sexta-feira, 12 de julho de 2013

Crônicas Classificadas: 30) Bar ruim é lindo, bicho!

Meu camarada Gabriel de Almeida Prado dia desses me falou que acha meu estilo na escrita muito parecido com o de Antonio Prata, cronista que atualmente escreve no caderno Cotidiano da Folha de S.Paulo. Fiquei contente com o que julguei ser um elogio. Mesmo porque o moço escreve bem bagarai e tem uma originalidade natural que salta aos olhos. E também porque, com esse elogio, equilibro a balança, visto que outro camarada meu, Élio Camalle, justamente depois que virou bourgeois(!), tem achado que tô mais pra Arnaldo Jabor, simplesmente porque não saio às ruas segurando um cartaz escrito em letras garrafais "BASTA DE CORRUPÇÃO!". No mais, acho isso meio genérico. Se tivesse que escrever algo num cartaz escreveria "ABAIXO O CÂNCER! (E VIVA O SAGITÁRIO!)", "QUEREMOS DIAS COM 30 HORAS!", "FILÉ-MIGNON NA FAIXA PARA OS MENDIGOS JÁ!", "FORA COM AS LONG-NECKS NOS RESTAURANTES!" ou algo do gênero.

Bem, mas deixemos de lado os cartazes, até porque meu cartaz não anda muito em alta depois que vim a público defender o direito de Neymar a ser Neymar (aqui). São tempos perigosos estes pra quem escreve. A gente escreve uma coisa, o cara lê outra. Minha amiga Lucia Helena Corrêa, boa jornalista que é, diz que quando alguém interpreta erroneamente um texto a culpa é de quem o escreveu, que não conseguiu se fazer entender. Em tese concordo, mas tem umas mulas por aí que, se você escrever que 1 + 1 = 2, são capazes de jurar que aquele 2 é um 3. Pra convencer esse tipo de leitor, nenhum argumento é suficiente. Sinal dos tempos. Não imagino, por exemplo, a galera indo às ruas algumas décadas atrás dizendo "Brasil, não relincha! Um professor vale mais que o Garrincha!". Naquela época, pra se falar bem de maçã não se criticava maçaneta.

Mas viremos a página, ou melhor, comecemos vida nova neste parágrafo novo, afinal é bem mais agradável falar do Prata, que vale ouro! Além de tudo, é um cara que sempre chega antes na ideia. Sacumé, cê vê uma ideia, fica paquerando-a de longe, meio sem coragem de chegar nela, daí vai o Prata, chega na maior sem-cerimônia, ganha e leva embora a tal ideia. Daí quando, no dia seguinte, a gente lê tudo o que ele fez com a coitada da ideia, fica com a maior dor de cotovelo, pensando "por que não fui eu que cheguei nela antes?". É, senhores, assim é o Prata, o cara que rouba minhas ideias e expõe em praça pública, ou melhor, no caderno Cotidiano. Mas como a Folha agora, já que tá vendendo menos jornal por causa da efervescência da internet, tem endurecido pra cima dos blogueiros preguiçosos que vão lá roubar crônicas, resolvi voltar ao passado e (a título de restituição) roubar uma do Prata de uma safra mais antiga. Esta, aliás (superatual, é bom que se diga), faz parte de um livro chamado As Cem Melhores Crônicas Brasileiras, lançado há alguns anos pela Objetiva. É, rapá, nem toda prata é 2º lugar!

 Bar ruim é lindo, bicho!
 Por Antonio Prata

Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso frequento bares meio ruins. Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de cento e cinquenta anos (deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de cento e cinquenta anos, mas tudo bem).

N
o bar ruim que ando frequentando ultimamente o proletariado atende por Betão – é o garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas, acreditando resolver aí quinhentos anos de história.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar “amigos” do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura
.


– Ô Betão, traz mais uma pra a gente – eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte dessa coisa linda que é o Brasil.

Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte dessa coisa linda que é o Brasil, por isso vamos a bares ruins, que têm mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gâteau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira, que são os pratos tradicionais da nossa cozinha. Se bem que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gâteau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda
.

N
ós, meio intelectuais, meio de esquerda, gostamos do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil. Assim como não é qualquer bar ruim. Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, uma lágrima imediatamente desponta em nossos olhos, meio de canto, meio escondida. Quando um de nós, meio intelectual, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda, frequenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.


O
problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo frequentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas. Até que uma hora sai na Vejinha como ponto frequentado por artistas, cineastas e universitários e, um belo dia, a gente chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e, principalmente, universitárias mais ou menos gostosas. Aí a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó. Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que frequentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV. Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevette e chinelo Rider. Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico. E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.


Os donos dos bares ruins que a gente frequenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem. Os que entendem percebem qual é a nossa, mantêm o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam cinquenta por cento o preço de tudo (eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato). Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae. Aí eles se dão mal, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão Brasil, tão raiz.

N
ão pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda em nosso país. A cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelos Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gâteau pelos quatro cantos do globo. Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda que, como eu, por questões ideológicas, preferem frango à passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca, mas é como se diz lá no Nordeste, e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o Nordeste é muito mais autêntico que o Sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é bem mais assim Câmara Cascudo, saca?).


– Ô Betão, vê uma cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?

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PS: Roubei a crônica daqui


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