Passa um pouco da 1h da madrugada. Acabo de chegar do sobrevivente Café Piu Piu, no ainda charmoso bairro paulistano do Bixiga, onde hoje (aliás, ontem, porque hoje já é amanhã) rolou um projeto do grupo Vitrine (que lembra, na proposta, o Caiubi), que envolveu várias bandas e alguns poetas, pelo que entendi. Cheguei atrasado, e só pude ver o último show, do grupo Poema Novo. Mas me dei por satisfeito. Fazia tempo que eu não me surpreendia como hoje. Saí de lá praticamente correndo, pra poder chegar em casa e escrever estas linhas ainda inebriado do que presenciei. Estou um pouco "alto", do vinho ruim que ingeri, confesso, mas estou um gigante da música que ouvi/vi. Tenho em mente a frase de minha amiga Lucia Helena Corrêa, que diz: "Se beber, não escreva, nem leia", em contrapartida li também que Hemingway falou: "escreva bêbado, edite sóbrio", então vambora!
1) Painho Cuspiu (Xande Mello - Eduardo Pitta)
Dizem por aí que críticos são frustrados, mas hoje eu seria o cara mais feliz do mundo se fosse um crítico de um jornal de grande circulação que tivesse ido ali presenciar o que presenciei e pudesse, embevecido, escrever pro mundo o que senti nesse par de horas. Claro que um crítico, numa situação dessas, não abriria nas nobres páginas de um jornal de grande circulação que tomou umas e outras, então, pensando bem, sou mais feliz ainda por ter um patrão gente finaça, ou seja, eu, que vai valorizar ainda mais minha opinião por me saber espiritualmente "alterado". Mesmo porque não concebo desvincular um show do Poema Novo de uma atitude manguacística, pois, quando essa galera sobe no palco, o que se vê/ouve é algo despirocantemente roquenrol de tão luiz-gonzaguiano.
Este é um Ninguém me Conhece especial, escrito no calor do momento, como nunca havia feito antes. Então, devo algumas explicações: estou acostumado a ir a shows de artistas que conheço, que me proporcionam um prazer esperado. Algumas vezes mesmo um show de um artista conhecido resulta numa apresentação burocrática, sem tesão. Outras vezes encaro uma novidade... e quebro a cara! Por isso que o raro prazer de sair de casa pra ir ver, sem nenhuma expectativa, um baita show é algo que beira o inexplicável. Ok, sou amigo de alguns membros do grupo, inclusive parceiro de um deles (Xande Mello), e já havia visto algumas microapresentações da banda no Chama Poética, de Fernanda de Almeida Prado, mas até então não tinha assimilado a dimensão do que representa esse tal de Poema Novo.
Vamos começar, pois, pelas críticas: cá pra nós, Poema Novo não é lá um nome que seja assim tãããão sugestivo, não é ou não é? Mas nesse caso bico de fora não chia, criticar o nome de uma banda é como dizer pra vizinha que o nome do filho dela (Maicon, Deivid ou algo do gênero) é feio. Nomenclaturices à parte, o que é um nome? Nada! Se a música não for boa, claro (estamos falando de música, oficorse). E, se a música for boa, valoriza o nome. Assim que Poema Novo, pra um crítico desempregado que vê seu show, vira um nome escandalosamente charmoso. Dá gosto ver que em pleno século XXI ainda é possível encontrar (viu, Chicobuarque?) quem faça melodias bonitas (no caso, grudentas!), que sejam dançantes, bem-arranjadas e interpretadas e, ainda por cima, com belas letras. Que mais que tu quer?
Meu querido parceiro Tavito, que valoriza tanto uma boa melodia e se acha uma espécie em extinção nos dias atuais, se tivesse ido ao Piu Piu hoje (no caso, ontem), teria saído com um sorriso de orelha a orelha. E aqui dou a mão à palmatória: meu mano Gabriel de Almeida Prado fazia pelo menos um ano que me falava do tal do Poema, Novo, mas eu, avesso a novidades (obedecendo a prescrições médicas), até então havia saído pela tangente, mas depois de ter visto em casa deste o tal Xande Mello tocar (maomeno) e cantar (pacaraio) tanta coisa boa, e de sua autoria(!), era chegada a hora de encarar o Novo, Poema, como fiz hoje (em companhia do próprio Gabriel, mais Louise Cerpa e Kana). E o mais esculhambadoramente inexplicável foi que me senti tão feliz (o que é raro), que no meio de uma das músicas mais alegres deixei escapar duas vândalas lágrimas manifestantes (não contem pra ninguém!).
2) Admirador Secreto (Xande Mello)
Afinal, o que é o Poema Novo? São o baiano Xande Mello, baita cantor, compositor da maioria das canções do grupo, pelo que entendi, que tem a humildade de esconder do público que as canções são suas e, vezenquando (by Tavito), ainda se faz de coadjuvante pilotando o cajón; Neide Nell, da terra das Alagoas, que canta tanto, e com o corpo todo, que até a rosa que traz nos cabelos canta; a performática percussionista Carla Lopes, que, aliás, não é uma percussionista, mas uma mulher-percussão, pois quando toca mais parece que é tocada, tanto que até seus vastos cabelos emitem som, sem falar que também é compositora, canta, e, quando toca um pandeiro, dá a impressão de estar tendo nesse momento uma relação mais, digamos, íntima com este.
(Acrescentei novo parágrafo pra não cansar os preguiçosos) Em seguida temos um baixista cantor, Fernando Correa, bom bagarai, apesar da pinta de jogador de basquete; o percussionista Alexandre Navarro (será parente de Samantha Navarro?), que seguia a Sodoma com prazer e suingue; e dois violonistas que davam segurança ao todo, Otavio Silvares no violão de seis cordas, com pinta de Los Hermanos (aliás, três dos membros estavam mais pra che guevaras), e Adriano Nogueira, meu possível aparentado, no violão de doze. Quem crê em reencarnação ou em espíritos pode ficar sossegado, pois certamente Luiz Gonzaga acompanha esses intrépidos malucos com aquele sorriso de satisfação de quem sabe que nada foi em vão. Embora o som da banda se expanda por outros ritmos, deixemos claro.
Pra terminar, como vocês puderam perceber, não pude dizer de onde veio nem pra onde vai o tal Poema Novo, o que posso dizer apenas, pra desencargo de consciência, é que, segundo soube, um CD vem por aí. No mais, tivesse eu grana sobrando, não pensaria duas vezes em investir nos muchachos. Acrescentaria, provavelmente, um sanfoneiro, o resto era seguir a bíblia de Jack Kerouac e meter o pé na estrada, sobretudo nas estradas nordestinas. Quem está acostumado a tirar o pé do chão por qualquer m... se sentiria certamente um privilegiado por poder, em pleno século XXI, ter acesso a tudo ao mesmo tempo agora, ou seja, arrasta-pé pra quem gosta de dar umbigada, qualidade poética pra quem comunga da hóstia buarqueana e energia e "mudernidades" mil proporcionadas pela banda. Sei não, oxalá tenha sido eu o primeiro a escrever sobre eles, porque, comigo ou sem-migo, esse Poema Novo (apesar do nome), é o suprassumo do novo em meio a tanta tapioca requentada!
3) Não Me Chama pra Nada (Xande Mello - Eduardo Pitta)
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P.S. Editei, sóbrio.
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Leozinho,
ResponderExcluirmeu escriba predileto, pode crer: você nunca bebe o bastante para comprometer o texto com o qual nos brinda. Primoroso! Primeira felicidade. Segunda felicidade? Saber que, em meio ao clima de revolução dos costumes que varre o país, sobrou um sacode na área das artes, na música e na poesia. Cá entre nós, ando pasma de assistir a tantos atendados -- a elas e, antes, bem antes, à Gramática das canções e poemas, atingida por uma palavra perdida e que, agora, agoniza em plena praça pública. O criminoso, como sempre, escafedeu-se... e tudo cheira muito mal! LUCIA HELENA CORRÊA, LHC, SE BEBER, NÃO ESCREVA. E NEM LEIA!
Lucia, querida:
ExcluirEm primeiro lugar, agradeço por suas palavras, embora não as mereça. Em segundo lugar, queria dizer que esse seu bordão tem me salvado de possíveis aperreios, pois sempre quando estou escrevendo algo e ligeiramente "alterado", piso no freio, deixo a urgência de lado e espero o dia seguinte, pra ver se o que escrevi tem sentido também ante a luz da sobriedade.
Quanto aos acontecimentos recentes em nosso país, vejo que há um lado positivo, pois quando conseguimos, de algum modo, estremecer as bases do poder consolidado, já é uma vitória. Espero que não fique o dito pelo não dito e que um lado promova as reformas esperadas e que o outro aprenda a se profissionalizar cada vez mais, pra que quando alguém no futuro venha a às ruas saiba não apenas o que não quer, mas, o mais importante: o que quer.
Beijos,
Léo.