segunda-feira, 1 de julho de 2013

Trinca de Copas: 19) Gabriel de Almeida Prado, Kana e Marcio Policastro

1) A FLAUTA DE PÃ

foto de Gabriel de Almeida Prado
Por acaso me lembrei de uma canção antiga que fiz com Kana que tem uma história bem interessante. Na época da faculdade fiz um trabalho a respeito de (também conhecido como Fauno. Lembram-se do filme O Labirinto de Fauno?), um estranho deus da mitologia grega que tinha uma aparência assustadora: era meio homem, meio bode, pois era filho de Zeus com uma ama de leite, que por acaso era uma cabra. Resumindo mal e porcamente, se apaixonou por uma moça que não lhe dava trela e chegou a persegui-la por um bosque. Syrinx (era este o nome da moça), chegando à beira de um rio, pediu que as ninfas dos rios mudassem sua forma, e foi transformada em bambu. , lá chegando, encantado com o som que os bambus produziam pelo contato com o vento, juntou alguns deles de diversos tamanhos e improvisou uma flauta. Essa flauta emitia um som maravilhoso, então, ele, apesar de feio, ao tocá-la, passou a ser perseguido pelas moças, que ficavam como que enfeitiçadas por sua música.

Abaixo resgato texto que escrevi como encerramento do trabalho: "Gostaria de abrir um parêntese para deixar umas poucas palavras sobre minha particular impressão sobre este deus tão complexo, que é o deus . Durante a pesquisa, não poucas vezes fui tomado por um sentimento de ojeriza a ele, fosse por sua forma animalesca, fosse por seu comportamento grosseiro. No entanto, aos poucos, como se ouvisse o som de sua flauta, fui me fascinando por sua figura, e cheguei a me imaginar em seu lugar. Daí a construir uma ponte imaginária até os dias de hoje não me foi difícil. Vislumbrei-o nos tempos atuais, na pele de muitos excluídos, que vivem à margem da selvageria de um mundo capitalista e escravo do poder do dinheiro e da beleza puramente superficial. Pude imaginar sua flauta solitária tentando encantar esquálidas ninfas de ouvidos moucos. E eu, compositor, senti-me na obrigação de terminar esta pesquisa compondo uma canção que enfatizasse a beleza de e de tantos pãs que vivem hoje espalhados por um mundo cruel e belo."

A meu pedido, Kana fez uma melodia, pra qual eu fiz a letra abaixo, em seguida, gentilmente, gravou-a, pra que eu a apresentasse em sala. Seguem canção e letra:

A FLAUTA DE Pà


Não, é tudo em vão, 
Se o belo não provém do coração
Paz não satisfaz, 
Se não houver também temporais 

Sem capuz, sem laquê 
Fechando os olhos, revele
Quem é você

Vem dos campos notas de uma flauta 
Temporã
A beleza em mim é o que te assalta 
Também sou

Sim, tudo tem fim
A rosa e o botão no seu jardim
E eu vou ver no breu 
Com os olhos da canção de um deus

Sem pintar, sem coser
O feio mora naquele 
Que nele crê

Vem dos campos notas de uma flauta
Temporã
A beleza em mim é o que te assalta 
Também sou

*** 

2) NITROGLICERINA

Canções nascem de todas as formas possíveis e imagináveis. Muitas vezes calha de o compositor estar inspirado e ser tocado por um fato qualquer, por mais insignificante que pareça. Nitroglicerina nasceu de um desses fatos. Estava eu "procurando não achar" no facebook, quando me deparei com uma foto que alguém postou da fachada de uma casinha simples, onde, supus, morava um estranho mecânico. Estranho porque, em vez de consertar carros, ele oferecia a seus clientes outro tipo de conserto. Na parede apareciam escritos os chistosos dizeres: "consertamos disco voador" (veja foto abaixo). Pronto, estava aceso o pavio que resultaria numa labareda... e, posteriormente, numa nitroglicerina!


Fiz uma estrofe e mostrei-a a Gabriel de Almeida Prado, que curtiu a ideia e resolveu entrar na onda. Encontramos uma brecha em nossas tão ocupadas agendas e, por meio do chat do gmail, burilamos a danada até chegarmos a um veredito que nos declarava culpados de mais uma letra, como direi? ... lunática! Geralmente, quando compomos pessoalmente, é natural a melodia sair junto, mas quando é à distância focamos mais na letra. Alguns dias depois Gabriel me mostrou a melodia que lhe havia feito. Faltava a gravação, assim que mano Gabo se aproveitou da amizade com nosso querido Xande Mello e, em casa deste, gravou a versão que segue abaixo, com participação vocal do próprio Xande. Divirtam-se:


Conserto discos voadores

Reformo sonhos aos pedaços
Do arco-íris pinto as cores
De ilusão trago alguns maços

Sou tradutor de marciano
Sou faixa-preta em utopia
Tem 30 meses o meu ano
Fim de semana é todo dia

Trafico o pó dos meus poemas
Faço buquê de beija-flores
Pratico beijos de cinema
Ensino bossa pra tenores

Eu rego as asas de quem voa
Com lágrimas do meu jardim
Porque voar é da pessoa
O solo é só o trampolim

Tenho um planeta em bom estado
Pra ser o lar da nossa sina
E um coração semiusado
Que é feito de nitroglicerina

***

3) A ÚLTIMA CANÇÃO DE NINAR

Existem belas canções que são praticamente inexplicáveis, ou seja, não sabemos exatamente por que vieram ao mundo; são meio que como um filho fruto de uma gravidez não programada que, depois que chega, gera em nós tanto carinho, que somos arrebatados por ele. É só assim que consigo explicar a existência desta canção. Certo dia, não sei por que nem pra quê, rabisquei num papel a primeira estrofe dessa canção mais porque me vieram umas imagens à cabeça do que por saber o que eu queria dizer. Fiquei contente com o resultado e passei então a procurar um tema que o justificasse. Encontrei: a velhice e a inevitabilidade do encontro com a morte, que cedo ou tarde dá o ar da (des)graça.

Letra finalizada, naturalmente pensei em enviá-la a um parceiro que já, digamos, possui certa idade. Depois fiquei um tanto constrangido e desisti da ideia. Por fim me decidi por Marcio Policastro, por puro acaso. Ainda agora não sei por que o escolhi entre tantos parceiros, até porque não se tratava de uma letra que eu achasse ter a ver com ele. Mas o fato foi que lhe enviei e, pelo visto, a letra não lhe disse nada de imediato. Bastante tempo depois, disse-me ele que estava compondo uma melodia, mas, como estava sem ideia de letra, recorreu a uma pastinha que tem por título meu nome, e não é que, entre tantas letras que lá se encontram, abriu justo essa? E o mais surpreendente foi que a letra caía como uma luva na melodia, que sofreu apenas um ou outro ajuste! Agora vocês a ouvirão, e estou seguro de que pensarão o mesmo que eu: parece que a letra e a melodia foram feitas uma pra outra. Mais, parece que nasceram juntas. Comprovem:

A ÚLTIMA CANÇÃO DE NINAR
Marcio Policastro - Léo Nogueira

No rosto um resto de espera

Um rastro de primavera
Um gosto ainda de festa
Um olho, sim, persevera
O outro mira a cratera
E os dois aparam arestas

No baile blue da quimera

A bela dança co'a fera
Aquela valsa modesta
De quando a inocência era
A companhia sincera
Pra atravessar a floresta

E o outono também vem dançar

Sem ter prumo, com chumbo nos pés
Nenhum de nós quer ser o seu par
Mas cedo ou tarde chega a nossa vez

O corpo para e pondera

O que será e o que era
O tempo ninguém empresta
A orquestra desacelera
Era uma vez atmosfera
Eita vidinha mais besta!

***


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