdoem aqui os defensores do novo acordo ortográfico, mas véias sem acento não passam de veias... o que nem garante que um sangue tipo O negativo possa passar por elas), basta um olhar e duas piscadas pra saber se a parceria vai virar um orgasmo múltiplo ou um simples gozinho menor. Foi assim que, na primeira noite autoral caiubista de 2015, quando outro mano, Marcio Policastro, subiu ao palco pra cantar nossa novíssma Palestina (ouça-a aqui), que trata de um luxuoso pé na bunda, ao perceber que Sonekka "suava" pelos olhos, solidarizei-me com ele e acabei com um largo inverno de não parcerias entre nós lhe enviando a letra abaixo, que ele não musicou... foi musicado por ela. Quem duvidar ouça:

OS PORQUÊS
Sonekka – Léo Nogueira

O joio está crescendo no tapete
O dia passa e não sai do lugar
Eu corto as ilusões com estilete
E durmo só na hora de acordar

Eu abro um livro, olho, mas não leio
Às vezes me procuro, mas cadê?
Eu choro e rio, então paro no meio
Me perguntando todos os porquês

E os porquês não têm resposta
Respostas já não têm pra quem
Se só tem um na mesa posta
Que é quase como ter ninguém

Aí me atiro madrugada afora
Buscando nos estranhos meus iguais
Me perco, pra saber onde a dor mora
Agora o sempre virou nunca mais

Eu sei que o tempo traz o esquecimento
Mas quem falou que eu quero te esquecer?
Eu vago em vão levado pelo vento
Porque meu prumo vinha de você

Mas os porquês não têm resposta
Respostas já não têm pra quem
Se só tem um na mesa posta
Que é quase como ter ninguém

***

6 comentários:

  1. Belas Composições Leo. Gostei das três. Ouvi as canções. Lindas!
    Você está bem de parceiros, heim. "Kama Fruta" me inspirou bastante.
    Eu, pelo meu direito de obedecer, e fazer a lição de casa, ilustro aqui, uma pitadinha da minha relação com o feminismo, já que o assunto são as mulheres.

    Mulher Objeto, fruta
    Mulher comível
    Laço devasso
    Entre a musa e puta
    Passo crasso
    Entre a graça e o risível

    Mulher sexo, agil
    Mulher apimentada
    Se faz de pândega
    Diante da carne frágil
    Se faz de cega
    Diante da gasta cantada

    Perseguida
    Pela regra, a norma e o modelo
    Metida a ser natural
    Emputecida até o cabelo
    Oferecida
    Ao direito de ser plural

    Beijo e sucesso sempre

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    1. Aê, Vanessa! Tá vendo só? Nada como a gente dar um chacoalhão na poeta adormecida dentro da moçoila. Adorei! Guarda numa pastinha pra um possível livro de poemas "induzidos".

      Beijos,
      Léo.

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    2. Já ta guardado.
      Adormecida, Léo? Acho que nunca foi, e ainda me tira o sono.
      Poeta, não sei. Costumo chamar de encosto troncho aspirante a remendado.
      Não sei se é bom ou ruim, mas machuca um pouco.
      Há tempos andou preso, mas agora está mais rebelde.
      Por hora continuo no desafio, enquanto houver munição.

      Beijo e sucesso.

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    3. Aí, sim, Vanessa! Gostei de ver! O negócio é poetar o mundo, pois ele anda bem azedo.

      Beijos,
      Léo.

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