quarta-feira, 24 de julho de 2013

Notícias de Sampa: 9) Sopa de Letrinhas, 11 anos

Arte: Aimée e Louise Cerpa
Todo artista fica feliz que nem criança que ganha um brinquedo quando recebe um afago no ego. É natural, mais, é uma troca: o cara faz uma canção e vai lá dar a cara a tapa, sobe num palco e procura dar o melhor de si no intuito de emocionar a plateia, entrar em sintonia com ela, como se os dois lados formassem parte de um só corpo, uma só energia, buscando através de sua canção um magnetismo que una dois polos, como se o palco fosse espelho da plateia, e vice-versa. E, quanto mais o tempo passa, mais isso fica difícil. Quem sobe num palco hoje tem que competir com os garçons; o tilintar dos copos; as conversas paralelas; o camarada que se senta de costas pro palco e, sem microfone, quer chamar mais a atenção do que o músico; os celulares, iPods, iPhones; os que nunca ficam afônicos; e tantos outros "atravessadores" que estão ali pra tirar a atenção do público...

É, não é fácil! Imagine então no caso dos poetas! Imaginaram? Pois é, nesse caso o afago é mais raro (e por isso mais importante) ainda, visto que grande parte destes não tem necessariamente costume de pisar num palco e expor sua arte em público. Recitar é arte das mais complexas, é muito mais difícil conseguir a atenção recitando que cantando. São muitos os detalhes que atrapalham a vida do poeta. Às vezes o camarada é até bom de palco, tem carisma, ganha o público antes do poema, mas aí, na hora do vamo' ver, a arte não está à altura da embalagem. Já em outros casos pode acontecer exatamente o oposto: aquela moça tímida, que não sabe usar o microfone (eu disse microfone!), não se faz ouvir, gagueja, mãos transpiram, de repente se tratava de um poema genial, mas a química não rolou, era como se ela estivesse falando grego.


Vlado por Carlos Savasini
Por isso não é lá muito comum encontrarmos saraus duradouros. Há que se ter um algo mais, um diferencial, a cereja do bolo. É nesse aspecto que o Sopa de Letrinhas diz a que veio. Em primeiro lugar porque seu apresentador, organizador, mentor, cantor, compositor, humorista, chacrinha, canastrão, enfim, o faz-tudo da bagaça, meu irmão gêmeo na teimosia, o primeiro e único Vlado Lima, não deixa a peteca cair. Digo "irmão gêmeo na teimosia" porque o que suo pra manter este blogue ele sua (e soa) em dobro pra que seu sarau se reinvente e continue digno do sucesso de sempre. Os tempos mudam e, com ele, o público. Antigamente a gente ia a um sarau e ficava todo mundo em silêncio pra ouvir o poeta que estava no palco. Hoje em dia todo mundo fala, alguns mais alto que o poeta, e este, quando desce do palco, de vingança, começa a falar enquanto o seguinte se apresenta.

Realmente são outros tempos. Não à toa duas amigas minhas, não à toa poetas e lúcias, a maranhense Santos e a carioca Helena Corrêa, de vez em quando sobem nos tamancos e chamam a patuleia à razão. Afinal, ouvidos mal-educados merecem que lhes entrem tímpanos adentro poesia do baixo clero. No mais, nem só de psicodelismo vivem os saraus. Aproveito pra esclarecer um ponto importante: gente, sarau se escreve com "u" no final, portanto, seu plural é saraus. Facinho, só acrescentar o "s". Seria sarais se seu singular fosse saral, como sal/sais, capital/capitais, pardal/pardais. Se bem que há exceções, como mal/males, mas há males que vêm pra atrapalhar os maus. Momento didático patrocinado pel'O X do Poema
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A plateia - por Carlos Savasini
(à direita, o ilustre Paulinho das Frases)
Pois bem, isto posto (que é chama) voltemos ao Sopa, que a vida não tá sopa. Dizia eu que Vlado Lima, o intrépido, passa por cima de toda essa problemática com a leveza de quem tem pés de elefante. E os incomodados que vão lá no balcão comprar mais uma cerveja! Afinal, o Sopa é uma organizada anarquia, e Vlado sabe, não diria pôr ordem na bagaça, mas deixar a desordem um pouco mais ajeitada, como um feio que pelo menos se veste bem. Assim é o sarau de Vlado, que conta com poetas profissionais, debutantes (ui!), intervalos em que ocorrem apresentações musicais, e há sempre, a cada novo sarau, um novo poeta homenageado, inclusive, em determinado momento do sarau, o público pode escolher algum dos poemas do homenageado, que ficam expostos num mural (/murais, sacaram?). E aí é a glória, pois o público, cada vez mais big-brotheriano, tem seus 15, aliás, 2 ou 3 minutos de fama. Dependendo do poema escolhido, craro.

Frequento o Sopa desde os primórdios lá na saudosa casinha da rua Caiubi, primeira sede do homônimo Caiubi. Da primeira vez que fui tomei um baita dum susto, pois parecia baladinha teen; quem tirasse um pé do chão sofria pra achar outro espacinho pra pô-lo de volta. A casa fervilhava, parecia um Carnaval fora de época. E ainda parece. E ainda fervilha. Falando nisso, acho que Vlado devia receber alguma homenagem por trazer a poesia à categoria de arte pop. É meio como se no programa do Chacrinha... Peraí, melhoremos a comparação, pois os mais novos não entenderão: é como se o Faustão, ou mais, o Ratinho, isso, se um dos dois apresentassem em seus programas... poesia! Eu diria que o Sopa de Letrinhas é uma espécie de babilônia poética. O endereço muda, mas a atmosfera permanece.

Léo dando sopa - momento 
de autopropaganda
E foi no Sopa onde pela primeira vez recebi uma homenagem. Acho que o poeta homenageado deve ter ficado gripado, e resolveram me chamar pra ser o "poeta-tampão" em questão. Daí tive que me virar pra não passar vergonha. Em primeiro lugar, tive que escolher 30 de minhas letras pra serem expostas no mural, e isso foi um trabalho incomensurável, pois uma coisa é você gostar de uma letra coberta e valorizada pela melodia, outra coisa é desnudá-la de notas. Talvez essa seja a grande diferença técnica entre letra de música e poesia. Sem entrar no mérito do bom/ruim, pois há letristas ótimos e poetas horríveis, mas nem toda letra de música funciona sem seu complemento. Mas acho que naquela noite dei conta do recado. E, como dizem, entre mortos e feridos, todos sobreviveram.

Por último preciso dizer que
Vlado, apesar de não parecer, é um cara superprofissa, não o fosse seu sarau não estaria completando agora 11 anos! Um rapazinho em plena puberdade (o sarau, não Vlado), com a energia, os excessos e contradições próprios da idade, mas vigoroso e prometedor de muitos anos ainda de serviços a prestar a ela, a musa poesia, que, por sua vez, existe pra tratar de outras musas. Então, se você nunca foi ao Sopa, escolha seu melhor poema e vá lá colocar seu nome na lista e dar a cara a tapa. Talvez essa experiência de estar do outro lado dos holofotes o faça valorizar mais o que acontece ali naquele chão sagrado/profano. Pra terminar, só sinto saudade da pistolinha de água que Vlado aposentou. Na rua Caiubi, quem falava durante a apresentação de um poeta levava um tiro da tal pistola. Como frisei acima, "os tempos mudam e, com ele, o público". Hoje, se Vlado fosse utilizá-la, ia faltar água...

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Recado do
Vlado:

Marquem aí na agenda: dia 27 de JULHO vai rolar a festa pelos 11 anos do Sopa De Letrinhas Sarau lá no Espaço Gam Yoga. Vai ter música, poesia, arraial, festa julina, barracas de comidas e bebidas, dança de quadrilha com poetada e um um forrozão pra gente soltar os bichos.

Data: 27/7/2013
Hora: das 19h30 às 2h
Local: Gam Yoga
End.: Rua Fradique Coutinho, 1.004 - Vila Madalena - São Paulo-SP

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