1) A FLAUTA DE PÃ
foto de Gabriel de Almeida Prado |
Abaixo resgato texto que escrevi como encerramento do trabalho: "Gostaria de abrir um parêntese para deixar umas poucas palavras sobre minha particular impressão sobre este deus tão complexo, que é o deus Pã. Durante a pesquisa, não poucas vezes fui tomado por um sentimento de ojeriza a ele, fosse por sua forma animalesca, fosse por seu comportamento grosseiro. No entanto, aos poucos, como se ouvisse o som de sua flauta, fui me fascinando por sua figura, e cheguei a me imaginar em seu lugar. Daí a construir uma ponte imaginária até os dias de hoje não me foi difícil. Vislumbrei-o nos tempos atuais, na pele de muitos excluídos, que vivem à margem da selvageria de um mundo capitalista e escravo do poder do dinheiro e da beleza puramente superficial. Pude imaginar sua flauta solitária tentando encantar esquálidas ninfas de ouvidos moucos. E eu, compositor, senti-me na obrigação de terminar esta pesquisa compondo uma canção que enfatizasse a beleza de Pã e de tantos pãs que vivem hoje espalhados por um mundo cruel e belo."
A meu pedido, Kana fez uma melodia, pra qual eu fiz a letra abaixo, em seguida, gentilmente, gravou-a, pra que eu a apresentasse em sala. Seguem canção e letra:
A FLAUTA DE PÃ
Não, é tudo em vão,
Se o belo não provém do coração
Paz não satisfaz,
Se não houver também temporais
Sem capuz, sem laquê
Fechando os olhos, revele
Quem é você
Vem dos campos notas de uma flauta
Temporã
A beleza em mim é o que te assalta
Também sou Pã
Sim, tudo tem fim
A rosa e o botão no seu jardim
E eu vou ver no breu
Com os olhos da canção de um deus
Sem pintar, sem coser
O feio mora naquele
Que nele crê
Vem dos campos notas de uma flauta
Temporã
A beleza em mim é o que te assalta
Também sou Pã
***
2) NITROGLICERINA
Canções nascem de todas as formas possíveis e imagináveis. Muitas vezes calha de o compositor estar inspirado e ser tocado por um fato qualquer, por mais insignificante que pareça. Nitroglicerina nasceu de um desses fatos. Estava eu "procurando não achar" no facebook, quando me deparei com uma foto que alguém postou da fachada de uma casinha simples, onde, supus, morava um estranho mecânico. Estranho porque, em vez de consertar carros, ele oferecia a seus clientes outro tipo de conserto. Na parede apareciam escritos os chistosos dizeres: "consertamos disco voador" (veja foto abaixo). Pronto, estava aceso o pavio que resultaria numa labareda... e, posteriormente, numa nitroglicerina!
Fiz uma estrofe e mostrei-a a Gabriel de Almeida Prado, que curtiu a ideia e resolveu entrar na onda. Encontramos uma brecha em nossas tão ocupadas agendas e, por meio do chat do gmail, burilamos a danada até chegarmos a um veredito que nos declarava culpados de mais uma letra, como direi? ... lunática! Geralmente, quando compomos pessoalmente, é natural a melodia sair junto, mas quando é à distância focamos mais na letra. Alguns dias depois Gabriel me mostrou a melodia que lhe havia feito. Faltava a gravação, assim que mano Gabo se aproveitou da amizade com nosso querido Xande Mello e, em casa deste, gravou a versão que segue abaixo, com participação vocal do próprio Xande. Divirtam-se:
NITROGLICERINA
Conserto discos voadores
Reformo sonhos aos pedaços
Do arco-íris pinto as cores
De ilusão trago alguns maços
Sou tradutor de marciano
Sou faixa-preta em utopia
Tem 30 meses o meu ano
Fim de semana é todo dia
Trafico o pó dos meus poemas
Faço buquê de beija-flores
Pratico beijos de cinema
Ensino bossa pra tenores
Eu rego as asas de quem voa
Com lágrimas do meu jardim
Porque voar é da pessoa
O solo é só o trampolim
Tenho um planeta em bom estado
Pra ser o lar da nossa sina
E um coração semiusado
Que é feito de nitroglicerina
***
3) A ÚLTIMA CANÇÃO DE NINAR
Existem belas canções
que são praticamente inexplicáveis, ou seja, não sabemos exatamente
por que vieram ao mundo; são meio que como um filho fruto de uma gravidez
não programada que, depois que chega, gera em nós tanto carinho, que
somos arrebatados por ele. É só assim que consigo explicar a existência
desta canção. Certo dia, não sei por que nem pra quê, rabisquei num
papel a primeira estrofe dessa canção mais porque me vieram umas imagens
à cabeça do que por saber o que eu queria dizer. Fiquei contente com o
resultado e passei então a procurar um tema que o justificasse.
Encontrei: a velhice e a inevitabilidade do encontro com a morte, que
cedo ou tarde dá o ar da (des)graça.
Letra finalizada, naturalmente pensei em enviá-la a um parceiro que já, digamos, possui certa idade. Depois fiquei um tanto
constrangido e desisti da ideia. Por fim me decidi por Marcio Policastro, por puro acaso. Ainda agora não sei por que o escolhi entre
tantos parceiros, até porque não se tratava de uma letra que eu achasse
ter a ver com ele. Mas o fato foi que lhe enviei e, pelo visto, a letra
não lhe disse nada de imediato. Bastante tempo depois, disse-me ele que
estava compondo uma melodia, mas, como estava sem ideia de letra,
recorreu a uma pastinha que tem por título meu nome, e não é que, entre
tantas letras que lá se encontram, abriu justo essa? E o mais
surpreendente foi que a letra caía como uma luva na melodia, que sofreu
apenas um ou outro ajuste! Agora vocês a ouvirão, e estou seguro de que
pensarão o mesmo que eu: parece que a letra e a melodia foram feitas uma
pra outra. Mais, parece que nasceram juntas. Comprovem:
A ÚLTIMA CANÇÃO DE NINAR
Marcio Policastro - Léo Nogueira
No rosto um resto de espera
Um rastro de primavera
Um gosto ainda de festa
Um olho, sim, persevera
O outro mira a cratera
E os dois aparam arestas
No baile blue da quimera
A bela dança co'a fera
Aquela valsa modesta
De quando a inocência era
A companhia sincera
Pra atravessar a floresta
E o outono também vem dançar
Sem ter prumo, com chumbo nos pés
Nenhum de nós quer ser o seu par
Mas cedo ou tarde chega a nossa vez
O corpo para e pondera
O que será e o que era
O tempo ninguém empresta
A orquestra desacelera
Era uma vez atmosfera
Eita vidinha mais besta!
Marcio Policastro - Léo Nogueira
No rosto um resto de espera
Um rastro de primavera
Um gosto ainda de festa
Um olho, sim, persevera
O outro mira a cratera
E os dois aparam arestas
No baile blue da quimera
A bela dança co'a fera
Aquela valsa modesta
De quando a inocência era
A companhia sincera
Pra atravessar a floresta
E o outono também vem dançar
Sem ter prumo, com chumbo nos pés
Nenhum de nós quer ser o seu par
Mas cedo ou tarde chega a nossa vez
O corpo para e pondera
O que será e o que era
O tempo ninguém empresta
A orquestra desacelera
Era uma vez atmosfera
Eita vidinha mais besta!
***
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