quinta-feira, 2 de maio de 2019

Esquerda, Volver: 24) Lula Livre — muito mais que um samba

por Malu Freire
Um ano e pouco depois de sua prisão, que tal falarmos um bucadim sobre Lula? E, notem, nem me refiro a sua pessoa física, ao dono de um CPF e de um RG, mas sim a essa entidade que seu nome se tornou com o decorrer das décadas, desde os já longínquos anos 1970. Lula hoje no Brasil é sinônimo de salvador da pátria, adjetivo que carrega em si muito preconceito. Muita gente — entre a qual diversos intelectuais — espinafra essa alcunha. Tenho ouvido e lido bastante contra os salvadores da pátria. O próprio Ciro Gomes em sua campanha ano passado batia repetidas vezes nessa tecla: "Chega de salvadores da pátria!" Foram tantos, e tantas vezes, que eu mesmo cheguei a pôr em xeque a importância desses sujeitos. Até que repensei. Parágrafo novo.

O que são afinal os tais salvadores da(s) pátria(s)? E por que hoje são tão esculhambados por intelectuais nascidos em berço esplêndido? Juro que pensei muito a respeito e, embora não tenha ainda chegado a uma resposta definitivamente satisfatória, pelo menos achei uma que temporariamente me agrada: porque os salvadores da pátria sempre foram necessários nos momentos de maior perrengue nacional (e esse nacional não se refere apenas ao Brasil, mas ao de cada nação). Nenhuma revolução foi levada a cabo sem a imagem — necessária — de um (ou mais) salvador da pátria. Às vezes eles são um tanto folclóricos, exagerados, excessivamente carismáticos, portadores de defeitos singulares, mas sempre (ou quase) foram figuras aguerridas, prontas a doar a própria vida em nome de uma causa (até Jesus, de certa forma, pode ser visto como um).

Causa! Eis aí outra palavra que hoje em dia é interpretada de forma pejorativa. Quando falamos em causa, é natural que nos venham à memória as batalhas da esquerda, com seus protagonistas donos de imagem até aparentemente histriônica... Só pra não nos alongarmos ad infinitum, citemos alguns apenas do século XX pra cá: Trotski, Gandhi, Vargas, Perón, Mandela, Fidel, Che Guevara, Madre Teresa, Gorbachev, Chávez, Mujica, Obama, papa Francisco... etc. etc. Salvadores da pátria costumam ser também adjetivados de populistas, e sempre de modo pejorativo. Entretanto, convenhamos: existem populistas e populistas. Geralmente, são aqueles que sabem falar a língua do povo, dialogar com ele em pé de igualdade... Novo parágrafo novo.

... E, trazendo pra nossa história recente, caso o PSDB tivesse tido um só (um apenas) líder populista, não teríamos hoje que estar amargando um presidente populista no pior sentido da palavra. O máximo a que eles (os tucanos) chegaram foi a FHC, que, além de não ser populista, nem sequer pode ser chamado de popular. Aliás, na mais recente eleição o candidato escolhido pelos tucanos pra disputar a presidência foi um sujeito com o nada recomendável apelido de Picolé de Chuchu(!). Em termos de carisma, essa mesma eleição teve um "projeto de Lula" chamado Ciro Gomes, que até poderia ter tido melhor desempenho nas urnas não fosse sua sempre destrambelhada mania de "errar na dose". O bom populista sempre crava a palavra certa ("pra doutor não reclamar") na hora certa sem errar um milímetro. Ciro às vezes erra tanto que a bola em direção ao gol vai parar na lateral.

Bom, dei essa volta toda pra falar sobre a prisão de Lula, que é considerado o melhor presidente do Brasil de todos os tempos. Reflitam: não é estranho que justo esse melhor presidente tenha sido preso? A quem isso interessa? Ao povo é que não. Tampouco (viu, Teju?) às empresas e aos bancos, que lucraram muito em seu governo. Também não interessa aos jovens, aos negros, às mulheres, aos homossexuais, aos retirantes etc. etc. A quem, pois? A uma classe média rancorosa que se sentiu desprestigiada em seu governo e àqueles que sempre tiveram uma vontade feladaputa de vender o Brasil, de transformar nosso país num playground estadunidense. Por isso, era crucial que Lula fosse impedido de ser candidato às eleições passadas. Era primordial que a justiça(?) fosse célere e que as provas fossem trocadas por convicções (ideológicas, of course). 

E foi pensando nessas e noutras questões que meu querido amigo e parceiro Teju Franco concebeu um belo samba que batizou com o acertado título de Lula Livre, que eu alcunhei de O Bêbado e a Equilibrista de nossos tempos. O samba é bom por si só, por sua rica linha melódica e por sua letra inspirada e necessária; entretanto, ganhou ainda mais quando Teju percebeu que ele tinha uma pegada coletiva (refiro-me ao samba, mas poderia estar me referindo também a seu autor) e teve a ideia de convocar alguns amigos artistas pra dividir o canto com ele. E um chamou outro, que chamou mais um, e de repente já havia uma legião de vozes afi(n)adas em prol da causa: a liberdade de Lula, que meio que coincide com a libertação do Brasil.

Assim, com poucos recursos, um violão na mão e mil ideias na cabeça, chegamos ao vídeo Lula Livre, que foi originalmente publicado no site Brasil 247 com texto de um querido parceiro, o jornalista e compositor pernambucano Gilvandro Filho (leia aqui). Posteriormente, o vídeo foi publicado também em outros sites de esquerda, e agora chegou o momento de ganhar destaque neste meu bloguinho, que não é lá a sétima maravilha, mas é sincero. No mais, é o mínimo que eu poderia fazer, visto que não tive participação nenhuma no projeto, que, aliás, contou com a participação de muitos amigos e parceiros meus. É hora, pois, de encerrarmos o blá-blá-blá e irmos ao lá-lá-iá: Lula Livre, o samba!



PS: Aproveito a ocasião pra trazer pra cá também interessantíssima entrevista que Teju concedeu ao DCM TV. Ei-la:



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Por último — mas não menos importante —, queria dedicar esta prosa e todo o seu conteúdo à grande Beth Carvalho, a rainha do samba, e não só. Soube que Beth nos havia deixado enquanto escrevia sobre Lula e o samba de Teju, e lembrei-me de que ela, além de cantora, sempre foi uma pessoa atuante politicamente, e desde jovem, quando trocou a burguesa bossa nova pelo proletário samba. Coincidentemente, Beth já havia cantado um samba homônimo, e tenho certeza de que teria adorado este. Ficam aqui minha homenagem e meu agradecimento a essa grande cidadã brasileira que muitas alegrias nos deu — e continuará dando, pois sua obra permanece. Vai em paz, rainha; que nós seguimos na luta!


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4 comentários:

  1. Obrigada pelo texto, P Samba Lula Livre faz parte da minha play-liste.

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    1. Obrigado pela presença de sempre, Mi!

      Abraços,
      レオ。

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  2. Querido parceiro, brigaduuuuuu, ando meio louco só vi agora esse texto do dia 2

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    1. Antes tarde do que mais tarde, mano meu. Tamo "tejunto"! rs

      Abraçaço,
      レオ。

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