domingo, 2 de junho de 2013

Trinca de Copas: 18) Adolar Marin, Kana (por Dandara Modesto) e Tavito

1) AGORA

Se eu fosse político talvez lutaria (entre outras coisas) pelas causas da chamada meia-idade (principalmente a musical). Este é um tema recorrente por aqui e que já se demonstrou espinhoso, pois às vezes quando defendemos uns parece que estamos ofendendo outros, o que não é verdade. A ofensa em algumas situações está nos olhos de quem lê. Mas deixemos os espinhos de lado e fiquemos com as flores. O fato é que queria postar aqui algumas parcerias novas, tenho mesmo umas quatro ou cinco cujo envio estou esperando há semanas, mas os parceiros andam atarefados por demais na brincadeira de ganhar a vida, e assim essas canções ficam repousando em algum lugar esperando tempo bom. Da nova leva, só mestre Tavito conseguiu me mandar uma, então, enquanto isso, resolvi resgatar duas das antigas pra completar o quadro, digo, a trinca.

E a primeira delas é justamente Agora, uma parceria às avessas que fiz com o mano Adolar Marin e que justifica o parágrafo anterior, em que falei de meia-idade. Bem, Adolar, embora alguns anos mais velho que eu, anda pela mesma faixa dos quarentões, passando por aquele momento em que os cabelos começam a pratear, a balança fica de mal com a gente, as idas ao médico passam a ser mais frequentes do que gostaríamos etc. Só que a cada década nova descobrimos um novo jeito de ser quem somos, que é a soma de todos os eus anteriores. Munidos de uma bagagem repleta de erros, antes de tomarmos alguma decisão, vamos lá consultá-la pra não repetir figurinha. E é disso que fala essa letra de Adolar, que ele, satisfeito após nossa Gerúndio (ouça-a aqui), enviou-me pra que eu musicasse, o que, como estávamos entre amigos, acabei fazendo de bom grado. Deixemos que fale a canção, pois:

AGORA

Agora que o meu passo é lento,
Outra dança invento
Agora, quando o tempo é denso,
Faço mais, não penso

Agora que o momento passa
E muito mais enlaça
Agora que as marcas são claras
Mais eu dou as caras

Agora,
Agora é que será melhor
Agora é a hora, é a hora é
Agora

Agora, aflora a dor amiga
Velha triste intriga
Agora sinto mais o mundo
Meu quintal profundo

Agora como com farinha
Fico mais na minha
Agora é que o bicho pega
Tudo é só entrega

Agora...

Agora ou nunca, nunca mais
Agora e sempre é de quem faz
Agora sei de cor

***

2) O CÉU IMAGINÁRIO

Como os muitissíssimos leitores d'O X do Poema já sabem, participo (um tanto passivamente, admito) de um grupo virtual (que há muito já transpôs essa barreira) chamado M-Música, o que vocês não sabem (é por isso que vou contar agora) é que, dia desses, um colega do grupo chamado Eduardo Martins nos confidenciou que, numa dessas noites de insônia, lá pelas não sei quantas e tantas da madrugueides, ele nem sabia mais se já dormia ou se ainda contava (997, 998, 999) white horses, mas o fato é que, a exemplo do velho Scrooge, personagem rabugenta do Conto de Natal de Charles Dickens, ele recebeu a visita de um espírito do passado, espírito esse mais conhecido em vida como Zé Rodrix. E Edu contou que o velho lhe dizia que lá no outro plano havia formado uma banda chamada O Céu Imaginário.

Crianças, antes de continuar esse conto de natal(?) tropical, visto que há menores na tela, embora eu saiba que é chato, é preciso ser um pouco didático. No começo da década de 1970 Milton Nascimento fez alguns shows acompanhado por uma banda que se chamava... O Som Imaginário. E essa banda era formada por Tavito, Wagner Tiso, Zé Rodrix, Fredera e Robertinho Silva. Bem, a banda gravou alguns discos, mudou algumas peças, participou de discos de vários artistas relevantes da MPB e, recentemente, voltou a se apresentar em shows pelo Brasil. As informações acima são precárias, fruto de um escrevente amador, mas quem quiser poderá encontrar farto material internet afora. Este parágrafo foi apenas pra que vocês saquem o tal do  supracitado O Céu Imaginário.

Pois bem, ao ler sobre esse sonho, pensei com meus botões: "taí um belo mote pra uma letra". Pedi autorização ao dono do sonho (isentando-me de ter que pagar direitos autorais em troca de citá-lo... brincadeira, Edu!), e já ia pondo mãos à obra, quando pensei em adaptar as personagens de tal sonho. Lembrei-me de que Tavito também costuma dar o ar da graça vez em quando na M-Música e que, em nome do marquetingue do bem, seria uma bela sacada pô-lo como protagonista da situação vivida por Edu. O resto vocês já adivinham: fiz a letra, mandei-a pra mestre Tavito, ele a musicou lindamente, e o resultado desse onirismo lhes presenteio agora, com o próprio Tavito em voz e arranjo, em gravação demo, mas de responsa. Ah, como é bom sonhar!

O CÉU IMAGINÁRIO

Eu tava com uma insônia danada
Nem lembro se sonhei ou se ouvi
A tão peculiar G.A.R.G.A.L.H.A.D.A.
E um "adivinha quem tá aqui"

Abri os olhos, vi em pessoa
O meu irmão e amigo de fé
Não era sonho não, gente boa, 
Na minha frente estava o  !

Era o  
Que me apareceu chegado de lá
Só pra gente lembrar

Com seu bigode velho de guerra
E os óculos sem grau, tudo bem
Falou: "resolvi vir à terra
Pois cansei de tanta paz no além"

Chamou Pedrão pra levar um lero
Expôs a sua opinião
E disse, com seu jeito sincero:
"Seu Gerente, a gente quer mais ação!"

Era o  (pois é!)
Que me apareceu chegado de lá
Só pra gente lembrar

E o , pra agitar a galera,
Propôs um rock celestial
Chamou pra banda um bando de feras
E os anjos pra fazer um vocal

Tem uma vaga já reservada
N'O Céu Imaginário pra mim
'Brigado, , valeu a parada,
Mas eu vou demorar mais um pouquinho...

Era o
Que me apareceu chegado de lá
Só pra gente lembrar

***

3) CURUMIM

foto: Rick Sybrandy
Dediquei há pouco um Ninguém me Conhece (tardia, mas sinceramente) à querida Dandara Modesto. O texto fez o maior sucesso (dentro dos padrões xis-poemísticos), mas um amigo me cutucou dizendo que eu aproveitara o texto pra "puxar brasa pra minha sardinha". Como sou um sujeito claro (pra alguns, invisível), a resposta que dei a ele repriso aqui: "[...] quando decidi ter um blogue pra chamar de meu, a intenção era... puxar brasa pra minha sardinha! Só que aí fiquei pensando: se eu puxar brasa pra minha sardinha sem ter leitor, o blogue não vai passar de onanismo virtual. Então, após muito pensar, cheguei à conclusão de que a melhor maneira de conseguir meu intento era... falando bem de outros artistas que considero e a cujo universo pertenço. Resumindo: brincadeiras à parte, não sou exatamente uma Madre Teresa de Calcutá, então, sempre que posso, aproveito o leitor interessado na obra do homenageado pra fazer uma propagandinha, que ninguém é de ferro."

A confissão acima explica os motivos pelos quais resolvi trazer Dandara à baila novamente, dessa vez pra tratar de uma canção que, não fosse por ela, estaria relegada às traças. E aqui aproveito pra demonstrar o quão importante são cantoras corajosas no panorama da música de um país. A história é a seguinte: nos primórdios Kana me enchia de fitinhas cheias de melodias, que eu ia ouvindo aleatoriamente e, dentre as quais, mais aleatoriamente ainda, ia escolhendo uma ou outra pra letrar. Certo dia achei uma que me encantou, e tanto, que a letra saiu praticamente num jorro. Contudo, quando mostrei a ela o resultado, em primeiro lugar, ela não se recordava da melodia, em segundo lugar, não tinha morrido de amores pela letra...

O plano B foi fazer o de costume na época: pedir a meu mano Élio Camalle que fizesse uma gravaçãozinha dela pra que Kana não só estudasse a pronúncia como também, quiçá, se envolvesse com a letra. Camalle, a contragosto (como uma mão lava a outra), topou. Os termos da negociação deixemos em âmbito privado, basta dizer apenas que ele, que é um exímio "tirador de orelha" (músico que pega harmonias de ouvido), teve um trabalhão pra decodificar o que Kana fizera ao violão. Depois de muito tempo, resolveu criar sua própria versão harmônica pra canção. Depois descobri: a dificuldade de Camalle se deveu ao fato de que Kana, pensando numa ciranda, compusera a melodia num único acorde(!). E o que era pra ajudar, dessa vez atrapalhou: ao contrário de Kana, Camalle se identificou tanto com o resultado da canção, que a gravou com tanta empolgação (quase como se se tratasse de canção sua), que, quando Kana a ouviu, sentenciou: "essa música não é minha, é do Élio!"

Daí que nem Kana a quis cantar, nem ele, que, apesar de ter gostado dela, tinha as suas próprias (e muitas) com que se (pre)ocupar. E ali fiquei eu, com aquela bela canção num cais esquecido esperando atracar desavisada embarcação. Até que um dia Dandara me escreveu pedindo que lhe enviasse algumas canções. E, entre outras, enviei, claro, esta, que lhe caiu nas graças. O resto é história. Pra terminar, conto que dia desses Eufra Modesto (seu pai) me disse que Dandara estava cantando cada vez melhor essa canção. E eu atesto e dou fé (será isso uma redundância?). A cada nova interpretação, parece que ela descobre novos significados pra nossa Curumim, e tanto que já ando achando que a canção é mais dela que nossa. Oxe! Mas não dizem que pai (no caso, mãe) é quem cria?


CURUMIM*
Kana Léo Nogueira

Montei meu cavalo
Que é de lata
Tomei no gargalo
Gota a gota
À contramão

Lacei com arame farpado
Meu amanhã
Agora quem tá na garupa
É quem me guiou

Soltei minha fera
Acuada
Saltei sete quedas
Sete vidas Deus me levou

Lavei o meu rosto em rugas
Ruge-carmim
Dos poros exalei meu choro
E sou curumim


***


*O vídeo é o mesmo de postagem anterior, mas o enfoque agora é outro, o da composição.

***

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