sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Trinca de Copas: 30) Augusto Teixeira, Clodoaldo Santos e Marcio Policastro

1) EVEREST

Queria ter escrito sobre Clodoaldo Santos há tempos, não só porque é um querido amigo, mas sobretudo por se tratar de um baita compositor. Conheci-o no já lendário (e saudoso) Café do Bexiga, no coração do Bixiga, bairro boêmio paulistano que ainda sobrevive, apesar das marés baixas. Clodoaldo é filho de outro baita compositor, o sergipano (é, eles existem!) Batista, que então dirigia o bar. Confesso que sinto imensas saudades da época. O Café do Bexiga era reduto da boa música, mas era, além disso, um ponto de encontro das mais variadas vertentes de compositores nordestinos que residiam em Sampa. E como Kana, minha nordestina japa, tocou lá durante homéricos fins de semana (muitos deles sob a batuta do grande Vidal França), varei noites de felicidade – num tempo em que eu podia fazer isso sem ser acometido por amnésia alcoólica.

Mas voltemos a Clodoaldo: conheço-o desde uma época em que ele era menor que eu (se é que isso foi possível algum dia! – hoje é tão expansivo pra cima quanto pros lados) e, quando subia ao palco, era todo timidez e singeleza. Lembro que ele ouviu A Paz (de Donato e Gil) pela primeira vez ali, interpretada por Kana, e levou anos achando que a canção era dela. Fui corruptor de menores, pois letrei algumas de suas belas melodias quando ele ainda não tinha idade pra votar. Lembro-me de um chiste que vale contar: anos depois, quando ele já era um galalau (fosse um livro, seria um catatau) e trabalhava como técnico de som no não menos saudoso Lua Nova (também no Bixiga), recebeu um sensacional apelido de uma amiga uruguaia, Samantha Navarro, que fazia show na casa e, por não saber pronunciar Clodoaldo, tascou um Kovaldo... Se eu fosse ele, assumia logo esse nome. Não é uma pérola? Leiam: Kovaldo Santos! Sucesso!

Pois bem, como forma de homenagear o velho Café do Bexiga, resolvi trazer pra cá uma de minhas mais recentes parcerias com meu bexigueano Kovaldo, Everest, que é resultado de uma melodia que ele me mandou sobre a qual compus essa quase surreal letra. Queria tê-la publicado aqui faz uns meses, mas ele sempre me pedia pra esperar até que tivesse tempo de gravar "a boa". Como nunca conseguiu achar esse tempo, publico a que ele me mandou. Se você estiver lendo este texto em 2016, provavelmente ele já terá tomado vergonha na cara e me mandado essa "boa", daí eu terei trocado o arquivo e tal; mas se você lê essas maltraçadas no agonizante 2015, releve a insegurança do caro Kovaldo, porque o que vale na vera neste espaço é a "fotografia" do momento. Subamos, pois, ao Everest:

EVEREST
Clodoaldo SantosLéo Nogueira

Quando eu tô com você
Me sinto um ET
Acendo a lareira em pleno verão
É caso de internar
Lareira aqui não há
E é uma geleira o seu coração
Quero ir pro Ceará
Quando eu tô com você

E nem que o sol queira
E adentre a soleira
Aquece você
Nem se incendeio a casa inteira,
Acendo o seu prazer
Você faz chover

Daí, se você se vai
Me finjo um samurai
Num frio de rachar, ligo o ventilador
O inverno é tão vulgar
Nem sabe esfriar
Tomo banho frio pra ventilar a dor
No Everest é bom suar
Because I never cry

Mas sou trapaceiro
Tô num cativeiro
Sem mãe e sem pai
Nem vai servir chamar o bombeiro
Melhor ir pro Paraguai
Se você se vai

***
2) FILOSOFIA II

Gosto tanto, mas TANTO(!) de um samba do bom Gusto chamado Estação Felicidade (um clássico moderno!), que tive a cara de pau de lhe fazer um pedido sem noção, que era justo o de que ele me compusesse pra eu letrar uma espécie de Estação Felicidade II. Como as histórias não se repetem (soube na pele o grande Sergio Sampaio, após soltar na rua seu bloco), Augusto me mandou um samba bastante distinto do outro. Pra sorte minha, pois este tinha um nítido pé em Noel Rosa (uma de minhas maiores influências). E tanto, que, quando o letrei, não tive pudores ao escolher como título – na impossibilidade de um Estação Felicidade II, um – Filosofia II, homenageando (e, obviamente, conversando com) o maravilhoso Filosofia ("O mundo me condena/ E ninguém tem pena/ Falando sempre mal do meu nome...") do velho/novo Noel.

A gravação a seguir é um registro ao vivo feito em uma apresentação de Augusto no Gato de Máscara Estação Cultura, acompanhado apenas por Daniela Ribeiro, que tocou um instrumento percussivo que se assemelhava a uma caixa de fósforos, mas não era. Averiguei com ele, que me informou tratar-se de um ganzá de bolso(!). A ela, pois:

FILOSOFIA II
Augusto Teixeira  Léo Nogueira

Na filosofia, eu voltei pra vaca-fria
Na religião, eu mais me afastei de Deus
Mas, junto aos ateus, o cinismo me deu a mão
Vi que os meus irmãos não são dos meus

Foi só ficando só
Gozando a minha dor
Que, embora infeliz,
Me fiz caminhador
Dar sopa pro azar
Faz parte do meu show
Fui sem olhar pra trás
E a paz me atropelou

Pra aristocracia eu trafico alegria
O meu ganha-pão vem do que der e vier
E não há mulher que decifre o meu coração
Só devoro em vão o mal me quer

***
3) VIDA MAMBEMBE

Agora que reparei numa raridade dessa trinca: o mais comum é eu mandar letras pra que parceiros musiquem, mas, no caso dessas três, ocorreu o oposto, ou seja: cada um deles me mandou sua respectiva melodia pra que eu letrasse. E o caso mais recente foi o do mano Policastro, que, quase sempre quando necessita de uma letra romântica, pede que eu lhe quebre o galho de conceber os versos. Foi assim que nasceu essa nova cria, uma bossa abolerada (ou seria um bolero "abossado"?) com uma melodia linda. Mas o mais interessante foi como a letra nasceu. Conto: meu caro brou Ricardo, aliás, Rica Soares, após um primeiro contato que tivemos no whatsapp pelo qual me apresentei com um chistoso "I am here", respondeu-me com um não menos chistoso "Wherever you go, there you are", que, vem a significar algo como "aonde quer que você vá, lá estará você".

Ora pois, após ele me fazer dar conta de tal obviedade, cheguei mesmo a lhe responder que isso podia dar uma letra (nós, compositores, sempre quando ouvimos – ou dizemos sem querer – algo que julgamos original ou pelo menos espirituoso, mandamos essa de "isso dá letra"). Depois disso, fui cuidar da vida e, verificando meus e-mails, não é que me deparei com a supracitada melodia de Poli? Ouvi-a algumas vezes – gostei pra caramba!, já disse – e não tive dúvida: iria desenvolver a tal da ideia nela mesma. E, aparentemente, deu certo. Mas quem vai dizer se sim ou se não serão vocês. Portanto, paro o lero pra vocês tascarem o play:


VIDA MAMBEMBE
Marcio Policastro  Léo Nogueira

Pr'onde seu caminho seguir
Você vai estar sempre a seu lado
Ninguém modifica o passado
Nem foge de si

Pode se esconder na Guiné
E nem adianta ir sozinha
Quando perceber... adivinha!
Lá estará você

De repente, um dia,
Sua só companhia
Já não mais te sacia
Nem o gim

Se essa vida mambembe
Perder o rumo, baby,
Talvez, você se lembre
De mim

***

PS: Detalhe pequeno (de nós quatro), mas não de todo desimportante: como se tratam de gravações caseiras, muitas feitas no ato da composição, vez ou outra há lapsos na interpretação, portanto, falando das letras, como dizem, vale o escrito.


***

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