Sempre gostei de viajar, só que de um modo um tanto distinto do de
turistas comuns. Não vou dizer que não me agrade visitar pontos
turísticos, mas, se a viagem se resumisse a isso, confesso que preferia
ficar em casa. Afinal, muitas vezes temos que acordar cedo, passar horas
dentro de um ônibus, nos cansamos caminhando e visitando um sem-fim de
igrejas e museus, pra no fim só tirar uma dúzia de fotos que, na volta,
mostramos aos parentes e amigos, e não absorvemos absolutamente nada da
essência do lugar visitado. Vou dar um exemplo, mas num parágrafo novo,
pra não sobrecarregar este.
Certa vez estávamos eu, esposa e sogra em Machu Picchu,
em meio a uma pequena multidão que acompanhava o guia que nos ia
destrinchando as peculiaridades do local durante o trajeto, quando de
repente ouvi um grito em português, algo como "para tudo!". Em pouco
tempo percebi se tratar de uma brasileira (carioca, pelo sotaque) que,
como não entendesse nada do que dizia o guia (em espanhol), rodava a baiana e, entre
um palavrão e outro, sem ligar pro marido, que, constrangido, pedia pra
ela se acalmar, exigia que lhe informassem onde era a saída, que ela
continuaria o percurso só. Detalhe: havia outro guia, em inglês, mas a
madame, pelo visto, não dominava nem o português...
Mas eu contava que viajo por outros motivos. Gosto
de me misturar aos passantes em ruas movimentadas, ouvir o som de suas
vozes, seus sotaques, de preferência em lugares onde a presença de
turistas seja mínima, comer em restaurantes populares, pra saber o que
comem as pessoas que ali vivem, conversar com elas, pedir dicas sobre
escritores e compositores locais, enfim, respirar o ar da região,
sentir-me envolto em sua atmosfera, como se eu fosse apenas mais um dos
habitantes daquela cidade. Quando piso num país pela primeira vez,
sinto-me em estado de graça, como uma criança num parque de
diversões. E me sinto um camarada afortunado por poder ter tais
experiências.
Acho deprimente ver turistas que, tendo a
oportunidade de experimentar uma nova culinária e tomar conhecimento de
outra cultura, preferem procurar os Mc Donald's e shopping
centers de sempre. Imagino que esse tipo de gente viaja pra buscar o já
conhecido, sem ultrapassar a zona de conforto. Ora, se era pra isso,
fulano não economizaria tempo e dinheiro fazendo esse passeiozinho em
sua própria cidade? Pra mim, pelo contrário, viajar é interagir, é ser
uma personagem com falas e não simplesmente um figurante, é ser um
agente de interlocução, é menos assistir a um filme que estar dentro
dele, atuando. Por ser assim acabo escolhendo sempre países cuja língua
eu domino, ainda que mal e porcamente.
E nessas horas me arrependo de minha teimosia em não ter aprendido
inglês. Claro que não é a mesma coisa usar uma língua-tampão em vez da
língua local, mas é melhor usá-la que ficar mudo, como ocorreu comigo em
Paris, a cidade das luzes, dos livros, dos cafés, onde entrei mudo e de
onde saí calado. Foi deprimente entrar na Fnac parisiense e me
deparar um aquele mundão de livros escritos numa língua alienígena (pra
mim, claro) e não poder sequer fazer uma simples pergunta a quem quer
que fosse. Daí que acabei desolado, trazendo na mala um punhado de
frustrações. Não fosse a esposa, nem teria conseguido escolher um prato
num restaurante. Agora me lembrei da carioca em Machu Picchu... mordi a
língua (pelo menos não dei piti)!
Mas nem só de más recordações vive o viajante.
Quando jovem estudei italiano por um ano e meio, daí que certa vez,
quase duas décadas depois, tive a alegria de passar duas semanas na
Itália. Covarde que sou, simplesmente travei nos dois primeiros dias.
Bastava abrir a boca e soltar um "Signore, scusi" e o restante da
frase caía no chão e escapava pelo bueiro. De repente, no terceiro dia,
do nada, lá estava eu falando pelos cotovelos. Tudo errado, claro, mas
me comunicando! Lembro que um dia fui pedir uma informação a um velhinho
e perguntei: "Signore, abíti qui?", ao que ele me corrigiu: "Abíti, no! Ábiti". Faltou pouco pra eu o abraçar, comovido...
Agora meu maior desafio foi seguramente a primeira
viagem ao Japão. Em poucas viagens chorei tanto na vida. O vento batia
em meu rosto, eu chorava. Os carros passavam em sentido contrário (lá a
esquerda é a direita, e vice-versa), eu chorava. Comia um prato pela
primeira vez, meus olhos se enchiam de lágrimas. Sem falar que foi lá
que vi neve pela primeira vez. O Japão, em nosso imaginário, é um país
cheio de encantos e mistérios, além de ser completamente distinto do
nosso. Por essas e outras, ainda mais pra mim, que gosto bastante do
cinema e da literatura orientais, a mágica de estar ali era tamanha. Só
me deparei com um probleminha "insignificante": a língua!
Por não falar inglês, sabem o que fiz? Me pus a estudar
diariamente os três alfabetos japoneses, a saber: hiragana, katakana e
kanji. Os dois primeiros são até fáceis, mas o terceiro... Este, só
mesmo alguém morando ali durante anos pode aprender. E olhe lá! Pois
bem, com um bom dicionário à mão, e tendo a sogra
como professora (ela engrenava uma quinta e não queria nem saber se eu
entendia ou não!), em três meses ali já conseguia manter conversações
básicas. E hoje, anos depois, embora não fale bem (por falta de uso da
língua), tenho, dizem, uma pronúncia bastante boa. Mas há uma história
que queria contar pra finalizar: nessa viagem, como disse antes, vi
neve pela primeira vez. Era madrugada. Corri pra rua, abri a boca,
estirei a língua pra fora pra saber seu sabor, e comecei mesmo a
escrever o abc japonês no chão branco, rindo e chorando. Minha sogra, preocupada, perguntou a minha esposa se eu estava bem. Não, não estava.
Estava ótimo!
***
lindo!!! me dan ganas de viajar...
ResponderExcluiry es verdad que entramos en otra frecuencia,. mas presente, con los sentidos mas alertas...
amo viajar y que decir de cuando cruzo la frontera y empiezo a ver los carteles en portugués...ahí ya ne pongo de buen humor!!
Hola, Marce!
ExcluirA mí me pasa lo mismo viendo los carteles en español! Jajaja!
Besos,
Léo.
Hola apreciado Léo !!!!!!
ResponderExcluirhace mucho que no venía por acá.. lo siento ... pero bueno .. aquí estoy ....
me encantó tu texto !!!!!!!!!
es lo q siempre he pensado de los viajes.... es para vivir la cultura, conocer las personas !!!! .... no para repetir lo q hacen otros (turistas), y mucho menos para conocer lo q ya se sabe.... sino para entrar en contacto con lo desconocido .. la cultura en sí, las costumbres... los dialectos, los dichos.... esos detalles tan preciados y para nada insignificantes que construyen una sociedad, una manera particular de vivir.....
y así lo intenté cuando fui allá !!! y me encantó ...
sabes.... académicamente, hay un sociólogo que habla del tema... él, Marc Augé, francés, escribió un libro que se llama "El viaje imposible".... lo leí cuando estaba en la universidad y me fascinó... fue lo que me abrió los ojos al verdadero sentido de los viajes.....
el problema del idioma .. sip, es cierto .. pero sabes, hablando un idioma extranjero se conoce también las particularidades de la cultura... me pasó con los primeros idiomas que aprendí, y todavía me pasa con los nuevos... y en el momento en que se pone en práctica, wowwwwww .... es llegar a un estado quasi de éxtasis !!!!... es completar ese deseo tan anhelado.... !!!
muchas gracias por tu texto....
a gente se fala !.... (hahaha no lo olvidé esta vez)
saludosssssss
javier
Hola, Javi! Qué bueno encontrarte por acá de nuevo. Coincidimos en el pensamiento, incluso en lo del éxtasis que el encuentro con un nuevo idioma nos propicia, además del viaje, por supuesto.
ExcluirY qué bien que te llegó el CD. Que lo disfrutes!
Seguimos en contacto!
Saludos,
Léo.