A terra é redonda — referimo-nos ao planeta, assim, grafemo-la com maiúscula. Um giro completo dela — a Terra, o planeta — leva 24 horas. A história se repete. Dizem que às vezes em tom de farsa. Farsante eu, como posso dizer que essa afirmação é (ou não) verdadeira? Quando muito, posso apenas afirmar que me coube viver nesta época e que tenho me esforçado pra viver bem, tanto no que diz respeito a desfrutar dela (da época) quanto no que diz respeito a ser um homem de meu tempo, com suas preocupações, seus prazeres e suas (des)culpas. Como de culpas estou até aqui (visualizem, atentos leitores), prefiro pensar em tudo o mais. No mais, como acredito em reenca(de)rnação, melhor pegar leve comigo durante a viagem desta carcaça que me coube habitar...
Há um milhão de anos, li um romance maravilhoso chamado Yargo, escrito por uma escritora estadunidense não tão maravilhosa assim (seu nome, Jacqueline Susann, pelo que soube depois uma espécie de Sidney Sheldon de saias); mas esse livro ao qual me refiro é emocionante. Pesquisando, soube que foi escrito por volta da década de 1950, mas publicado só em 1979, ou seja, mais de quatro anos depois da morte de sua autora. O que quero dizer com isso? Ela passou a vida publicando bobagens (li dois ou três esquecíveis romances dela durante minha aborrescência), mas só conseguiu que esse grande livro fosse publicado quase 30 décadas depois de escrito e quatro anos depois de sua morte.
Resumindo, trata-se de um livro de ficção científica e conta, pelo que me lembro, a história de uma terráquea meia-boca que, por engano, é abduzida por uma nave espacial e acaba indo parar no planeta homônimo. O interessante é que, como lá, um planeta avançado onde todos são intelectualmente muito elevados e agem, vestem e vivem de modo, digamos, linear, é justamente a terráquea, com todos os seus defeitos, que acaba (sem querer querendo) fascinando e seduzindo o tal do Yargo, o deus da moçada avançada. Seu sequestro fora um equívoco; a ideia era raptar um grande cientista a quem os yargonianos pretendiam transmitir informações vitais para a sobrevivência da Terra, mas, se não me engano, por causa de uma chuva de meteoros chegaram atrasados alguns anos e, pra não voltarem de mãos abanando, resolveram levar a moçoila, que estava à mão e facinha.
Por que me lembrei desse livro quando o assunto é exílio? Não faço a menor ideia — além do fato de ter vivido essa personagem uma experiência de exílio interplanetário. Muito menos quero dizer que eu, figura menor da cena lítero-musical brasuca, pretendo me propagandear como um novo protagonista de uma versão japa da supracitada história. Não. Só quis aproveitar a oportunidade pra divulgar também esse livro, que marcou minha adolescência. O que sobra de real é um muchacho "falso-cearense" ralando "bagarai" pra ter direito ao pão de cada dia num país cuja língua ele — ainda — não domina... poder-se-ia dizer que por ela é dominado... e que manda avisar que do lado de cá está tudo bem.
Embora ele seja por aqui não mais que um trabalhador braçal (em cinco dos sete dias da semana), vê-se muito mais bem remunerado do que soía ser em solo pátrio fazendo algum tipo de trabalho que se aproximasse do intelectual. Bem, ele está perto dos 50, então não sabemos durante quanto tempo mais terá condições físicas (e psicológicas) pra desempenhar esse papel, mas, como fez um checape há pouco e descobriu — pra surpresa sua — que está tudo bem com ele, acreditamos que dará conta do o(ri)fício ao menos por mais um par de anos... Ele ainda abre o jogo e diz que tem acompanhado como pode a cena eleitoral brasuca, com esperança e apreensão, e, paralelamente a isso, ainda tem ânimos pra torcer pela Seleção Brasileira na Copa da Rússia.
Que, diga-se, é aqui do lado. O exilado avisa que, sim, é verdade, quanto mais longe estamos do país mais nos sentimos pertencentes a ele. Claro, quem está há muito tempo longe e só acompanha as novidades pela imprensa "oficial" acaba desenvolvendo uma aptidão pro "coxinhismo", mas não é seu caso — pelo menos ainda. O exilado conta que sente saudades da família e sobretudo dos amigos chegados, aqueles com quem costumava tomar uns pileques e costurar umas canções (não exatamente nessa ordem). Afirma que o bacana de ser exilado nos tempos atuais é que, com a internet e as redes sociais, vez em quando até esquece que está longe pra caramba do solo pátrio.
Mas em seguida se lembra da distância quando seus amigos e/ou leitores o ignoram abissalmente, como se ele já tivesse morrido. Isso é o pior do exílio; entretanto, além dele, há a falta de auxílio; o adjetivo brasílio; o Vaticano e seu concílio; a entrega em domicílio; o Emílio (masculino de Emília); o filho (pródigo); quem aperta o gatilho; aqueles a quem humilho (incluindo a mim mesmo); o idílio (e seus escritores); a beleza do junquilho; meu amigo Lucílio; os derivados do milho; o crescimento do novilho; as utilidades do óleo; as inutilidades que partilho; o filme O Quatrilho; o Zé e o Ramalho; os superpoderes do supercílio; Ricardo Moreira, o rei do trocadilho; a utilidade do utensílio; o poeta Virgílio; e o recruta Zero, que até pra rimar vale o nome (meio que parecido com certos exilados...).
Trilha sonora: RPM, London, London (Caetano Veloso)
PS: Interessante escrever sobre o livro Yargo e terminar com a canção de Caetano, que trata de discos voadores. Ficou mais bonito porque não proposital. E eu, em Tóquio, sigo fugindo de terremotos e olhando pro céu em busca dos tais discos... Nem preciso acrescentar que fui eu quem escolheu a palavra. Minha terra tem Palmeiras(?)...
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Grande Léo! Aqui no Brasil as vezes sinto que estamos mergulhados em um conto de Horacio Quiroga. Enquanto a nação dorme um monstrinho chamado "temeroso" vai se nutrindo dos sonhos dos brasileiros. E a cada dia vamos perdendo as esperanças em dias melhores. Não vejo entusiasmo na maior parte da galera em torcer para o Brasil nessa Copa do Mundo. Mas quem está de fora desse manicômio governado pelo Golpista Temer(oso). Como você que vive agora no Japão, me passa uma impressão de maior "tranquilidade" do que nós aqui no Brasil, principalmente nesses tempos tão confusos como estamos vivendo. Aproveitando o tema do exílio postarei duas canções que eu acho perfeitas para esse momento tanto o seu como o nosso (risos).
ResponderExcluirTinha escrito uma resposta inteligentíssima, mas, quando fui publicar, a resposta se escafedeu. Resumindo, eu dizia que vou torcer como nunca pela Seleção (amarelinha à parte) e mais ainda pela eleição.
ExcluirAbraços, cumpádi!
レオ。
"Meu caro amigo, me perdoe, por favor
ResponderExcluirSe eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo, eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo, eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita careta pra engolir a transação
Que a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo, eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus!"
Chico Buarque
A Canção de Chico Buarque tem uma sacada muito inteligente, pois em sua composição a letra nos remete a um poeta que está vivenciando "o exílio", a letra nos lembra uma antiga carta em comparação com e-mail (risos). Então o sambista Luiz Ayrão compõe uma resposta para essa "carta" através de outra canção. Requisito 10 em criatividade! Genial!
"Amigo Chico, recebi a sua carta
E talvez eu já não parta
Como estava planejando
Você me diz que a coisa aí tá preta
E na pá e na picareta a gente acaba segurando
Tava querendo regressar ainda este ano
Mas você mudou meu plano
Lhe agradeço pela pista
Se estão jogando futebol
Se estão dançando rock'n roll
Sinceramente, sua gente é masoquista
Por outro lado
To cansado de dar duro
E queria no futuro humildemente descansar
E esperando bem sentado
Aquele reino encantado
Que disseram pra eu humilde esperar
Mas ser humilde hoje em dia é careta
O negócio é mutreta
E pelo que você me diz
A coisa aí anda tão preta
Que nem dando pirueta
Em seu planeta
Se consegue ser feliz"
Luiz Ayrão
Mais atual do que isso é impossível! Essas letras que foram compostas há décadas simplesmente diz tudo o que está acontecendo nos dias atuais.
Me lembro vagamente de você já ter me contado sobre isso, mas não me lembro da canção do Ayrão. Vou procurar saber.
ExcluirAqui em Tóquio 'tão jogando beisebol...
Abrasss,
レオ。
Caro amigo (ia escrever Leo em lugar de amigo, mas soou cacofônico) como de praxe, adorei o texto! Você teme os terremotos (putz agora aliteração fajuta) e aqui tememos os meses que faltam para essa fase do golpe terminar, e o que virá depois (particularmente o temor só aumenta). Para findar e não fazendo sentido com o restante do escrito esta escriba microburguesa, também já leu o livro Yargo, também na adolescência, mas me questiono até hoje esses livros filmes de sci-fi que terminam sempre com o jeito terráqueo sendo o melhor de viver enquanto o invasor ou invadido é sempre muito ruim e seus costumes não bons o bastante para a raça humana(que convenhamos não é lá grande coisa). Até mais ver!
ExcluirDeisoca, mais afinidades. Sim, entendo tudo isso. Tô feliz por aqui e, do jeito que a coisa anda por aí, não quero voltar tão cedo (pelo menos pra morar). Acho que um terremoto (desde que não seja um terremuito) é fichinha perto dos "temeres" de terra que ocorrem por aí. Quanto ao Yargo, sim, é mais um daqueles livros que levantam a bola dos terráqueos. Mas, convenhamos, nem todos merecem, mas, de vez em quando, merecemos que levantem nossa bolinha, não? A autoestima anda tão em baixa em meio aos furacões internos e externos...
ExcluirBeijos,
レオ。
Na sua terra tem palmeiras e tem Corinthians tb.
ResponderExcluirDepois de muitas gargalhadas! Eu digo que você tem razão! rsrs
ExcluirCom esse seu sobrenome, Curci, você devia ter vergonha de ser traidora da "causa". rs
ExcluirTotó, tá rindiquê?
30 décadas :O :O :O
ResponderExcluirExplica aí, Deisy, que essa eu não captei... rs
Excluirレオ。