quarta-feira, 9 de maio de 2018

Crônicas Desclassificadas: 192) A arte do encontro

Sonhei recentemente com o diálogo a seguir. O jeito foi acordar e transcrevê-lo. Com algumas adaptações, claro, mas só pra não dizer depois que não fiz nada.


A arte do encontro


Lá vem ela, apressada, caminhando a passos largos. Ele vai em sua direção, devagar, mãos nos bolsos e assoviando. Quando a vê, abre um sorriso de comercial de pasta de dente, como se acabasse de encontrar uma velha conhecida, e a aborda:

— Oi! Você tá indo no sentido errado. O caminho certo é por aqui.

— O quê? Como assim? Moço, desculpa, mas eu tô com pressa.

— A pressa é inimiga da contemplação —, diz, tomando-a pelo braço.

— Espera, eu nem te conheço...

— Meu nome é Moacir. Agora você já conhece. Olha que dia lindo tá fazendo. Vamos dar um passeio.

— Vai chover.

— Com você do meu lado, não me preocupo em me molhar um pouquinho. Melhor se molhar junto que ficar seco sozinho, não acha? Não vamos deixar que um detalhe insignificante estrague a arte do nosso encontro, né? Manja Vinicius de Moraes?

— Desculpa, moço, mas não tô com tempo pra filosofias.

Ele, sem soltar seu braço, toma sua mão e, beijando-a, contesta, cantarolando:

— "Tempo, tempo, tempo, tempo" —, e, na sequência — Que é isso, linda? O que mais importante você tem pra fazer hoje que dar um passeio comigo? Você é dona do seu nariz: jovem, livre, desimpedida...

— Tenho mais de 40. E sou casada.

— Tudo bem. A gente dá um jeito. Que tal entrar com um pedido de anulação?

— Anulação? Tá louco? E o que é que a gente vai alegar?

— Que o casamento não foi consumado e você é virgem ainda.

— Eu tenho três filhos pequenos.

— Tudo bem. Meu coração é grande. Vou assumi-los como se fossem meus. Um divorciozinho e não se fala mais nisso.

— Mas... mas...

Gotas grossas começam a cair. De repente, ele para, olha-a fixamente nos olhos e diz:

— Nem mais, nem meio mais. Aliás, parece que vem aí um temporal. Não temos tempo. Melhor a gente entrar naquele hotelzinho logo ali pra se proteger. Mas só te levo com uma condição.

— Que condição?

— Você dizer que me ama.

Ela, incrédula, com os olhos esbugalhados estuda o rosto leve e alegre daquele rapaz que não deve ter mais que 25 e, sem titubear, responde:

— Eu te amo.

— Eu sei, eu sei. Também te amo, Sílvia.

— Meu nome é Paulla.

— Ninguém é perfeito. Também preciso te contar uma coisa: eu sou palmeirense.

Olha-a com certo ar de vergonha. Seu rosto enrubesce ligeiramente. Ela dá de ombros. Ele sorri e, aliviado, acaricia o ombro dela dentro de um abraço. Entram. Do lado de fora, o mundo desaba.

***

2 comentários:

  1. Kkkkkk
    Aposto que a história é outra!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Copiando comentário do face:

      Pior é que é verdade! E no sonho era até melhor. rs

      Excluir