sábado, 15 de junho de 2013

Crônicas Desclassificadas: 91) Ser palmeirense em terra de campeões

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo". É assim que começa o Poema em Linha Reta, de Fernando Pessoa (sob o heterônimo de Álvaro de Campos), um de meus poemas prediletos, e não apenas entre a obra de Pessoa. E é um de meus prediletos justamente porque trata da hipocrisia do convívio em sociedade, na qual todos necessitam ser os melhores, os imaculados, os campeões! O poema é antigo, mas sua atualidade é espantosa. Principalmente porque hoje em dia, vivendo sob as regras do capitalismo, vemo-nos obrigados a ser "campeões", incitados à competitividade. Dessa forma, não temos colegas de trabalho, temos adversários. E só há dois tipos de pessoas: os vencedores e os perdedores. Aqueles andam de cabeça erguida, escondendo no mais recôndito de si seus temores e deslizes. Já estes...

Tenho um carinho muito grande pelos perdedores. Considero-os personagens riquíssimas, complexas, desafiadoras, enfim, intrigantes. Se os vencedores são tipos óbvios e previsíveis, os perdedores são sempre uma incógnita, pois ninguém sabe qual será seu próximo passo. A literatura e o (bom) cinema estão repletos deles, de Dostoiévski a Kurosawa, de Machado a Scorsese. A mente humana é algo muito intrincado, de muitas nuances. Assim, obrigar uma pessoa a ser um vencedor é não respeitar sua vontade. É simplificá-la, reduzi-la. O vencedor não pensa, aliás, pensa apenas em alcançar metas que lhe possibilitem continuar "vencendo". Mas não pensa no porquê daquilo tudo, está ocupado demais pra raciocinar sobre as engrenagens a seu redor, a máquina de construir campeões. Sua vida, seus valores, seus sonhos, tudo deixa de ter sentido, ele precisa ser melhor que os perdedores, pra ser igual aos vencedores.

E o que é ganhar? E o que é perder? Qualidade de vida também é, de certa forma, ganhar. Há pessoas que trabalham 12, 14 horas por dia, ou até mais. Essas pessoas, por mais que ganhem bem, simplesmente não têm vida. E, se amanhã são despedidas, entram em desespero, porque veem se aproximar o fantasma da derrota. Eu, particularmente, prefiro a qualidade de vida. Já trabalhei tanto, já fui tão explorado, que hoje procuro me equilibrar entre o trabalho remunerado e o não remunerado. O não (ou mal-)remunerado são este blogue, a música, meus tantos romances inacabados e mais uma série de projetos em que me enfio com vivo prazer e que não necessariamente me dão retorno financeiro. Porém, muitas vezes, apenas o fato da realização da coisa em si já me basta. Como canção recente que fiz com Gabriel, em homenagem a sua sobrinha recém-nascida. Terminei-a com o rosto banhado em lágrimas, gotas bem mais preciosas que o vil metal.

E é aqui que entra a Sociedade Esportiva Palmeiras, esse quixote dos estádios nacionais. Como comentei acima, sou adepto da vida com prazer. E sempre foi com esse olhar que acompanhava futebol. Como meu pai é palmeirense, acabou influenciando a mim e a meu irmão, que desde cedo aprendemos a amar esse clube tão único no panorama esportivo nacional. Pra mim, ver um jogo era como ir ao cinema ou ler um livro. O prazer era o mesmo. Encarava futebol como uma arte, o que me fez acompanhar jogos de outros times e admirar jogadores que vestiam outras cores, como Zico e Sócrates, por exemplo. Naquela época havia uma relação de amor também entre os jogadores e seus respectivos clubes. Muitos deles viviam praticamente toda a carreira jogando por um único time. Claro que o futebol era menos profissional, mas ainda hoje temos exemplos de dignidade futebolística, como os goleiros Marcos (recém-aposentado) e Rogério, do Palmeiras e do São Paulo, respectivamente.

Com o profissionalismo veio, obviamente, a busca pelas vitórias a qualquer preço, passando-se mesmo por cima do desejo de promover um bom espetáculo. Assim, o futebol como arte começou a regar a flor de seu ocaso. Hoje, times são empresas, jogadores são funcionários, a busca pela vitória é a meta. E o prazer? E o espetáculo? Daí,  pergunto: se na maioria das partidas o prazer não dá as caras, pra que perder 90 minutos de nosso tempo vendo 22 marmanjos dando trombadas um no outro? Chamem-me de hedonista ou do que for, mas há tempos perdi a paciência pra ver jogos feios e chatos, sem criatividade nem talento. Vejam a situação do Palmeiras, por exemplo. De tanto jogar como time pequeno, acabou tomando a vaga de um na Segunda Divisão. Tendo à frente um técnico de time pequeno comandando(?) um elenco de time pequeno. O problema não são as derrotas. É o medo de perder. Nessa terra de campeões, o medo de estar entre os derrotados é pior que a derrota em si.

Acho que meu amor pelo Palmeiras (e pelo futebol em geral) foi minguando quando os próprios jogadores começaram a virar mercenários, franco-atiradores. Um dia beijavam a camisa de um time, no outro, a de seu maior rival. Esses mesmos jogadores que ganhavam um caminhão de dinheiro pra devolver em troca desempenhos burocráticos. E eu não sou masoquista. Não sou obrigado a sofrer por um bando de pangarés endinheirados que não me proporcionam espetáculo. Ver um jogo feio é como ir ao show de um cantor que tem um mau repertório e desafina. Não à toa, vejo na rua muito poucos jovens ostentando a camisa do Verdinho. Os jovens, como todo mundo, querem ser campeões, então, vão torcer pro Santos de Neymar (aliás, com a saída deste, muito provavelmente veremos diminuir o número de santistas num futuro próximo), pro Corinthians campeão do mundo (ai, que dor!) etc.

Ser palmeirense hoje em dia não contribui pra que um cidadão fique com a autoestima em dia. Embora eu não assista mais aos jogos há um bom tempo, continuo acompanhando pelos jornais. E, por mais que eu finja não estar nem aí, ainda dói. Ver a situação caótica do Palmeiras é como sair na rua e ver uma ex-namorada de braço dado com outro. Ainda em relação à autoestima, dia desses, contrariando meu desejo, acabei ligando a tevê pra ver os minutos finais de Palmeiras x Santos pelas semifinais do Campeonato Paulista. O Palmeiras havia feito o mais difícil: empatar no tempo regulamentar. E eu lera que seus jogadores haviam treinado pênaltis a semana toda. E, no fim das contas, deu Santos. E eu via o semblante de derrota na cara dos jogadores palmeirenses antes mesmo da batida do pênalti. Eles erravam antes de chutar. Eles sabiam que eram medíocres e não mereciam sair dali com uma vitória. Tratava-se de uma derrota interna, interior, autoderrota. Disse acima que tenho carinho pelos perdedores. Por isso, continuo atento à tragédia palestrina, que dá melhor literatura que teatro, pelo mau desempenho dos atores.

Às vezes, eu mesmo fico espantado ao perceber como esfriei em relação ao esporte das massas. O que era amor virou descaso. Essa pequena dorzinha que dá no peito de vez em quando é porque me lembro de outro Palmeiras, e vem uma saudade... Saudade das alegrias que sentia, do quão embasbacado que ficava acompanhando apresentações homéricas. Hoje em dia, tudo é muito mixuruca, inversamente proporcional aos salários. Daí, quando vejo calorosos debates sobre futebol em mesas de bares, me bate um cansaço... E começo a observar seus rostos. Homens grandes virando crianças, levando gato por lebre. Mais ou menos como acontece com a música brasileira da atualidade. Gato por lebre. Fazer o quê? Quem só conhece gato não pode querer lebre. Ah, lembrei! O culpado disso tudo é um só: o italiano Paolo Rossi, que numa tarde de 1982 assassinou o futebol com três punhaladas. De lá pra cá, o cadáver insepulto virou isso que a gente vê hoje. Grana e mais grana movendo uma indústria que gira em torno do Grande Nada.

Olé!

***

4 comentários:

  1. Olá, amigo das letras e de time...
    Você é sempre ÓTIMO!
    Já que vc citou Zico, justamente eu pensava numa coisa dia desses... Se eu tivesse dinheiro para investir em um jogador (considerando a falta de qualidade que temos hoje), entre "adrianos","maiconsleites", mauriciosramos" etc... Eu compraria o Zico. Sim, o Zico!
    Com três meses de treino intenso, tenho certeza de que voltaria para a seleção...rsrs
    Em tempo, não sei se vc sabe, mas corro maratonas, e meu tempo, faz tempo, é o mesmo que é obtido pelos senhores da categoria dos 75 anos: 12,5 Km por hora...
    E vc?
    (No momento exato em que escrevo, a torcida de Pernambuco, foi convencida, pela bola, a torcer pela Espanha contra o Uruguai)

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    1. Ricardim, o Zico ainda seria uma boa pedida, hem? Ô, saudade!

      Correr maratona? Eu prefiro aplaudir na linha de chegada, copo à mão. rsrs

      E viu como somos românticos? Torcer pro Uruguai contra a Espanha... rs

      Abraço,
      Léo.

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  2. Léo, sou palmeirense "roxo" e entendo o que vc quer dizer. Já sofri na pele perdas de títulos e desclassificações ali no Palestra, ao vivo. E tb humilhações tipo Vitória, Asa, Mirassol; dois rebaixamentos, embaixadinha do Edilson, gozações de todo o tipo, dor mesmo, profunda. Mas, inexplicavelmente, continuo com o mesmo sentimento "verde" e acompanho até os jogos da Segundona. Talvez por me emocionar lembrando da Academia, dos 11 títulos nacionais, da Libertadores de 1999 e de 2000 (pênalti do Marcelinho), dos paulistões épicos de 1974, 1993 e 1996; de ídolos como Ademir da Guia, Leivinha, Luis Pereira, Jorge Mendonça, Zinho, Edmundo, Evair e Marcos... Futebol hoje é só grana? De jeito nenhum, meu amigo: quando o juiz apita, começa sempre uma grande viagem, inebriante e arrebatadora, seja contra o Manchester ou Oeste de Itápolis. É assim que me sinto: palmeirense sim, sempre. Sofrendo ou em êxtase, tanto faz. DÁ-LHE VERDÃO!!!!

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    1. Zé Luiz, confesso que tentei (rs). Até bem pouco tempo atrás mantive essa chama, mas faltei entrar em campo no lugar dos jogadores, que não demonstravam ali a mesma garra que eu do lado de cá. O futebol pode não ser grana pra nós, mas pra eles é, sem dúvida. No mais, minha tristeza não é apenas com o Palmeiras, é em geral. Até duas ou três copas atrás tínhamos jogadores pra formar até três timaços, hoje mal temos onze... Mas, independente disso tudo, o peito ainda bate descompassado de amor...

      Abraço,
      Léo.

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